Preludes
Edouard Manet
IThe winter evening settles down
With smell of steaks in passageways.
Six o'clock.
The burnt-out ends of smoky days.
And now a gusty shower wraps
The grimy scraps
Of withered leaves about your feet
And newspapers from vacant lots;
The showers beat
On broken blinds and chimney-pots,
And at the corner of the street
A lonely cab-horse steams and stamps.
And then the lighting of the lamps.
II
The morning comes to consciousness
Of faint stale smells of beer
From the sawdust-trampled street
With all its muddy feet that press
To early coffee-stands.
With the other masquerades
That time resumes,
One thinks of all the hands
That are raising dingy shades
In a thousand furnished rooms.
Félix Vallotton
IIIYou tossed a blanket from the bed,
You lay upon your back, and waited;
You dozed, and watched the night revealing
The thousand sordid images
Of which your soul was constituted;
They flickered against the ceiling.
And when all the world came back
And the light crept up between the shutters,
And you heard the sparrows in the gutters,
You had such a vision of the street
As the street hardly understands;
Sitting along the bed's edge, where
You curled the papers from your hair,
Or clasped the yellow soles of feet
In the palms of both soiled hands.
IV
His soul stretched tight across the skies
That fade behind a city block,
Or trampled by insistent feet
At four and five and six o'clock;
And short square fingers stuffing pipes,
And evening newspapers, and eyes
Assured of certain certainties,
The conscience of a blackened street
Impatient to assume the world.
I am moved by fancies that are curled
Around these images, and cling:
The notion of some infinitely gentle
Infinitely suffering thing.
Wipe your hand across your mouth, and laugh;
The worlds revolve like ancient women
Gathering fuel in vacant lots.
Prelúdios
I
A tarde de inverno vai baixando
Com um cheiro de bifes nos cruzamentos.
Seis horas.
O fim queimado de dias nevoentos.
E agora uns chuvarais lestos
Prendem os horrendos restos
De folhas secas que envolvem nossos pés
E jornais nos espaços vagos;
As batidas dos chuvaréis
Nas chaminés e nos olhos-mágicos quebrados,
E numa esquina de corcéis
Uma montaria solitária bafeja, trota e avança.
E a lâmpada suas luzes lança.
Edouard Manet
IIA manhã toma consciência
Das vertigens do cheiro de cerveja
Que vem da rua de serragem batida
Com as pegadas de todos os pés enlameados
Até as primeiras cafeterias.
Junto dos outros mascarados
É que o tempo recomeça,
Pensa-se que todas essas mãos
São, numa centena de quartos mobiliados,
Emergentes tons sombrios.
III
Um cobertor da cama agitaste,
Caíste de costas, e aguardaste;
Adormeceste, e observaste a noite que revelava
Um milhar de imagens sórdidas
Do que tua alma foi formada;
Contra o teto eram arremessadas.
E quando todo mundo retornou
E entre as venezianas deslizou a claridade,
E você ouviu os pardais nas calhas da cidade,
Tiveste uma visão da rua
Como se frases por ela fossem compreendidas;
Sentado numa parte da cama, onde
Curvastes papéis que teu cabelo esconde,
Ou agarraste dos pés a amarela sola nua
Nas palmas de ambas as mãos encardidas.
Paul Cézanne
IVPelos céus a alma se estendeu dando pequeninas
Voltas que passam por trás de um muro,
Ou esmagou-a uns pés insistentes
Quando marca quatro e cinco e seis o relógio duro;
E dedos curtos preenchendo os cachimbos,
E os jornais da tarde, e as retinas
Certos de certas certezas,
A consciência de uma rua decadente
Sem paciência para apropriar-se do mundo.
Sou movido por sonhos que se curvaram
Em volta dessas imagens, e prendendo:
A noção de algo infinitamente gentil
Algo infinitamente sofrendo.
Limpe a mão sobre a boca, e ria;
O mundo gira, em órbita, como anciãs
Juntando combustível em espaços vagos.
Trad: Raphael Soares
Se existe um motivo para alguem aprender inglês esse motivo chama-se Thomas Stearns Eliot. A poesia de Eliot é fora do tempo e do espaço. Eliot não é um poeta americano tampouco um poeta britânico, ao mesmo tempo que é ambos. A poética eliotiana se espelha no passado para a compreensão do presente, ao tempo que é em parte profética e/ou reformadora. Mas se há uma coisa magnífica nos poemas desse gênio é decerto a linguagem.
Parece até lugar comum falar de "linguagem do autor", mas quando esse escritor é Eliot isso se torna uma verdade fundamental. Eliot possui uma linguagem bastante "a-poética", sem exageros, sem rebuscamentos, sem belas imagens. A estrutura sintática de Eliot é pouco marcada, direta, quase ao ritmo da fala normal, sua escolha lexical é simples sem rebuscamentos, até mesmo as rimas dos seus poemas quase somem em uma declamação, já que a maior parte delas são compostas em cima de enjambements, e aparentam rimas ocasionais da fala quotidiana.
De acordo com o que foi exposto, minha principal preocupação ao i-traduzir Eliot foi tentar manter essa linguagem mais natural possível, principalmente no nível lexical, e na medida do possível no nível sintático. Lastimavelmente, as rimas algumas vezes me obrigaram a inserir inversões indesejadas. Outras vezes as rimas estavam criando um rítmo que destoava da poética eliotiana, e para evitar isso coloquei algumas rimas "imperfeitas" (como vagos/quebrados ou insistentes/decadente/sem), pois achei assim melhor. Tentei em alguns casos recriar a sonoridade marcada de alguns versos (como Of faint stale smells of beer/From the sawdust-trampled street), embora nem sempre no mesmo lugar (no caso citado: Com as pegadas de todos os pés enlameados/Até as primeiras cafeterias), sempre procurando manter o registro natural e sem rebuscamentos.
