segunda-feira, 18 de abril de 2011

Introdução à tradução dos Sonetos de Shakespeare

Praticamente é impossível, nas traduções de qualquer língua para o português, preservar todos os valores do original. Formalmente, o metro nem sempre pode ser guardado, ou o ritmo; para conservar as rimas, tem-se, muitas vezes, de parafrasear ou resumir o pensamento do autor. Traduzir é, antes do mais, compreender; mas ninguém pode garantir que nossa compreensão do texto seja exata ou ainda a única exata. Ainda que o fosse, não se poderia respeitar, escrupulosamente, a sonoridade das palavras, nem as evocações que essas palavras despertam com sua simples sonoridade. Traduzir é assim recriar, empreender uma aventura de compreensão e reexpressão de determinado texto. Não há traduções exatas; há, isto sim, reexpressões algumas vezes felizes de textos estrangeiros.(SHAKESPEARE, 2008, p.9)
 Com essas palavras Péricles Eugênio introduz as suas traduções dos sonetos. O tradutor explica de forma clara e simples as dificuldades inerentes do ato de traduzir (ou reexpressar, ou transcriar, ou recriar, ou transladar, ou i-traduzir, ou intraduzir ou o como você quiser chamar o ato tradutório voltado à poesia).

Shakespeare simplesmente é um dos autores mais traduzidos do mundo, apesar da primeira tradução integral direta tenha se dado apenas em 1933, as traduções vêm crescendo ano a ano (MARTINS, 2010, p.49). Os sonetos, ao que me consta, foram traduzidos para a língua portuguesa parcialmente pelo menos 7 vezes (Péricles Eugênio, Ivo Barroso, Bárbara Heliodora, Faça Você Mesmo [org:Jorge Furtado], Diego Raphael, Ênio Ramalho e Renata Cordeiro) e há pelo menos mais 6 traduções integrais (Jorge Wanderley, Jerónimo de Aquino, Tereza Christina, Vasco Graça Moura, Oscar Mendes e Milton Lins), afora traduções isoladas (como o 47º por Elson Fróes, 1º e 17º por Fabrício Souza, I e V e X por mim e inúmeras outras espalhadas por aí). O maior problema ao traduzir Shakespeare não é literário (na verdade, também é literário), que é o "peso" de se traduzir o grande bardo inglês. Por conta da sofisticada poética, imagética e forma dos poemas, convencionalmente se acredita que a tradução dos sonetos é uma ação (desde o início) fadada ao fracasso.

O PROBLEMA DA INTRADUZIBILIDADE DA POESIA
O maior problema da intraduzibilidade da poesia é quanto ao fato de que para a poesia ABSOLUTAMENTE TUDO é importante. A sonoridade, ritmo, metro, imagens, disposição gráfica, estrutura sintática, repetições e muitos outros fatores são absolutamente essenciais. Um exemplo claro é a poesia "Soneto do Amor Total" de Vinícius de Morais, onde a repetição das consoantes nasais e vogais nasalizadas gera um efeito que auxilia a interpretação poética. O mesmo ocorre com as "Vogais Sem Valor" de Pinagé, onde a falta de uma vogal em cada poesia é importantíssimo para a própria construção semântica. Muito costuma se discutir se uma tradução deve ser "puramente semântica" ou "puramente formal". Eu, pessoalmente, com a ousadia de alguem que não é estudioso da tradução, considero essa discussão completamente sem propósito. Se tranpor apenas a "forma", perde-se o sentido e a obra deixa de ser tradução e se transpor apenas o "sentido", o próprio sentido se perde, pois o sentido também está contido na forma. Forma e sentido não podem ser separadas na poesia, e devem ser traduzidas juntas.

Mas aí vem um problema grave. É teóricamente impossível realizar uma tradução onde TODOS os elementos correspondam-se perfeitamente idênticos ao do "original", e em contrapartida, sempre uma tradução contem um "sentido" que não havia originalmente. Se pensar-mos bem, isso acontece na própria língua, por exemplo, os sinônimos nunca são perfeitos, portanto, como dizer que Death e Morte são exatamente a mesma coisa? Isso toma proporções ainda mais graves quando o mesmo conjunto sonoro (significante) está em jogo: a palavra "seca" para um paraense como eu (que nesci e cresci em volta de rios e onde chove todos os dias) não significa nem de longe o que significa para alguem do interior do nordeste ou de uma metrópole do sudeste brasileiro.

