quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Antilogia i-tradutória da poesia latina tardia [pt. 3] - Poetas "Pagãos", pt.2

Primeira Parte [Anônimos], Segunda parte [Pagãos]


Os últimos séculos da antiguidade foram uma época predominantemente cristã e com a maior parte dos escritores sendo cristãos e escrevendo em temática cristã. De certo modo, apenas Ausônio e Claudiano são "escritores maiores" da literatura secular tardia (um terceiro, Dracôncio, escreveu tanto poemas cristãos como poemas profanos, e ambas as obras tem seu próprio status de literatura "maior"... porém não vou falar dele aqui), enquanto os outros escritores ou escrevem traduções/adaptações (como Aviano e Avienio) ou tem um corpus muito pequeno para ser avaliado.

De fato, a grande dificuldade de se falar desses escritores menores é a dificuldade em poder compreender o fenômeno histórico ou mesmo o valor desses poetas baseado numa representatividade tão limitada em tamanho e proporção. É, de fato, difícil até mesmo compreender o que a palavra "menor" significa em contexto da poesia romana. Eles são "menores" unicamente porque o corpus sobrevivente é minúsculo e de difícil comparação, e sabemos de modo muito claro que o destino da sobrevivência dos clássicos deve-se ao capricho da fortuna, e não ao valor intrínseco das obras. Catulo, as Silvas do Estácio, quase não sobrevivem, Juvenal chegou a ser esquecido e mutilado, e nenhum historiador sobreviveu intacto, e conhecemos o nome e eventualmente meia linha de diversos "grandes autores" que pereceram. Aparentemente faria algum sentido pressupor que o que sobreviveu foi o melhor a que os copistas tinham acesso, mas "melhor" é questionável, e o "acesso" variava drasticamente particularmente no período tardio, e a grande verdade é que a sobrevivência dos clássicos se deu majoritariamente por acaso. Willis coloca isso muito bem:

Que a seleção e sobrevivência [dos clássicos] foi largamente acidental é facilmente observada. A imagem de uns poucos e notáveis ápices restantes de um continente afogado é romântica, mas falsa: alguém deve pensar mais em um terremoto que com sublime imparcialidade poupou aqui um palácio, ali um chiqueiro. Se aceitaria mais calmamente a perda de Ênio se não se tivesse todo Silius Italicus; Thyestes de Seneca meramente insulta nossa dor pela perda daquele de Varius. A obra em que Lívio devotou sua vida é preservada naquelas partes em que o queremos como guia em menor grau, e perdidas onde precisamos dela ainda mais. A obra de homens totalmente desconhecidos frequentemente sobreviveu - Manilius, Calpurnius Siculus, Solinus - e obras de autoria quase incerta - o Aetna, o panegírico sobre Messala, o Historia Augusta.

Aqui eu não vou ser completamente apressado em me juntar ao coro que diz que, como Butler, diz que Silius Italicus é o autor do "pior épico já escrito", porque já disse algo similar sobre Ausônio e tive de morder a língua depois. Contudo em linhas gerais isso ainda é verdade: o que nós temos não representa necessariamente o melhor da literatura, e quando vamos para a literatura tardia, cujos autores sobreviveram de modo muito mais limitado, essa desproporção é ainda pior. Mesmo na "era de ouro" e "era de prata" devemos questionar o valor relativo do que sobreviveu; por exemplo Quintiliano nos dá uma lista de autores que devem ser lidos por serem o que mais representa o melhor da literatura latina, e Quintiliano é o mais próximo de um crítico literário da época, e a lista segue assim: Virgílio acima de todos (claro), Macer e Lucrécio (mas não pela formação do estilo), Varro Atacinus (não deve ser menosprezado a despeito de sua reputação), Ênio (pela antiguidade), Ovídio (apaixonado demais pelo próprio talento, mas merece louvor aqui e ali), Cornélio Severo (o primeiro livro... se tivesse escrito o resto do mesmo modo mereceria mais respeito), Serranus e Valério Flaco (que morreram antes de chegarem ao ápice), Saleius Bassus (que é talentoso, mas não ficou melhor com a idade), Rabirius e Pedo (se sobrar tempo), Lucano (excelente, porém mais para oradores e autores de prosa que para poetas). Deixando de lado a ausência completa de satiristas (Juvenal, Persio, Horácio) e dramaturgos, e Ovídio sendo o único representante da poesia elegíaca (aparentemente Quintiliano pensa que as elegias ovidianas devem bastar para o gênero inteiro... o que é difícil de desautorizar quando o comparamos com o Corpus Tibulliano e o estado de Propércio), o que chama atenção não é a ausência dos "grandes poetas" que conhecemos, mas a presença marcada de autores de obras que não sobreviveram: Macer, Varro, Cornélio Severo, Serranus, Bassus, Rabirius e Pedo sobrevivem apenas em nome e pequenas citações, Ênio apenas em fragmento, e mesmo Flaco quase desapareceu completamente. É impossível avaliar de modo correto e crítico quando grande parte do que é necessário para a avaliação simplesmente não existe. Por outro lado, algo como Liber Memorialis de Ampelius sobreviveu, o que prova que inutilidades estúpidas podem ser abençoadas pelo acaso e sobreviver à era clássica.

