Encerrando o mês das cervejas sem muitas publicações: os excessos do carnaval não me permitiram dedicar muito tempo ao blog, e o inicio das atividades do mestrado devem manter-me um pouco afastado. De qualquer modo, compenso com mais um poema sobre esse néctar dos deuses que é a cerveja, que povoou toda a literatura do ocidente e do oriente, dos persas e sumérios até os dias de hoje. "Jolly Good Ale and Old" é considerado uma das melhores e mais populares canções sobre cerveja da literatura inglesa, e um dos fragmentos teatrais pré-elizabetanos mais famosos.
O poema traduzido faz parte de uma antiga comédia inglesa chamada "Gammer Gurton's Needle", que é considerada a segunda mais antiga comédia escrita no idioma inglês (a primeira seria Ralph Roister Doister, ao menos segundo a Wikipédia, já que meus dois livros de literatura inglesa sequer falam de qualquer uma das duas peças). É a canção que abre o segundo ato da peça, que foi publicada anonimamente e só muito mais tarde foi atribuída a "Mr S. Mr of Art" do Christ's College, Cambridge. Durante bastante tempo o escritor John Still foi identificado como autor por ser o único mestre em artes com nome iniciado em "S", mas algum tempo depois encontrou-se o nome de William Stevenson, que também tornou-se sacerdote, e era reputado como autor de peças, embora não haja nada que o ligue nominalmente a "Gamer Gurton's Needle". É portanto Stevenson e Still as mais sólidas atribuições de autoria desse poema, já que o terceiro candidato, Dr John Bridges, dificilmente poderia ser descrito como "Mr S", bem como adquiriu seu mestrado em outra instituição. De qualquer modo, prefiro a atribuição dupla a atribuir o texto como sendo de Anônimo (esse carinha que fez obras magníficas em várias línguas e tem uma longevidade fascinante... deviam fazer uma antologia poética de suas obras), que já tem muitas obras espúrias dadas em seu nome. De qualquer modo, não temos a menor certeza das atribuições de obras da antiguidade e ainda continuamos atribuindo a seus autores tradicionais, então não vejo porque não atribuir o texto ou a Stevenson ou a Still. De qualquer modo, vamos ao texto.
(a peça inteira, em inglês antigo pode ser encontrada aqui: https://play.google.com/store/books/details?id=3IRKAAAAYAAJ&rdid=book-3IRKAAAAYAAJ&rdot=1 a versão que me utilizo possui a grafia atualizada, e é de antologia)
Jolly Good Ale and Old - Willian Stevenson ou John Still
Back and side go bare, go bare;
Both foot and hand go cold;
But, belly, God send thee good ale enough,
Whether it be new or old.
I CANNOT eat but little meat,
My stomach is not good;
But sure I think that I can drink
With him that wears a hood.
Though I go bare, take ye no care,
I nothing am a-cold;
I stuff my skin so full within
Of jolly good ale and old.
Back and side go bare, go bare;
Both foot and hand go cold;
But, belly, God send thee good ale enough,
Whether it be new or old.
I love no roast but a nut-brown toast,
And a crab laid in the fire;
A little bread shall do me stead;
Much bread I not desire.
No frost nor snow, no wind, I trow,
Can hurt me if I wold;
I am so wrapp’d and thoroughly lapp’d
Of jolly good ale and old.
Back and side go bare, go bare, &c.
And Tib, my wife, that as her life
Loveth well good ale to seek,
Full oft drinks she till ye may see
The tears run down her cheek:
Then doth she trowl to me the bowl
Even as a maltworm should,
And saith, ‘Sweetheart, I took my part
Of this jolly good ale and old.’
Back and side go bare, go bare, &c.
Now let them drink till they nod and wink,
Even as good fellows should do;
They shall not miss to have the bliss
Good ale doth bring men to;
And all poor souls that have scour’d bowls
Or have them lustily troll’d,
God save the lives of them and their wives,
Whether they be young or old.
Back and side go bare, go bare;
Both foot and hand go cold;
But, belly, God send thee good ale enough,
Whether it be new or old.
Boa e Velha Cerveja - William Stevenson ou John Still
Vamos, vamos, desregrados;
Gelados os pés e as mãos;
Não importa, se Deus mandar cerveja,
Nova ou velha, tomamos!
Não posso comer u'a carne sequer
Meu estômago vai mal;
Mas estou a crer que posso beber
Com ele, de capuz tal.
E vou desregrado, nenhum cuidado
Não estou gelado, veja!
Preencherei, insisto, a mi'a pele co'isto:
A boa e velha cerveja.
Vamos, vamos, desregrados;
Gelados os pés e as mãos;
Não importa, se Deus mandar cerveja,
Nova ou velha, tomamos!
Não quero assado, mas torrada,
E um siri no fogão;
Algum pão servir então;
Não quero tanto pão.
Sem gelo, vento ou neve, penso,
Ferirei-me? Que seja!
Me envolve a mente, e completamente,
A boa e velha cerveja.
Vamos, vamos, desregrados.
E Tib, minha esposa querida,
Cervejas tem procurado,
Faz, por vezes, drinques, pois vejas
Lágrimas no rosto amado:
Quando ela passa e serve uma taça
Como um porre deseja,
E diz, destarte: - Amor, peguei minha parte
Dessa boa e velha cerveja. -
Vamos, vamos, desregrados.
Pois deixe-os tomar, 'té cumprimentar,
Como os manos devem fazer;
E será verdade, a felicidade
Que a cerveja vem trazer;
E as taças as almas, buscando com calma
Ou as têm sob controle,
Deus salve suas vidas, também suas queridas,
Se jovens ou senhores.
Vamos, vamos, desregrados;
Gelados os pés e as mãos;
Não importa, se Deus mandar cerveja,
Nova ou velha, tomamos!
Trad: Raphael Soares