Divagações e mais divagações não resolvemos a pergunta fundamental: é possível traduzir poesia? Alguns acham que não, outros que sim, outros que não e sim. O mais importante são as implicações da resposta: se não é possível traduzir poesia, por quê traduzí-la? E mais importante ainda: se é possível apenas atingir um gral imperfeito na tradução poética, todas as traduções são inferiores ao "original", o que para mim (como para toda uma teoria da literatura contemporânea) não faz o menor sentido. A tradução de poesia, é por conseguinte poesia, e portanto possui um valor como poesia, e logicamente é tão poesia quanto o "original". Sendo poesia, a tradução poética está sujeita aos mesmos critérios de valoração que toda a obra literária (e por conseguinte, as traduções brasileiras são uma parte da literatura brasileira, não das literaturas originárias do texto-fonte), então tanto uma tradução pode ser "inferior" quanto "superior" no julgamento subjetivo de um crítico.
O público espera dos profissionais da literatura que lhe digarn quais são os bons livros e quais são os maus: que os julguem, separem o joio do trigo, fixem o cânone. A função do crítico literário é, conforme a etimologia, declarar: "Acho que este livro é bom ou mau"..[...] A crítica deveria ser uma avaliação argumentada. Mas as avaliações literárias, tanto as dos especialistas quanto as dos amadores, têm, ou poderiam ter, um fundamento objetivo? Ou mesmo sensato? Ou elas nunca são senão julgamentos subjetivos e arbitrários, do tipo "Eu gosto, eu não gosto"? Aliás, admitir que a apreciação crítica é inexoravelmente subjetiva nos condena fatalmente a um ceticismo total e a um solipsismo trágico? (COMPAGNON, 2010, p.221)
Tradução como  reprodução "idêntica" de um texto-fonte de um signo para outro não existe, isso é fato tanto na tradução entre línguas como nas traduções na própria língua. Tradução é uma criação (ou re-criação), e portanto uma poesia nova. Fora a definição de "o que é poesia?", ainda temos "o que é uma boa poesia?" e por conseguinte "o que é uma boa tradução?". Todas essas perguntas são extremamente pessoais. Podemos responder de inúmeras formas à qualquer uma delas. (cf. WARREN & WELLEK,[s/d] e COMPAGNON, 2010). As vezes a falta dessa reflexão gera um pensamento que a pesquisa de SILVA (s/d) mostrou como comum pela crítica de tradução ao tratar-se dos sonetos:
O tradutor, unido à visão de seu ofício como algo incompleto por apresentar-se tardiamente à forma e ao  conteúdo  do  'original',  tornou-se  o  alvo  maior  das  inúmeras  críticas  perpetradas  pelos  defensores  e instigadores da ilusória sistematização do ato tradutório, decorrente da idéia de que duas línguas precisam ser equiparadas simetricamente para que a transposição de conhecimento seja completa. Com isso, o tradutor foi freqüentemente  relegado  (e  relegou  a  si  mesmo)  à  sombra  do  autor,  ao  anonimato  contundente  que,  ao mesmo tempo em que reflete a condição inferior e mecânica em face da genialidade autoral, procura anular sua  responsabilidade  perante  a  tradução  que  apresenta. O  tradutor  estaria,  enfim,  fadado  a  reproduzir  os significados autorais e manter-se alheio às  inevitáveis contribuições que  instala em  seu  texto,  sob a  forma  (nem sempre discreta) de interferências oriundas de sua formação discursivo-ideológica, de suas concepções de mundo e das repercussões provocadas pelas circunstâncias contextuais mais imediatas. [...] Desta forma, seguindo a noção tradicional, se se considera a tradução como busca de equivalências – tanto de forma quanto de conteúdo – entre as línguas envolvidas, então traduzir poesia consiste em procurar repetir  a  mesma  associação  acima  citada  na  língua  de  chegada;  em  última  instância,  tal  tarefa  implica equacionar  unidades  de  som  e  sentido  a  fim  de  configurar uma  significação  ao mesmo  tempo  distante  da linguagem  coloquial  e o mais próxima possível daquela  supostamente pretendida pelo  autor do  ‘original’. Todavia,  esta  tarefa  esbarra  tanto  na  assimetria  entre  línguas  quanto  na  condição  inferior  conferida  ao tradutor, o qual não deteria uma habilidade poética a ser equiparada à do gênio criativo. (p.1274)

CONTRA UMA ANÁLISE OBJETIVA DA TRADUÇÃO
Há duas coisas que me incomodam na proposta de análise objetiva da tradução proposta por Paulo Henriques Brito. Em seu artigo "É Possível Avaliar Traduções" Paulo Henriques argumenta de forma brilhante sua proposta, entretanto, ao ver alguns exemplos de aplicação chego à conclusão que essa "Análise Objetiva" na verdade trata-se de critérios fenomenológicos para uma análise subjetiva padrão. Não há objetividade na proposta de Paulo Henriques, da mesma forma que criar critérios e notas (como 0 a 10 em performance, criação, inovação e beleza por exemplo) não torna uma avaliação de poesia (em um concurso por exemplo) objetiva.

A proposta é simples: é como um placar, onde todas as omissões, acrescimos, inversões sintáticas, variações rítmicas são "pesadas" e dispostas como um "placar". Também temos os níveis de correspondência, que vai do mais geral ao mais específico. Entretanto, o próprio sentido de "corresponder" se torna um pouco problemático. Voltando-se para o caso Shakespeare, seria mesmo o decassílabo o "correspondente" mais próximo do "pentâmetro jambico", já que Tristão da Cunha considera o verso livre mais próximo do rítmo do "pentâmetro jâmbico". Além disso, tradicionalmente o verso decassílabo não possui acentos na 5º nem na 7ª sílaba, consideraríamos essa norma? Outra coisa importante é que os poemas em língua portuguesa possuem muito mais inversões do que os versos em inglês (devido a estrutura das línguas), então seria "correspondente" uma tradução com mais inversões? Quem julga isso?

