Acho interessante (e até certo ponto importante) explicar algumas de minhas escolhas I-tradutórias, ao mesmo tempo fazer algumas considerações ao poema The Raven e suas traduções.
A primeira observação que faço pode deixar os poemaníacos completamente irritados, mas farei assim mesmo: The Raven não é um bom poema. Em contrapartida, Le Corbeau, Der Rabe e O Corvo compõe um cânone indiscutível, além de belíssimas poesias. O fato é: The Raven de Poe é muito melhor em suas traduções, mesmo distorcidas e erradas, e elas são numerosas. Em francês há algumas dezenas de traduções, e em língua portuguesa conheço pouco menos de 30 traduções integrais, a maioria delas possuem qualidade poética (a meu ver) superior ao "original".
Há uma série de pormenores sonoros e semânticos em The Raven, entre elas as rimas internas e externas no 1º e 3º versos, e uma rima externa (oor, ore) no 2º, 4º, 5º e 6º versos, o nome da amada (Lenore) inclui-se nessa rima. Soma-se a isso uma série de aliterações e repetições durante todo o poema.
As versões em português podem se dividir em três grandes gripos: As preocupadas com o "sentido" (muitas vezes distorcendo a forma em detrimento do sentido), as preocupadas com a "forma e som" (algumas Superpreocupadas, que mantem o nome da amada na rima), e as criações diferentes (que criam uma forma própria e geralmente ousada). Procurarei organizar as traduções que conheço nesses 3 grupos (dividindo o 2º em 2a e 2b) em ordem cronológica:
1:
Rubens Francisco Lucchetti - 1930
Edson Negromonte - 1998
Aluysio Mendonça Sampaio - 1998
Cláudio Weber Abramo - [1997-1999]
Helder da Rocha - 1999
Alskander Santos - 2006
Thereza Christina Rocque da Motta - 2009
Raphael Soares - 2010
2a:
Fernando Pessoa - 1924
Gondin da Fonseca - 1928
Milton Amado - 1943
Alexei Bueno - 1980
João Inácio Padilha - 1997
Jorge Wanderley - 1997
Sergio Duarte - 1998
Luis Carlos Guimarães - 1998
Diego Raphael - 2000
Carlos Primati - 2002
2b:
Odair Creazzo Jr. - 1998
Vinícius Alves - 1999
Eduardo Andrade Rodrigues - 2000
Margarida Vale de Gato - 2004
3:
Machado de Assis - 1883
Alfredo Ferreira Rodrigues - 1914
João Kopke - 1916
Emílio de Meneses - 1917
Benedito Lopes - 1956
José Luiz de Oliveira - 1968
José Lira - 1995
Isa Mara Lando - 2003
Como pode-se perceber, o estilo tradutório de O Corvo é bastante variado, possuindo traduções felizes e infelizes em cada proposta. Isso porque não considerei a incomum e humorada "tradução" de Carlos Versiani nem a igualmente incomum de Bernardo Simões Coelho, nem traduções parciais como a dos irmãos Campos ou de Cabral do Nascimento. Também pode-se perceber que coloquei a minha tradução no grupo 1, o que significa que sacrifiquei a sonoridade na medida do possível para manter o "clima" e sentido do poema de Poe.
A tradução foi feita em 2010 e publicada no blogelaphar (está publicado a versão antiga). Recentemente fiz uma pequena revisão, no intuito de melhorar um pouco algumas rimas internas e definir algumas coisas, como o nome de Plutão, que originalmente manti Pluto, pois acho Pluto mais sonoro que Plutão. Já havia (na minha época de pseudo-poeta-amador) escrevido um soneto que usava Pluto, e outro Orcus, pois acho esses nomes melhores que os equivalentes em português (Plutão e Orco respectivamente). Mantive Lenora ao invés de Lenore porque o nome original me incomoda.
Optei pelo verso livre por 3 motivos: 1º precisava de espaço indeterminado para tentar manter as ideias do "original", 2º a métrica portuguesa é incompatível com a do poema, 3º não possuia (nem possuo) experiência tradutória para manter a forma e o conteúdo, portanto, coloquei o segundo em primeiro plano.