 Como avaliar, portanto, alguém como Servasius (ou Sebastus, ou Servastus... o nome Serbastus é falso, e foi ele que sobreviveu nos manuscritos), que sobreviveu com apenas dois excelentes poemas: De Vetustaste e De Cupiditate? Não temos seu nome corretamente, e ele nunca é mencionado por ninguém, e os dois poemas sobreviventes são muito bons. É um grande poeta que sumiu, como um Gonçalves Dias que sobrevive apenas com Canção do Exílio e Seus Olhos? Um poeta medíocre que teve sorte de escrever um ou dois poemas brilhantes, como O Redivivo de Bonifácio? Em última instância, o julgamento geral desse corpus é impossível.

Para essa postagem eu vou tentar falar sobre um grupo complicado em particular (os Poetae Novelli) e a partir daí alguns autores baseados em poemas ou passagens que me interessam, ou creio que podem interessar estudiosos, em particular: Luxórius, Namatiano, Servasius[?] e Avieno. Seria bom ter tempo para falar da tradição bucólica, ou alguns dos poemas mais famosos de autoria duvidosa (como Pervigilium Veneris, poemas do Appendix Vergiliana, os Centões) mas o escopo é muito grande e minha competência muito limitada; nem haverá tempo de falar de Dracôncio, que é um dos raros poetas que sobreviveram com um corpus significativo de obras tanto cristãs como profanas. Essa postagem é ainda mais desorganizada que as demais, e não vejo como poderia ser diferente.


Poetae Novelli (II-IV Séculos)

Durante muitos anos o estudo da literatura latina tinha um capítulo interessante sobre um suposto grupo, chamado Poetae Novelli, escrevendo entre o período entre Adriano e Marco Aurélio. Contudo, diferente do que ocorreu com os neotéricos do primeiro século A.C., os poetas caracterizados como Poetae Novelli não se relacionaram pessoalmente um com o outro (exceto por Florus e Adriano), e de fato pertencem a gerações diferentes. Sobre comentários gerais sobre o grupo e os problemas filológicos, uma leitura rápida seria "Albrecht, M. von. A history of Roman literature: From Livius Andronicus to Boethius with special regard to its influence on world literature. Vol. 2. 1997". Para mais discussão vão as edições de Silvia Mattiacci, de Edward Courtney (a de Blänsdorf não tem comentário), e o artigo mais detalhado do Cameron. O meu comentário, contudo, vai tentar chamar atenção para o quanto perdemos em não ter uma parte representativa desses autores.

A primeira coisa a notar a respeito desses poetas é o como eles sobreviveram, havendo um ou outro testemunho contemporâneo mas os fragmentos são transmitidos por nós por meio dos comentários dos gramáticos. Isso tem implicações difíceis de mensurar, porque gramáticos citam versos geralmente para apontar os elementos mais raros ou diferentes encontrados na poesia deles (ou, citam o modelo paradigmático, usualmente o primeiro encontrado no primeiro livro, como Diômedes citando um dístico paradigmático em Tíbulo [I. 1 1-2], ou Caesius Bassus citando o primeiro "pentâmetro" paradigmático em propércio [II. 1 2]), e como resultado os Poetae Novelli podem parecer muito mais diferentes (esquisitões, afetados ou inovadores, dependendo para quem se perguntar) nos fragmentos do que realmente são. Por outro lado, também vemos que muitas diferenças e inovações individuais não se destacam, não são aceitas ou mesmo não são percebidas pelos contemporâneos, de modo que muitas características distintas do período podem nunca ter sido registradas pelos gramáticos.