Claro, os pesquisadores que seguem essa metodologia declaram que "ainda que fatores subjetivos possam intervir no estabelecimento de graus de correspondência, o fato é que a proposta aqui discutida proporciona a obtenção de dados mais concretos, o que, por sua vez, possibilita quantificar, de algum modo, os juízos de valor." (CAMPOS, s/d, p.7-8) entretanto a coisa é menos objetiva do que parece, pois o sistema de "placar" é totalmente subjetivo. Os casos precisam ser analizados separadamente, e o pesquisador decide o que é uma omissão ou acréscimo "relevante" ou o que é uma alteração lexical que causa um efeito grave. Exemplos:
- As mudanças feitas pelo tradutor [Ivo Barroso] não descaracterizaram a imagética do poema [Soneto1] (LANDSBERG, p.2)
-O acréscimo [de Wanderley] , porém, não destoa totalmente do original (LANDSBERG p.2)
-Embora  [Wanderley] acrescente três elementos, eles não causam alterações no significado do soneto [XV]. (LANDSBERG p.3)

Além disso, uzando a mesma metodologia duas pesquisadoras chegam a diferentes conclusões: LANDSBERG afirma que a tradução de Ivo Barroso é a mais "fiel", enquanto CAMPOS afirma que a maior fidelidade está em Jorge Wanderley. Usando os mesmos dados que LANDSBERG ao analizar o Soneto XV tiro outras conclusões (no sentido da "objetividade" proposta): a tradução mais "fiel" seria a de Péricles Eugênio que contém apenas 2 omissões e 3 acrescimos (um de um termo quase elíptico, passível de explicação e outro uma partícula sem significação nenhuma), contra 5 omissões e 3 acrescimos de Wanderley e 13 omissões e 3 acrescimos de Barroso, embora as alterações sintáticas são muito mais frequêntes em Péricles Eugênio, mas que devido a "correspondência" (o fato de um poema em português conter mais inversões que um em inglês) pode ser justificado. Então temos 3 julgamentos completamente distintos seguindo um mesmo critério "objetivo".

Não me entendam mal, não sou contra o método de Paulo Henriques Brito, muito pelo contrário, acho-o interessantíssimo, e foi a pesquisa dele que guiou algumas (muitas) de minhas escolhas i-tradutórias. A resalva é apenas essa: o método não é nem de longe objetivo! O método de Brito é um excelente método de avaliação, e ele nos guia uma análise crítica subjetiva. É um guia objetivo para uma crítica subjetiva. Ainda falta eu dizer a segunda coisa que me incomoda nesse método, que é o "valor". A ideia central desse método é de que o texto base é 100%, e a tradução é sempre imperfeita, uma determinada porcentagem da base, e sempre a tradução será menos do que o "original", e também não considera, dentre as traduções, qual é o melhor poema. Apesar de me incomodar com esse ponto de vista, compreendo-o, pois desconsiderá-lo abalaria o sistema que propõe-se objetivo, pois apenas a subjetividade pode definir o "valor" de um poema como "bom poema" ou "mau poema".

PRINCÍPIOS TEÓRICOS
Meu objetivo ao traduzir Shakespeare foi o de apresentar o "meu Shakespeare", apesar de, reconheço, minha habilidade poética sem nitidamente inferior dos grandes poetas-tradutores Ivo Barroso e Péricles Eugênio. Possuo uma visão de Shakespeare e tentei criar esse Shakespeare que imagino em português. Tentei, claro, criar 3 bons poemas em português, embora não sei se obtive exito. Procurei ser fiel mais a minha visão de Shakespeare do que às palavras, o que nem sempre consegui, e se errei não errei intencionalmente, apesar de inúmeras escolhas pouco tradicionais, escolhas essas que ainda irei explicar. No próximo post vou falar dos problemas que encontrei ao i-traduzir os sonetos de Shakespeare, desde a escolha dos poemas até os problemas formais e semânticos bem como os decorrentes da diferênça linguística inglês-português, e posteriormente falarei das soluções encontradas.


BIBLIOGRAFIA
CAMPOS, Giovana Cordeiro. Avaliação de Tradução Poética: Um estudo de caso. s/d. Disponível em: <>. Acesso em 12/04/11.
COMPAGNON, Antoine. O Demônio da Teoria: Literatura e senso comum. Trad: Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. 2ª Ed. Belo Horizonte: UFMG, 2010, 292p.
LANDSBERG, Débora.  Os Sonetos de Shakespeare: estudo comparativo das perdas e ganhos das diferentes estratégias tradutórias. s/d. Disponível em: <>. Acesso em 12/04/11.
MARTINS, Márcia A.P.. Sotaque Brasileiro. in:  AGUIAR, Josélia (Ed.). 7 Clássicos Ingleses. São Paulo: Duetto, 2010, 128p. (Entre Livros; v.1)
SILVA, Gisele Dionísio da. Critica às Traduções Brasileiras dos Sonetos de Shakespeare: Uma reflexão sobre a noção de intraduzibilidade poética. s/d. Disponível em: <www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_499.pdf>. Acesso em 12/04/11.
SHAKESPEARE, William. Sonetos. Trad. e notas de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Ed. Bilíngue. São Paulo: Hedra, 2008, 103p..
WARREN, Austin e WELLEK, René. Teoria da Literatura. Trad: José Palla e Carmo. 5ª Ed. Portugal: Publicações Europa-América, [s/d].