Alguns problemas apareceram e não tiveram uma solução satisfatória. Um deles foi "vacant lots", que é aquele pedaço de terra que não possui construções permanentes, ou seja, um terreno baldio, que traduzi para "espaços vagos" no primeiro prelúdio em decorrência da sonoridade com "quebrados", e tive de fazer o mesmo no 4º prelúdio, já que a mesma expressão apareceu novamente. Ainda no primeiro poema, tive de "aumentar" o sentimento de solidão do "cab-horse" (que foi vertido apenas como "montaria") criando uma "rua de corcéis". O pensamento que tive é de que a solidão é ainda mais forte quando não se está sozinho fisicamente, e como precisava de uma rima em "éis" ou "és" criei essa imagem. Não compromete o sentido do poema, mas dá um destaque maior para essa passagem. Tambem acrescentei o "avança", mas é um acrescimo menos problemático.
O segundo poema foi mais simples, e a única modificação importante foi a inversão entre o último e penúltimo versos, que troquei em decorrência da rima e porque não prejudicava o rítmo, além de que é melhor terminar o poema com um predicativo do sujeito do que com um complemento nominal. O terceiro poema me incomodou pelo uso da segunda pessoa. Primeiramente tentei usar o "você", mas não consegui manter por todo o poema e tive de mudar, o que acabou gerando um registro um pouco mais formal do que o do poema em inglês. Aqui em meu estado é comum usar o verbo na segunda pessoa, mas se mistura frequentemente com a terceira, o que não podia reproduzir no poema, então as duas opções (tu ou você) não soariam como quotidianas. Mudei também a posição de uma rima.
E por fim, o quarto poema. Esse foi o poema que mais fiz acréscimos (pequeninas e duro) e mudanças lexicais (relógio, retinas e decadente) em decorrência das rimas. Criei também (não intencionalmente) uma ambiguidade problemática que não existe no texto fonte ("Sem paciencia para apropriar-se do mundo") devido o uso da preposição "para". Mas dois problemas se destacam; o primeiro é a minha ignorância no ultimo verso "Gathering fuel" que verti quase literalmente para "Juntando combustível" (conferi a tradução de Ivan Junqueira que verteu para "juntando lenha", mas ainda achei estranho, de qualquer modo, lenha não deixa de ser um combustível, apesar de ser bem mais corrente em português); o segundo foi a quadra "Sou movido por sonhos que se curvaram/Em volta dessas imagens, e prendendo:/A noção de algo infinitamente gentil/Algo infinitamente sofrendo." que achei de muito mal gosto, quase infantil e que nada condiz com Eliot.
No geral tive bons resultados nos 3 primeiros prelúdios, mas sinto que o 4º deve ser reformulado (ou totalmente refeito). Espero que gostem dos poemas feitos por aquele que é, talvez, o maior poeta de língua inglesa.
Nota adicional (21/05/11): Outra observação que havia me esquecido: no primeiro poema há duas variações de uma palavra (Chuvaráis ~ Chuvaréis), que não são do português padrão culto. Quando traduzi estes versos, escolhi traduzi-los para o "meu" português (ou seja, o português do Pará), apesar de não abusar de expressões regionais. Dizem que no alasca os esquimós têm 10 palavras para descrever os tipos de branco, devido a quantidade de neve; paralelamente, no pará temos ao menos 7 palavras para descrever os tipos de chuva (chuva, chuvisco, toró, chuvaral [~ chuvarel] entre outros), então tomei a liberdade de usar um desses termos em suas duas variações, e acho que Eliot não se importaria. Não sei se esse termo é usado em outras partes do Brasil, mas independentemente, creio que pode ser facilmente entendido.
Nota adicional (22/05/11): Também havia me esquecido de falar sobre o verso: "Como se frases por ela fossem compreendidas". Não foi um equívoco interpretativo, fiz essa mudança por vontade própria. Queria pegar o "clima" dos versos e do poema, e achei melhor inverter o direcionamento da imagem, e ao invés da visão da rua/como se ela dificilmente compreendesse, preferi dar uma ligação maior entre o observador e observado. Tá legal, tambem tinha que rimar com "encardidas" do último verso, mas não foi só a tirania das rimas que me fez trocar a direção da imagem, mas uma escolha pessoal.
Com todo respeito ao seu trabalho, penso que há um tom exagerado e geral ao trabalho de Eliot. Penso que deveria ser levado com seriedade sua declaração sobre o fim da sua poesia na década de 1920. Nesse aspecto, Quatro Quartetos é uma nota aguda sobre o tema.
ResponderExcluirFiquei encucado com essa expressão: "Penso que deveria ser levado com seriedade sua declaração sobre o fim da sua poesia na década de 1920". Minha memória costuma ser extremamente falha, e embora eu sei que eu devo ter muitas declarações apressadas nesse blog e entre minhas diversas postagens, eu não consigo me lembrar de nunca ter feito qualquer declaração sobre o "fim" da poesia eliotiana na década de 1920. Principalmente porque considero The Dry Salvages (de Four Quartets) um dos seus melhores poemas, e tenho um apreço particular por Ash Wednesday, todos fora da década de 20. Li e reli a presente postagem diversas vezes e não encontro tal afirmação aqui (ou não sei mais ler), e ficaria muito surpreso de encontrar em outro lugar em um texto meu. Se eu disse alguma vez isso, por favor, aponte onde foi para eu rir um pouco também dessa afirmação. Se disse, contudo, a afirmação já está revista.
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