quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Walter Savage Landor - Mild is the Parting Year

Ressuscitando o blog, já muitas vezes abandonado, para essa postagem de ano novo. Para falar a verdade, era para ter sido publicada no ano passado (2014), em que planejei publicar duas traduções de poemas de natal, e tanto lá quanto aqui meus planos originais não foram exatamente cumpridos. Queria publicar o poema de Christina Rossetti e o fragmento de Wordsworth (que é um fragmento conhecidíssimo de um poema que, em absoluto, ninguém lê). Para o ano, queria ter traduzido os poemas Mild is the Parting Year, de Landor e The Darkling Thrush, de Thomas Hardy. Depois que perdi o prazo, havia prometido a mim mesmo trazer os 2 juntos do poema da Dickinson de número 296 (na numeração de Johnson, que inicia com "One Year Ago"), que segundo a Unesp ainda é inédito em português. Desnecessário dizer que me esqueci da promessa, e para não perder ao menos o clima trago uma tradução do poema do Landor somente, com alguns comentários sobre o texto.

O poema de Landor não é tão irônico ou profundo como o de Hardy (e é difícil comparar com o da Dickinson que é um que, em absoluto, não sei julgar). Walter Savage Landor é, normalmente, conhecido como escritor vitoriano, amigo dos principais poetas do período, mas o fato é que Landor foi um romântico que viveu demais (nasceu apenas 3 anos de Coleridge, e muitos anos antes de Keats). Como é uma tendência da crítica romântica, devido o fato de seus maiores poetas ou terem morrido jovens (como Keats, Shelley, Biron) ou terem quase completamente parado de escrever bons poemas na velhice (como Wordsworth), tem-se a impressão de que muitos poetas menores que viveram muito tenham simplesmente se esgotado (Odorico Mendes faz um comentário até a respeito de ser a poesia coisa de Jovens e que se desgasta na velhice, mas o fato é que isso é exceção e não regra), o que ao menos no caso do Landor não pode ser verdade.

A poesia de Landor não chega a ser vitoriana em nenhum momento, seja lá quais princípios estéticos que unem e separam poetas tão díspares e gêmeos como Blunt, Tennyson, os Brownings e os Rossettis. Landor foi romântico, particularmente do tipo satírico do Byron tardio (este, herdeiro de Pope), em que se encaixam seus melhores poemas. Devido seu talento de jornalismo e ensaística, a veia satírica se sobressaía à lírica, e sua melhor e mais desigual obra, as Imaginary Conversations (que viria a influenciar um vitoriano como Browning, e não o contrário) estão neste clima de sátira, drama, jornalismo e ensaio. Odiava sonetos de todo coração, e escreveu muitos poemas atacando-os, bem como atacando a sociedade e os artistas como um todo, mas sempre num espírito romântico.

No entanto, de fato, o espírito romântico envelhece e não parece envelhecer muito bem (diferentemente dos vitorianos, que em geral tem suas obras tardias ou mediais superiores às primeiras, excetuando-se, ao meu ver, Swinburne). Porém com Landor, um romantismo velho e cansado não significa um mal romantismo. Caso similar acontece com Auden, que possui seu segundo estilo (o Auden americano, em oposição ao inglês) claramente mais "envelhecido" que o primeiro, mas não necessariamente pior nem melhor (embora existam partidários contra o primeiro, o segundo e ambos). As sátiras na obra tardia de Landor se tornam menos agressivas, porém mais sutis. A melancolia em seus últimos poemas vão se tornando mais realistas (e, por isso mesmo, mais surreais): se na juventude o poeta se via como o velho melancólico se arrependendo das coisas que não fez (ou que todos fazem, mas o jovem vê como sacrílego), na velhice é o velho tentando não se arrepender daquilo que fez ou não, e é esse o espírito deste poema de ano novo.

O poema Mild is the Parting Year foi publicado no livro Gebir, Count Julian, em 1931, porém a datação dos poemas é algo complicada e puramente especulativa. O próprio Count Julian, segundo o autor, fora escrito aos 20 anos do poeta (1795, aprox.), teve um manuscrito perdido e algumas adições ao fim do livro feitas próximo da data de publicação (mas sem dúvidas outras no próprio texto). Há claramente no livro alguns poemas anteriores à primeira versão de Count Julian (1793 deve ser o mais antigo), e muitos bem próximos da data de publicação. Rose Aylmer ainda é um poema de juventude, escrito aos 25 em 1800, enquanto Mild is the Parting Year (que é o último poema da série dedicada a Ianthe) é difícil de datar. Landor escreveu poemas a Ianthe (Jane Swift, mas idealizada e romantizada) pelo menos entre 1803 a 1829, pouco antes da publicação de Count Julian, em que publicou 31 poemas sob o título Ianthe. Minha opinião é ser esse livro sobre os fins de ano de 1829, e portanto da fase mais tardia do escritor (lembrando que, normalmente pensamos no romantismo acabando em 1824, com a morte de Byron), não apenas por ser o último poema do livro, mas pelo seu próprio estilo.

O poema é vazado em linguagem simples, e a melancolia não é tratada em termos apoteóticos. A ideia é simples: o ano está indo, com isso a vida passa e não tem volta. 3 versos do poema (1,3 e 4 da primeira estrofe) contam tudo o que o poema contém de objetivo, mas o resto do poema é de uma sutil beleza e imagística paradoxal. O orvalho que está caindo (enquanto o ano ainda não foi, mas está partindo) tem um aroma doce, mas o dia partindo não tem aroma (bálsamo significa remédio e perfume aqui: o dia que se vai é sem remédio, mas também sem perfume em oposição ao orvalho que cai antes do ano se ir).

O aguardar do poeta na segunda estrofe é sintaticamente ambíguo. O poeta aguarda que chegar ao fim? O dia (e por tabela, o ano) ou a vida, já que ambas foram tratadas no parágrafo anterior? Há a associação do fim da vida, e o poeta está pronto para ir, aguarda o fim e namora o terror e escuridão que dela advém. Por fim, temos a cereja do bolo do poema. O que me faz ver Landor como um romântico desgastado, mas grande. Uma fina ironia e paradoxo no seu último grito, o lamentar não ter lamentado. O lamento, que poderia tudo acalmar não cairá mais nem no peito (nem no corpo, fisicamente, durante a vida) e nem na tumba. É o único lamento do poeta: a falta do lamento.



Mild is the Parting Year - Walter Savage Landor

Mild is the parting year, and sweet
         The odour of the falling spray;
Life passes on more rudely fleet,
         And balmless is its closing day.

I wait its close, I court its gloom,
         But mourn that never must there fall
Or on my breast or on my tomb
         The tear that would have soothed it all.

Leve é o Ano que se Vai - Walter Savage Landor

Leve é o ano que se vai, e é doce
         O odor do orvalho que agora cai;
Em correria rude a vida foi-se,
         E sem bálsamo é o dia que se vai.

Aguardo o fim, namoro sua penumbra,
         É triste que não vai cair jamais
Seja em meu peito ou seja em minha tumba
         O que acalmaria tudo: os ais.
Trad: Raphael Soares

2 comentários:

  1. Ótima postagem, Elaphar! Landor é um cara que me impressionou bastante. Quero tentar ler mais dele depois...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tenho uma paixão especial por obras pequenas e simples de autores menores, mas que contém ou características diferentes ou são síntese de uma época (mas não epígonos). Conheci o Landor via Browning, e ainda é para mim um dos grandes ingleses. Assim que der, posto mais poemas dele.

      Excluir