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sonetos I, V e X de William Shakespeare

SONNET 1

From fairest creatures we desire increase,
That thereby beauty's rose might never die,
But as the riper should by time decease,
His tender heir might bear his memory:
But thou, contracted to thine own bright eyes,
Feed'st thy light's flame with self-substantial fuel,
Making a famine where abundance lies,
Thyself thy foe, to thy sweet self too cruel.
Thou that art now the world's fresh ornament
And only herald to the gaudy spring,
Within thine own bud buriest thy content
And, tender churl, makest waste in niggarding.
    Pity the world, or else this glutton be,
    To eat the world's due, by the grave and thee.


Shakespeare, William. Sonnet 1. Ed. Amanda Mabillard. Shakespeare Online. 20 Aug. 2000. (Acesso em: 14/04/11) < http://www.shakespeare-online.com/sonnets/1.html >.


SONNET 5

Those hours, that with gentle work did frame
The lovely gaze where every eye doth dwell,
Will play the tyrants to the very same
And that unfair which fairly doth excel:
For never-resting time leads summer on
To hideous winter and confounds him there;
Sap check'd with frost and lusty leaves quite gone,
Beauty o'ersnow'd and bareness every where:
Then, were not summer's distillation left,
A liquid prisoner pent in walls of glass,
Beauty's effect with beauty were bereft,
Nor it nor no remembrance what it was:
    But flowers distill'd though they with winter meet,
    Leese but their show; their substance still lives sweet.

Shakespeare, William. Sonnet 5. Ed. Amanda Mabillard. Shakespeare Online. 20 Aug. 2000. (Acesso em: 14/04/11) < http://www.shakespeare-online.com/sonnets/5.html >.


SONNET 10

For shame deny that thou bear'st love to any,
Who for thyself art so unprovident.
Grant, if thou wilt, thou art beloved of many,
But that thou none lovest is most evident;
For thou art so possess'd with murderous hate
That 'gainst thyself thou stick'st not to conspire.
Seeking that beauteous roof to ruinate
Which to repair should be thy chief desire.
O, change thy thought, that I may change my mind!
Shall hate be fairer lodged than gentle love?
Be, as thy presence is, gracious and kind,
Or to thyself at least kind-hearted prove:
    Make thee another self, for love of me,
    That beauty still may live in thine or thee.


Shakespeare, William. Sonnet 10. Ed. Amanda Mabillard. Shakespeare Online. 20 Aug. 2000. (Acesso em: 14/04/11) < http://www.shakespeare-online.com/sonnets/10.html >.




I
Aos mais belos, o desejo é multiplicar.
Assim, nunca vá à morte a rosa da beleza,
Mas o tempo, vil, tende a tudo devorar,
Seu herdeiro a ostentará, fará a gentileza;
Mas tu, somente aos próprios olhos 'stás voltado,
Em fogo e ímpeto, a ti mesmo devoras,
Faz da abundância um lar à fome fadado,
Vil vilão de ti, contra ti guerras imploras;
Tu, agora és magnífica jóia do mundo,
Somente a anunciar a etérea primavera,
Enterrando o próprio botão, ao chão profundo,
Sovina, a avareza cresce como hera.
   Apiede-se do mundo, ou sede seu glutão,
   Comer o que é devido, por ti e o caixão.


Trad: Raphael Soares
V
As horas que enquadraram com gentil demanda
O olhar amante onde todos os olhos somem
Brincarão com os tiranos, união infanda,
E imbelamente o belo evade-se do homem;
Pois o tempo infatigável arrasta lento
O verão sobre o inverno, quando o devasta,
A seiva congelada, as folhas ao relento,
E a árida beleza escondida em neve vasta.
Se não é a essência restante do verão
Um líquido em muros de vidro aprisionado,
Da beleza o efeito à beleza deverão,
Nem ela nem nada relembrará o seu fado.
   Mas as flores destilaram, e à aridez
   Perecem, mas ressurgem em sua fluidez.


Trad: Raphael Soares
X
Que vergonha! Negas que pode amar a alguém,
Tu, que contra o próprio ser és tão imprudente.
Desejas ser tão amado por muitos, sem
Contudo amar ninguém, isso é muito evidente;
Pois está pelo ódio assassino possuído,
Que não hesita tramar contra o próprio ser,
Visando aruinar o nobre lar construído
Enquanto desejava apenas o erguer;
Oh! Mude o teu pensar para que eu mude o meu!
O ódio por acaso é mais viável que o amor?
Sede gracioso e gentil como o talhe teu,
Gentil ao menos ao próprio ser, vim propor:
   "Faze prole, se me tens amor" - repeti -
   "Para que a beleza viva, nos teus ou em ti."

