Van Gogh
Eliot é um dos poetas contemporâneos mais famosos, e influenciou legiões e legiões de poetas de todos os países e todas as idades. No Brasil, houve tempo que Eliot e Pound eram as maiores e mais modelares figuras da poesia. Apesar de toda a fama de Eliot, os seus "Preludes" não estão entre seus poemas mais apreciados, estudados ou traduzidos, embora eu possua uma preferência particular por eles.Ha dois grandes tradutores de Eliot no Brasil: Ivo Barroso e Ivan Junqueira. Além desses, outros tradutores trabalharam sobre os versos eliotianos em jornais, revistas, antologias e outros meios de divulgação. Difícil saber tudo o que foi traduzido do autor sem um bom trabalho de pesquisa. Até onde pude conferir, os prelúdios foram traduzidos por Ivan Junqueira na sua tradução da poesia completa de Eliot pela Nova Fronteira (doravante designada IJ), também foram traduzidos por Maurício Borba Filho em seu blog (doravante MBF) e a última tradução integral desses quatro poemetos foi a que eu apresentei no post passado (RS). Há também a tradução do 1º prelúdio por Arthur A. de Ataíde publicado no blog da revista eletrônica Crispim (doravante AAA). A única tradução portuguesa que tenho notícia é a da edição de "Prufrock e Outras Observações" pela editora Assírio & Alvim em tradução de João Almeida Flor (JAF).
Todas as traduções do poema têm seus méritos, e pretendo fazer aqui uma comparação saudável entre elas.
A primeira coisa que percebemos ao comparar as traduções é que a única que mantém o metro da poesia inglesa é a de AAA. Todas as outras versões em português são escritas em verso livre. O metro original é uma notavel vantagem. AAA também abusa de rimas imperfeitas, onde apenas as vogais tônicas e postônicas se repetem (beco/aceso, embrulha/sujas, vago/telhado e coches/postes); o efeito final é bem interessante. AAA também é o único que mantém todas as rimas, enquanto IJ e JAF não se importam em manter todas.
IJ traduz de forma mais livre, rimando ocasionalmente e até mesmo dividindo um verso em dois (como em: And newspapers from vacant lots => E jornais que circulam no vazio/de terrenos baldios). JAF não mantém nenhuma rima original, mas acaba criando uma bem esquisita no primeiro prelúdio (aquaceiros/fumeeiros/candeeiros), que pela escolha das palavras presumo que tenha sido uma rima proposital, embora feitas em versos que não rimam (beat/chimneypots/lamps).
Ainda falando das rimas, RS tenta manter as rimas do poema, mas não consegue manter todas, ou por não achar solução adequada ou por não perceber a rima (como em stands e hands). A tradução de MBF também procura manter as rimas na medida do possível, mantendo umas e omitindo outras (como feet/beat/street => pés/ressoa/ecoa) ou até mesmo mudando as rimas de posição. Interessante notar que a preocupação com o som vai diminuindo de poema para poema: o primeiro prelúdio de MBF mantém mais rimas que o último. O número de omissões sonoras em MBF é superior à RS.
No nível lexical e sintático, novamente AAA recebe destaque: é a única tradução que não se utiliza de embelezamentos, à exceção de uma única inversão marcada ("termina cinza o dia aceso") em decorrência da rima. IJ, RS e MBF utilizam-se com frequencia de inversões bem marcadas e um lexico não condizente com a poética "seca" de Eliot. Encontramos em IJ: declina => settles down; ranço => smell; constelada => constituted; estiolam => fade; vespertinos => evening; entre outros. IJ é o que mais altera o registro do texto sem justificativa (não há metro e poucas rimas), enquanto RS e MBF processam mudanças, em geral, por conta das rimas.
As rimas obrigaram os tradutores a fazerem escolhas, no mínimo, interessantes:
- AAA: Termina cinza o dia aceso. => The burnt-out ends of smoky days.
Bafeja um potro em meio a coches. => A lonely cab-horse steams and stamps.
- IJ: As lâmpadas dardejam seu clarão => And then the lighting of the lamps.
- MBF: Os termos tépidos de dias de névoa e torpores => The burnt-out ends of smoky days
Alguém pensa nas mãos e grafias => One thinks of all the hands
E edições noturnas, um olhar profundo => And evening newspapers, and eyes
- RS: Como se frases por ela fossem compreendidas; => As the street hardly understands;
Algumas dessas escolhas mudam o sentido das imagens, mudam as próprias imagens ou possuem um registro que difere muito do poema.
AAA, em decorrencia da métrica, acaba sendo um texto mais conciso do que o texto inglês (lembrando que a língua é rica em monossílabos, enquanto o português não), e acaba perdendo um pouco da escrita fragmentária do autor também; mas o maior problema de AAA é o de não ser tradução de todos os quatro prelúdios, mas somente do primeiro. IJ possui uma dicção poética própria, que está presente em outras traduções e poesias do grande poetae tradutor que é Ivan Junqueira. É importante lembrar que tanto AAA quanto RS portam-se como "exercícios e brincadeiras tradutórias", e ambas fazem interferências variadas sobre o poema.
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