A segunda coisa a se ter em mente é que, embora não os temos hoje, os antigos leram e de algum modo apreciaram a obra desses poetas, e eles quase certamente foram uma grande influência posterior, e poderiam explicar parte da mudança de gosto entre o período de Juvenal e Ausônio (e, desconfio, Ausônio era mais "clássico" que os Novelli, e Claudiano ainda mais clássico; Dracôncio, Paulino e Venâncio vão anunciando o medieval). Ausônio leu certamente Annianus, que ele cita por nome, e aproveitou ao menos uma invenção métrica de Serenus (Parentalia 27 = Serenus 16; mas Ausônio toma uma liberdade extra, que pode ou não vir da fonte). Septimius Serenus era conhecido e admirado por Sidônio, e sobreviveu até pelo menos o século X sendo lido e copiado (um catálogo de Bobbio registra libros Septimii Sereni duos, unum de ruralibus, alterum de historia Troiana[...]). Eles não são um período e grupo de autores irrelevantes para a compreensão do desenvolvimento da história literária, e a perda desses poetas pode ser tão prejudicial à compreensão da literatura romana como se perdêssemos toda a literatura do século XIX e tentássemos olhar o século XX sob princípios do XVIII.

Algumas características que podemos observar do todo que temos:

1) entusiasmo pelo arcaísmo, ao mesmo tempo (paradoxalmente, ao menos em aparência) de busca por uma linguagem mais simples do rústico e do homem comum.
2) novas formas métricas inventadas, e possivelmente mesmo o uso de polimetria (cujos primeiros exemplos inequívocos que temos são de Ausônio, Paulino e da Bobiensia, mas que temos razões para crer que já eram prática usual).
3) preferência por diminutivos
4) expressão coloquial e até mesmo vulgar, multilinguismo. Geralmente usado para representar cenas do quotidiano ou situações sentimentais.
5) uso ampliado de neologismos, particularmente em Apuleio (tanto em prosa quanto em verso)
6) aparente desprezo pelo gênero épico (vários épicos sobrevivem do primeiro século, e muitos outros conhecemos de nome... contudo, do período entre Silius Italicus e Claudiano apenas um épico é conhecido, de Clemens sobre os feitos de Alexandre, e parece ser uma obra reacionária). Por outro lado poemas históricos, didáticos, diversas formas arcaicas restauradas foram preferidas, bem como gêneros poéticos novos.

Chega de nonsense, e vamos a alguns poucos versos, dos Novelli do século III em diante:

Alfius Avitus (prob. gov. 244-246), frag 1

marite, si sanguis Curis,
Sabina si caedes placet,
in me, oro, conuertas manus

Ó marido, se sangue Curis,
Sabina aplaca se mata,
em mim, oro, vire as mãos.
--- [Aqui vemos arcaísmo (no caso, falso) e coloquialismo simultaneamente. Curis aqui é singular significa Quiritis (cidadão sabino), em seu singular raro Quiris, que se pensava derivar de Cures, nome da cidade Sabina (etimologia duvidosa, no mínimo), e por isso usa a forma Curis singular jamais atestada; por outro lado, é coloquial o uso parentético de oro, que é bem mais popular que o já menos formal uso parentético de quaeso nas cartas de Cícero.]

Serenus (post-Avitus), frags 16 e 17 (17 e 16)

perit abit auipedis animula leporis
vidinha avipede da lebre parte de vez
----
animula miserula properiter abiit
vidinha, miserazinha, rápido sumiu.
--- [aqui estou presumindo anima abit uel perit contra homo uel bestia obit, que parece durar até o fim da antiguidade. Contudo, as citações dão ambas aqui, e Green edita "abiit" para uma pessoa (amita); de modo que a palavra final é abiit ou obiit.]

Trads: Raphael Soares


 

Luxorius (V-VI Séculos)
E chegamos a Luxorius, talvez o maior de todos os poetas menores. O autor com o maior número de poemas e maior espaço separado dentro da Anthologia Latina (nomeado. Há suspeitas de um corpus maior composto dos poemas 90-190 sendo de um único autor africano, mas não temos seu nome nem podemos confirmar definitivamente a teoria) é o poeta Luxorius, que contém um "Liber Epigram[m]aton" composto dos poemas 287-375 (Riese), além de um Cento (Epithalamium Fridi) e um poema esparso (203 Riese). Ainda assim, muitos críticos duvidam se sequer vale a pena ler a obra do autor ou estudá-lo, a despeito do momento importante em que escreveu, o reinado Vândalo sobre Cartago.