Trad: Raphael Soares

Devido minha ousadia de I-traduzir Shakespeare, vou precisar de ao menos mais 3 posts para explicar minhas escolhas. Não vou postar qualquer outra I-tradução até me explicar completamente.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Sobre a I-tradução de The Raven de Poe

Acho interessante (e até certo ponto importante) explicar algumas de minhas escolhas I-tradutórias, ao mesmo tempo fazer algumas considerações ao poema The Raven e suas traduções.

A primeira observação que faço pode deixar os poemaníacos completamente irritados, mas farei assim mesmo: The Raven não é um bom poema. Em contrapartida, Le Corbeau, Der Rabe e O Corvo compõe um cânone indiscutível, além de belíssimas poesias. O fato é: The Raven de Poe é muito melhor em suas traduções, mesmo distorcidas e erradas, e elas são numerosas. Em francês há algumas dezenas de traduções, e em língua portuguesa conheço pouco menos de 30 traduções integrais, a maioria delas possuem qualidade poética (a meu ver) superior ao "original".

Há uma série de pormenores sonoros e semânticos em The Raven, entre elas as rimas internas e externas no 1º e 3º versos, e uma rima externa (oor, ore) no 2º, 4º, 5º e 6º versos, o nome da amada (Lenore) inclui-se nessa rima. Soma-se a isso uma série de aliterações e repetições durante todo o poema.

As versões em português podem se dividir em três grandes gripos: As preocupadas com o "sentido" (muitas vezes distorcendo a forma em detrimento do sentido), as preocupadas com a "forma e som" (algumas Superpreocupadas, que mantem o nome da amada na rima), e as criações diferentes (que criam uma forma própria e geralmente ousada). Procurarei organizar as traduções que conheço nesses 3 grupos (dividindo o 2º em 2a e 2b) em ordem cronológica:

1:
Rubens Francisco Lucchetti - 1930
Edson Negromonte - 1998
Aluysio Mendonça Sampaio - 1998

Cláudio Weber Abramo - [1997-1999]
Helder da Rocha - 1999
Alskander Santos - 2006
Thereza Christina Rocque da Motta - 2009
Raphael Soares - 2010

2a:
Fernando Pessoa - 1924
Gondin da Fonseca - 1928
Milton Amado - 1943
Alexei Bueno - 1980
João Inácio Padilha - 1997
Jorge Wanderley - 1997
Sergio Duarte - 1998
Luis Carlos Guimarães - 1998
Diego Raphael - 2000
Carlos Primati - 2002
2b:
Odair Creazzo Jr. - 1998
Vinícius Alves - 1999
Eduardo Andrade Rodrigues - 2000
Margarida Vale de Gato - 2004

3:
Machado de Assis - 1883
Alfredo Ferreira Rodrigues - 1914
João Kopke - 1916
Emílio de Meneses - 1917
Benedito Lopes - 1956
José Luiz de Oliveira - 1968
José Lira - 1995
Isa Mara Lando - 2003


Como pode-se perceber, o estilo tradutório de O Corvo é bastante variado, possuindo traduções felizes e infelizes em cada proposta. Isso porque não considerei a incomum e humorada "tradução" de Carlos Versiani nem a igualmente incomum de Bernardo Simões Coelho, nem traduções parciais como a dos irmãos Campos ou de Cabral do Nascimento. Também pode-se perceber que coloquei a minha tradução no grupo 1, o que significa que sacrifiquei a sonoridade na medida do possível para manter o "clima" e sentido do poema de Poe.

A tradução foi feita em 2010 e publicada no blogelaphar (está publicado a versão antiga). Recentemente fiz uma pequena revisão, no intuito de melhorar um pouco algumas rimas internas e definir algumas coisas, como o nome de Plutão, que originalmente manti Pluto, pois acho Pluto mais sonoro que Plutão. Já havia (na minha época de pseudo-poeta-amador) escrevido um soneto que usava Pluto, e outro Orcus, pois acho esses nomes melhores que os equivalentes em português (Plutão e Orco respectivamente). Mantive Lenora ao invés de Lenore porque o nome original me incomoda.

Optei pelo verso livre por 3 motivos: 1º precisava de espaço indeterminado para tentar manter as ideias do "original", 2º a métrica portuguesa é incompatível com a do poema, 3º não possuia (nem possuo) experiência tradutória para manter a forma e o conteúdo, portanto, coloquei o segundo em primeiro plano.