Mantive as rimas internas no 1º e 3º verso, mas nas estrofes que essas rimas não apareciam no poema em inglês também as eliminei do português. Eliminei a rima principal, mas mantive todas as repetições e procurei manter as aliterações na medida do possível. Como eliminei a rima principal, não achei importante terminar todas as estrofes com "mais". Também mantive os nomes Palas, Plutão, Lenore, Édem, omitindo um único nome (Gilead, Gileade ou Galaad), pois achei a imagem horrível, o que me faz crer que Poe escolheu um nome na bíblia quase aleatóriamente; achei melhor remover Gilead do poema, atitude que pode até ser imperdoável em uma tradução, mas uma I-tradução pode tudo. O texto traduzido portanto ficou bastante fiel as ideias e símbolos do poema, mas careceu em sonoridade: os versos são muito longos, há gerúndios em demasia, muitas rimas pobres, ausência das rimas principais e etc...
Alguns versos da minha tradução me agradam (sei que Aliquis non debet esse judex in propria causa mas estou propondo justamente isso neste blog. Fazer o quê?) como "Mas o silêncio não quebrava, e nada, nada mudava," ou "A sensação de silêncio foi quebrada, pela resposta habilmente falada,"" e até mesmo "'Profeta!' disse, 'coisa do mal! - profeta ainda, mesmo se ave infernal!". Em contrapartida, algumas de minhas escolhas me parecem infelizes.
De um modo ou de outro, minha I-tradução é mais uma tradução de The Raven para ser julgada, lida e talvez apreciada.
ufa, impressionante sua empreitada. só quanto a gilead, não é aleatório; "bálsamo de gilead" é uma imagem bíblica, claro, mas que virou uma espécie de expressão feita, tipos "consolo para o sofrimento". tudo bem você tirar o gilead porque não gosta, mas "outros mares" sugere outro lugar fora dali. só que a ideia do bálsamo de gilead é que mesmo na situação mais pavorosa pode existir algo capaz de aliviar a dor. e aí, na tua solução, seria talvez "bálsamo nestes mesmos mares" ou "bálsamo para esta tormenta" (pensando em mar, mas teria que ser tempestuoso, para preservar o sentido "escabroso" de gilead). espero que vc não ache muito i-mpertinente minha observação ;-)
ResponderExcluirMuito obrigado pela dica! De fato, acho que "bálsamo para esta tormenta" fica bem mais apropriado que "bálsamo em outros mares". Não gosto de Gilead justamente pelo fato de a expressão em Poe possui mais uma característica popular do que bíblica de fato (Jr 8:22). Alguns costumam estudar The Raven usando a bíblia (King James Version) como a magna influência. Pessoalmente, acho que Poe compreendia muito mal os livros sagrados, e o maior indício é quanto ao "Éden" em The Raven que me parece inadequado, pois o Éden lendariamente se localiza na terra, e não em qualquer plano etéreo ou celestial.
ResponderExcluirMuito obrigado pela visita, e sua contribuição não foi nem um pouco i-mpertinente. É um prazer imenso contar com sua visita já que admiro muito seu trabalho como tradutora, denunciadora de plágios e (mais recentemente) crítica de Thoreau.
Desculpe mas não localizei seu nome no Blog como autor da tradução. Poderia me informar seu nome completo e confirmar os anos de publicação do texto traduzido. Se possível, gostaria de ter acesso à tradução. Estudo Poe e me ajudaria nesse sentido. Obrigado. Helciclever Vitoriano
ResponderExcluirMeu nome é Raphael Soares, a tradução foi publicada em 2010 na internet, em duas páginas simultaneamente (meu blog antigo e na página do Elson Fróes). A versão original ainda existe aqui: http://www.elsonfroes.com.br/framepoe.htm?http%3A//www.elsonfroes.com.br/rapcorvo.htm
ExcluirA versão ligeiramente melhorada está neste blog, na aba Minhas Traduções lá em cima acha a mesma.
Ok. Obrigado. Parabéns pela tradução.
ResponderExcluir