Avaliar Luxoris é um trabalho hercúleo por incontáveis razões: a obra inteira do poeta deriva de um único manuscrito (Parisinus Latinus 10318), manuscrito esse que é extremamente corrupto a despeito da idade (isso é demonstrado pela cópia de poemas que temos controle para ver a leitura correta, como os Centões e poucos poemas que temos tradição independente, como o Pervigilium Veneris... ele, contudo, não parece ter sido intencionalmente interpolado em nenhuma parte da transmissão dele, que parece ter se dado mais por uma sucessão de erros estúpidos), conhecemos muito menos da época e local em que Luxorius viveu que de qualquer outro período e local da antiguidade, e por fim algumas alusões e usos de linguagem se perderam completamente no tempo por não serem atestadas ou comentadas por nenhuma outra fonte (exceto, possivelmente no que diz respeito ao circus, em que outros poemas da Anthologia Latina parecem dar auxílio). O resultado é que Luxorius é quase sempre muito obscuro, e muitas vezes não dá para saber se a obscuridade é da referência, do estado do texto, ambas ou somos nós que somos burros e não conseguimos ver o óbvio.

No geral, Luxorius, ao menos pelo que pude ler, parece muito diferente de marcial. Ele é muito mais claramente cínico que o predecessor dele, ao invés de irônico, de modo que me lembra um pouco Heine. Por conta disso ele parece bem menos hilário, e mais alguém que dá uma alfinetada para um quase-riso que não sai. Algumas vezes ele claramente não está interessado em fazer rir, mas é difícil de entender qual o interesse dele.

Mas antes de apresentar minha tradução do que me interessou e eu consegui entender de Luxorius, eu quero mostrar as dificuldades inerentes da leitura do poeta, e o que eu não consigo entender. Se alguém quiser enfrentar a leitura do poeta, deve estar preparado para esses obstáculos. Segue um poema do manuscrito (o 4º), e eu vou por abaixo a transcrição completa dos 5 "primeiros" versos, expandindo apenas as abreviações.

De epigramata parva quod in hoc libro scripserit
si quis hoc nostro detra[h]it ingenio
adtendat modicis condimensibis annum
et faciles hiemis uiris et esset dies
Nouerit brebibus magnum dependere usum (
uel depende reusum)
altra mensuram gratia nulla datur

Desconsiderando de pronto as discrepâncias ortográficas (detrait=detrahit, brebibus=brevibus) e aceitando as duas correções de Salmásio (-mensibus e ultra), o texto ainda assim tem diversos problemas além de ser ilegível (quero dizer, eu consigo entender "ultra mensuram gratia nulla datur", que é "prazer/graça nenhum(a) e dado em/através de medida exagerada", que parece certo... mas o resto do poema não dá para ler), é óbvio há um verso faltando no início (o poema começa no pentâmetro, o segundo verso), e apenas o primeiro e o quinto verso escandem, já que os versos 2-4 são impossíveis de ler no metro correto. "Condimensibus" tem sido geralmente lido com "condi de mensibus" ou "concludi mensibus", o terceiro verso é difícil de ajustar em metro e sentido, e a recriação de Shackleton Bailey não ajuda (et graciles uerni temporis et esse dies... de fato, só uma estação tem os dias mais curtos, mas seria o inverno, não a primavera... assumindo que eu fiz minha lição de geografia corretamente sei que Cartago fica ainda no hemisfério norte). Boa sorte lendo o resto.

Outro poema que me interessou, pelo título, foi o 296 (In spadonem regium, qui mitellam sumebat), mas não importa quanto eu o tente ler eu não entendo ele nem qual é a dele, e não sei se é corrupção (ao menos capillo...crine me parecem corruptos, ou não sei qual a diferença), se obscuridade da referência ou se eu sou tapado... Enfim, aos poemas. Todas as traduções são minhas, embora valha dar uma espiada nas versões de Art Beck publicadas na revista Sibila (em inglês). O texto em geral segue Riese (evitei reler o poema 317, que me parece errado, e o 293 não tem problemas), contudo aceitei a conjectura rarus (em obeli) de Klapp (pensei em aceitar prauus de Riese, mas jamais castus de Sh. Bailey) e leio scire...ipsam como a maioria dos editores no poema 322 (embora eu faça uma tradução mais livre do sentido nos últimos versos... esses dois versos são bem complicados, e é possível que o poema esteja incompleto), e aceito graciles de Watt no poema 329.