Mantive as rimas internas no 1º e 3º verso, mas nas estrofes que essas rimas não apareciam no poema em inglês também as eliminei do português. Eliminei a rima principal, mas mantive todas as repetições e procurei manter as aliterações na medida do possível. Como eliminei a rima principal, não achei importante terminar todas as estrofes com "mais". Também mantive os nomes Palas, Plutão, Lenore, Édem, omitindo um único nome (Gilead, Gileade ou Galaad), pois achei a imagem horrível, o que me faz crer que Poe escolheu um nome na bíblia quase aleatóriamente; achei melhor remover Gilead do poema, atitude que pode até ser imperdoável em uma tradução, mas uma I-tradução pode tudo. O texto traduzido portanto ficou bastante fiel as ideias e símbolos do poema, mas careceu em sonoridade: os versos são muito longos, há gerúndios em demasia, muitas rimas pobres, ausência das rimas principais e etc...

Alguns versos da minha tradução me agradam (sei que Aliquis non debet esse judex in propria causa mas estou propondo justamente isso neste blog. Fazer o quê?) como "Mas o silêncio não quebrava, e nada, nada mudava," ou "A sensação de silêncio foi quebrada, pela resposta habilmente falada,"" e até mesmo "'Profeta!' disse, 'coisa do mal! - profeta ainda, mesmo se ave infernal!". Em contrapartida, algumas de minhas escolhas me parecem infelizes.

De um modo ou de outro, minha I-tradução é mais uma tradução de The Raven para ser julgada, lida e talvez apreciada.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

The Raven - Edgar Allan Poe

THE RAVEN

Edgar Allan Poe

Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary 
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore - 
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping, 
As of someone gently rapping, rapping at my chamber door. 
" 'Tis some visitor, " I muttered, "tapping at my chamber door - 
Only this and nothing more."  
  
Ah, distinctly I remember it was in the bleak December; 
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor. 
Eagerly I wished the morrow - vainly I had sought to borrow 
From my books surcease of sorrow - sorrow for the lost Lenore - 
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore - 
Nameless here for evermore.

And the silken, sad, uncertain rustling of each purple curtain 
Thrilled me - filled me with fantastic terrors never felt before: 
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating. 
" 'Tis some visitor entreating entrance at my chamber door - 
Some late visitor entreating entrance at my chamber door - 
That it is and nothing more."  
  
Presently my soul grew stronger: hesitating then no longer, 
"Sir, " said I, "or Madam, truly your forgiveness I implore: 
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping, 
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door, 
That I scarce was sure I heard you"  - here I opened wide the door –
Darkness there and nothing more. 
  
Deep into the darkness peering, long I stood there wondering fearing. 
Doubting, dreaming dreams no mortal ever dared to dream before: 
But the silence was unbroken, and the stillness gave no token, 
And the only word there spoken was the whispered word, "Lenore?"  
This I whispered, and an echo murmured back the word "Lenore!"  - 
Merely this and nothing more. 
  
Back into the chamber turning, all my soul within me burning, 
Soon again I heard a tapping somewhat louder than before. 
"Surely," said I, "surely that is something at my window lattice; 
Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore –
Let my heart be still a moment and this mystery explore - 
'T is the wind an nothing more!"  
  
Open here i flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately Raven of the saintly days of yore; 
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he; 
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door - 
Perched upon a bust of Pallas just a bove my chamber door - 
Perched, and sat, and nothing more. 
  
Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling, 
By the grave and stern decorum of the countenance it wore, 
"Though thy crest be shorn and shaven, thou," I said, "art sure no craven,
Ghastly grim and ancient Raven wandering from the Nightly shore - 
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!"  
Quoth the Raven, "Nevermore."  

Much I marveled this ungainly fowl to hear discourse so plainly, 
Though its answer little meaning - little relevancy bore; 
For we cannot help agreeing that no living human beeing 
Ever yet was blessed with seeing bird above his chamber door - 
Bird or beast upon the sculplured bust above his chamber door, 
With such name as "Nevermore."  
  
But the Raven sitting lonely on the placid bust, spoke only 
That one word, as if his soul in that one word he did outpoor.
Nothing further then he uttered, not a feather then he fluttered - 
Till I scarcely more then muttered, "Other friends have flown before - 
On the morrow he will leave me, as my Hopes have flown before."  
Then the bird said, "Nevermore."  

Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken, 
"Doubtless," said I, "what it utteres is it only stock and store 
Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster 
Followed fast and followed faster till his songs one burden bore - 
Till the dirges of his Hope the melancholy burden bore 
Of 'Never - nevermore.'" 

But the Raven still beguiling all my fancy into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird and bust and door, 
Then upon the velvet sinking, I betook myself to linking 
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore - 
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt, and ominous bird of yore 
Meant in croaking, "Nevermore."  
  
This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing 
To the fowl, whose fiery eyes now burned into my bosom's core; 
This and more I sat divining, with my head at ease reclining 
On the cushion's velvet lining that the lamp-light gloated o'er
But whose velvet-violet lining with lamp-light gloating o'er 
She shall press, ah, nevermore! 

Then methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer 
Swung by seraphim whose foot-falls tinkled on the tufted floor. 
"Wretch," I cried, "thy God has lent thee - by these angels he hath sent 
thee Respite - respite the nephente from thy memories of Lenore! 
Quaff, oh, quaff this kind nephente and forget this lost Lenore!"  
Quoth the Raven, "Nevermore."  
  
"Prophet!" said I, "thing of evil! - prophet still, if bird of devil! 
Whether Tempter sent, or whatever tempest tossed thee ashore, 
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted - 
On this home by Horror haunted - tell me truly, I implore -
Is there - is there balm in Gilead? - tell me - tell me, I implore!"  
Quoth the Raven, "Nevermore."  
  
"Prophet!" said I, "thing of evil! - prophet still, if bird of devil! 
By that Heaven that bends above us - by that God we both adore - 
Tell his soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn, 
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore - 
Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore."  
Quoth the Raven, "Nevermore."  
  
"Be that word our sign of parting, bird or fiend!" I shrieked, upstarting - 
"Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken! 
Leave my loneliness unbroken! - quit the bust above my door! 
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door! 
Quoth the Raven, "Nevermore."  
  
And the Raven, never flitting, still is sitting, still is sitting 
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door; 
And his eyes have all the seeming of a demon that is dreaming, 
And the lamp-light o'er him streaming throws his shadow on the floor, 
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor 
Shall be lifted - nevermore!



O CORVO 

Numa meia-noite distante de melancolia, quando fraco e cansado, refletia
Sobre uma grande quantidade, de uma curiosa sabedoria esquecida -
Enquanto olhava, adormecendo, subitamente, algo batendo,
Como de alguém gentilmente batendo, batendo a porta do meu quarto.
"É algum visitante", murmurei, "batendo na porta do meu quarto -
Apenas isso e nada mais. "
 
Ah, distintamente me lembro que foi num gélido e sombrio dezembro.
E cada brasa individualmente a morrer, desenhava um fantasma sobre o chão.
Ansiosamente, a próxima manhã desejei - e a própria aceitação, em vão busquei
Naqueles livros cessar minhas tristezas - tristezas pela perdida Lenora
Pela rara e radiante dama que os anjos chamaram Lenora
Sem nome agora para sempre.

Triste e incerta, a seda fina, ladra de cada roxa cortina
Emocionou-me - preencheu-me com fantásticos terrores que nunca sentira antes:
Assim agora, meu coração batendo, eu parava, repetindo.
"É somente um visitante pedindo para entrar na porta do meu quarto -
Uma visita muito atrasada, pedindo para entrar na porta do meu quarto -
É só isso e nada mais".
 
Atualmente minha alma, força avante: sem mais momento hesitante,
"Senhor ou Senhora", disse, "verdadeiramente imploro seu perdão:
Mas o fato é que estava adormecendo, e você suavemente veio batendo,
E tão levemente você veio batendo, batendo a porta do meu quarto,
Tenho certeza que ouvi você, mesmo o som escasso" - quando abri meu quarto -
Escuridão e nada mais.
 
Profundamente na escuridão, esperando, muito tempo amedrontado, contemplando.
Duvidando, sonhando sonhos que jamais nenhum mortal atreveu-se a sonhar antes:
Mas o silêncio não quebrava, e nada, nada mudava,
E a única palavra dita, foi uma palavra sussurrada, "Lenora"?
Sussurrei, e um eco murmurou de volta essa palavra "Lenora!" -
Meramente isso e nada mais.
 
Voltando à sala onde, estando, toda a alma em mim queimando,
Pouco depois, escutei uma batida pouco mais alta que a de antes.
"Certamente", disse, "certamente isso é algo na grade da janela;
Deixe-me ver, então, o que lá está, e esse mistério explorar -
Deixe meu coração ser calmo em um momento, e esse mistério explorar -
Isso é só o vento, e nada mais!"
 
Abri então com força a janela, quando, rapidamente através dela
Saltou num passo majestosamente O Corvo, dos sagrados dias de outrora;
Não fez ele nenhum cumprimento, nem sequer parou ou ficou por um momento;
Mas, com o semblante do senhor ou senhora, ficou empoleirado na porta do meu quarto -
Ficou empoleirado sobre o busto de Palas, na porta do meu quarto -
Empoleirado, e só, e nada mais.
 
Então essa ave de ébano belíssima faz sorrir minha fantasia tristíssima,
Pelo túmulo e o misterioso alinho de seu semblante vestia,
"Apesar de sua pena ser cortada" disse, "tu, realmente não se acovarda,
Medonho, sinistro e antigo Corvo, vindo das profundezas,
Diga-me teu imponente nome, lá no terreno de Plutão, as profundezas!"
Disse o Corvo, "Nunca mais".

Muito me admirei, dessa ave desajeitada, quando ouvi a tal palavra pronunciada,
Apesar da resposta pouco clara - pouco relevante;
Pois não podemos, acedendo, que nenhum ser vivendo
Já foi abençoado com a visão de tal pássaro acima da porta de seu quarto -
Pássaro ou demônio, em cima do busto esculpido sobre a porta de seu quarto,
Cujo nome é "Nunca mais".
 
Mas o Corvo, sozinho imovelmente em cima do busto plácido, falou somente
Essa única palavra, e em sua alma, essa única palavra deixava fluir.
Nada mais em seguida ele falou, nada mais falado, e ele brevemente balançou -
Até que eu, mal murmurei, "Outros amigos foram embora antes -
Na próxima manhã ele irá levar-me, como as minhas esperanças foram embora antes."
E o pássaro disse, "Nunca mais."