293. De auriga Aegyptio qui semper vincebat
Quamuis ab Aurora fuerit genetrice creatus
Memnon, Pelidae conruit ille manu.
At te Nocte satum, ni fallor, matre parauit
Aeolus et Zephyri es natus in antra puer.
Nec quisquam qui te superet nascetur Achilles:
Dum Memnon facie es, non tamen es genio.
Sobre um condutor Egípcio que sempre venceu
Embora de Aurora mãe criado foi
Memnon, caiu por própria mão do Pélida
Se não me engano, a noite é tua mãe e de Éolo
Prole, Nato pra Zéfiras cavernas.
Não vai nascer pra superar-te algum Aquiles.
De Memnon tens a face, não o fado.

Trad: Raphael Soares

317. In puellam hermaphroditam
Monstrum feminei bimembre sexus,
quam coacta uirum facit libido,
quin gaudes futui furente cunno?
Cur te decipit inpotens uoluptas?
Non das, quo pateris facisque, cunnum.
Illam, qua mulier probaris esse,
partem cum dederis, puella tunc sis.

Para uma garota hermafrodita
Monstro bimembre em sexo de mulher,
Cuja libido em macho te compele,
Porque não gozas foda em tua cona?
Por que o prazer selvagem assim te engana?
Não dás boceta, que é aberta e quente.
Aquela parte (que é prova que és mulher)
Quando deres, menina então serás.

Trad: Raphael Soares

322. De eo qui uxorem suam prostare faciebat pro filiis habendis
Stirpe negata patrium nomen
non pater, audis;
rarus adulter
coiugis castae uiscera damnas,
pariat spurios ut tibi natos,
inscia, quo sint semine creti.
Fuerant forsan ista ferenda
foeda, Proconi, uota parumper,
†scire uel ipsam† si tuus umquam
posset adultus dicere matrem.
Sobre um homem que prostituiu a mulher para que tivesse filhos
Negado foste de ter tua estirpe
queres te ouvir pai; adúltero raro,
da tua casta mulher macula a carne,
para parir pra ti espúrios filhos,
ignorante de qual sêmen gerou.
Talvez essa nojeira tua fosse
suportável por um tempo, Procônio,
se o filho ao crescer pudesse então
dizer que ao menos sua mãe sabia.

Trad: Raphael Soares

329. In eum qui foedas amabat
Diligit informes et foedas Myrro puellas;
quas graciles pulcro uiderit ore, timet.
Iudicium hoc quale est oculorum, Myrro, fateri,
ut tibi non placeat Pontica, sed Garamas!
Iam tamen agnosco, cur tales quaeris amicas:
Pulcra tibi numquam, sed dare foeda solet.

Para um homem que amava as feias
Myrro ama meninas deformadas e feias;
quando vê belas e modestas, teme.
Que julgamento há em teu olhar, ó Myrro,
Que não te agrada Pôntica, mas Gárama¹.
Agora eu sei porque buscais estes partidos:
Bela se dar a ti, nah, feia talvez!

Trad: Raphael Soares

¹O poema conta com um estereótipo racial do que seria uma mulher bonita e uma feia, que devia ser claro para os leitores cartaginenses da época. O estereótipo da mulher bonita não é claro, pois não é muito claro se Pontica significa da costa (como sugere Pontus) ou é corrupção (Poenica, i.e. Púnica) ou de alguma cidade específica desconhecida, mas o estereótipo da feia é pontual, Garamas são mulheres da tribo Garamantes, que eram os Berberes da Líbia e Tunísia, e, diferente do que alguns tem assumido por ser tribo africana, os Berberes não eram negros (e, o próprio poeta representa elogiosamente a beleza negra, o que também se reflete em outros poemas da Anthologia). O estereótipo racial também tem ares de "manter-se romano" do fim da África (os Garamantes nunca se tornaram romanos como outros grupos étnicos do norte da África)


A postagem, contudo, já ficou enorme. Não editei a parte anterior, para deixar claro que fiquei devendo Namatiano, Servasius e Avieno.