A sensação de silêncio foi quebrada, pela resposta habilmente falada,
"Por certo", disse, "isso que falas e repetes agora
Pegou de algum infeliz mestre, que em um impiedoso desastre,
Correu rápido e mais rápido, até que ficou suas canções -
Até que o refrão de melancolia ficou de suas canções
Este - Nunca mais."

Mas o Corvo tentar continuou, tudo para alegrar-me, mas não adiantou,
Sentei-me no confortável sofá, em frente ao pássaro, ao busto e à porta,
Em seguida, no veludo mergulhado, percebi que estava acorrentado
Fantasia a fantasia, pensando o que este pássaro agourento de outros tempos -
O que este desagradável, deselegante, medonho, magro e agourento pássaro de outros tempos
Afirmava ao repetir, "Nunca mais".
 
Estava empenhado especulando, mas nenhuma sílaba falando
Para a ave, cujos ardentes olhos queimando agora no centro do meu peito;
Isto e mais, ia cismando, com a cabeça reclinando
Na almofada de veludo que a lâmpada aplicava sombra em tudo
Mas cujo forro de veludo, violeta com a lâmpada que aplicava sombra em tudo
Ela compele, ah, nunca mais!

Então o ar ficou mais denso, perfumado pelo cheiro de um incenso
Passou por serafins cujos leves passos tilintaram no chão tufado.
"Miserável", gritei, "de Deus foi emprestado - por estes anjos foste enviado
para interromper - interromper os resquícios das memórias de Lenora!
Apaga, oh, apaga estes resquícios e esquece a perdida Lenore! "
Disse o Corvo, "Nunca mais".
 
"Profeta!" disse, "coisa do mal! - profeta ainda, mesmo se ave infernal!
Veio somente para tentar-me, ou veio por acaso, de uma tempestade,
Desolado, ainda assim inabalado, nesta terra deserta encantado -
Nesta casa pelo Horror assombrado - diga-me a verdade, eu imploro
- Há - Há bálsamo para esta tormenta? - Diga-me - diga-me, te imploro! "
Disse o Corvo, "Nunca mais".
 
"Profeta!" disse, "coisa do mal! - profeta ainda, mesmo se ave infernal!
Pelo céu que se inclina sobre nós - pelo Deus por ambos adorado -
Diga a sua alma de sofrimento denso, caso ouça no Éden imenso,
Que prendeu uma santa dama que os anjos chamaram Lenora -
Prendeu uma rara e radiante dama que os anjos chamaram Lenora."
Disse o Corvo, "Nunca mais".
 
"Essa palavra é nosso sinal para ir avante, ave ou diabo!" Eu gritava, arrogante, -
"Levanta-te de volta à tempestade a ao terreno de Plutão, as profundezas!
Não deixe pena negra nenhuma como sinal da tua alma e de mentira alguma!
Deixe minha solidão ininterrupta! - sai do busto sobre minha porta!
Desaparece com teu bico de meu peito, e desaparece de cima da minha porta!
Disse o Corvo, "Nunca mais".
 
E o Corvo, nunca mudado, ainda está sentado, ainda está sentado
Sobre o busto pálido de Palas, acima da porta do meu quarto;
E seus olhos têm todo o ardor de um demônio sonhador,
E a lâmpada joga sua mórbida sombra sobre o chão,
E a minha alma como morta presa na sombra flutuando no chão
Voltará a viver - nunca mais!

Trad: Raphael Soares

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Apresentação

A primeira coisa a esclarecer, é quanto ao título do Blog: "I-traduções e coisas sobre tradução".

Em seu sentido mais amplo, I-tradução é uma não tradução (morfema português de negação "i"), pois não sou um tradutor, e sim um i-tradutor. Pode-se também relacionar o "I" à abreviação de "Internet", ou seja, não traduções disponibilizadas na internet.

O segundo ponto é quanto aos objetivos do Blog: nenhum! Proponho-me apenas divulgar meus exercícios de estilo pseudo-tradutórios, postando minhas I-traduções e comentando-as. Não esperem portanto uma tradução digna de Ivo Barroso, Péricles Eugênio, Ivan Junqueira, Jorge Wanderley ou dos Irmãos Campos. Serei eu um não-tradutor a postar na internet minhas não-traduções. Somente a poesia (ou prosa de nível poético) é bem vinda, pois sou um I-tradutor exigente: não-traduzo apenas poesia.

Não esperem a perfeição, pois não sou tradutor, e por isso, me permito algumas subversões. Todas as traduções aqui contidas então sob Creative Commons e não possuem nenhum fim comercial. Quem desejar copiar+colar fique a vontade, contanto que cite a fonte de origem e o autor. Além disso, é terminantemente proibida a modificação. De resto, visitem-me sempre, e sempre que possível postarei minhas I-traduções poéticas, assim como outras coisas do universo tradutório. Aproveitem e dêem uma olhada nos links da barra lateral.


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