quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Humor Housmaniano, fragmentos de Cartas


Que Housman é frequentemente engraçado quando a maioria dos escritores consegue ser maçante não é segredo para ninguém, e seu estilo é cativante mesmo quando o conteúdo de seu discurso é irrelevante ou incorreto. Como 2020 está acabando, posto aqui algumas passagens da correspondência de Housman, contextualizada sempre que possível. A edição base é The Letters of A. E. Housman, por Henry Maas (Harvard University Press, 1971).


Sobre liberais (na Inglaterra do XIX, termo geral para se referir a todos os membros da esquerda, de anarquistas, comunistas, progressistas e liberais propriamente ditos, que são considerados esquerda na Inglaterra) e conservadores nas universidades, após uma proibição de participação política:

Semana passada, claro, ocorreu uma cena excitante: a campanha aberta pelo Vice-chanceler anunciando que qualquer graduando que tomar parte em qualquer encontro político será multado em £5, que foi fel e absinto para um grande número de Liberais, especificamente, que estavam prometendo a si a honra e glória de ficar ao lado de Sir William Harcourt na plataforma, e espalhando as asas da Universidade sobre ele: graduandos Conservadores foram afetados com menos severidade, já que nenhum deles é sequer capaz de falar decentemente. (Carta para Lucy Housman, 15 de Março de 1878)

A respeito de comentários sobre A Shropshire Lad:

Kate escreve para dizer que gosta do verso mais que dos sentimentos. Os sentimentos, ela então segue dizendo, parecem ser tirados do livro de Eclesiastes. Preferir a minha versificação aos sentimentos do Espírito Santo é decididamente lisonjeiro, mas me soa um tanto ímpio [...] (Carta para Laurence Housman, 27 de Abril de 1896)

Uma inusitada companhia:

 Eu confirmei, ao olhar de Wenlock Edge que a Igreja de Hughley não pode ter um campanário. Mas eu já havia composto o poema e não podia ter inventado um outro nome que soasse tão bem, e eu posso apenas deplorar que a Igreja em Hughley tem de seguir o péssimo exemplo da Igreja de Brou, que persiste em ficar na planície após Matthew Arnold dizer que ela fica entre montanhas. [...]
Morris morreu! agora Swinburne terá algo sobre o que escrever. Ele escreveu 12 epicédios para P. B. Marston, assim Morris deve ser bom para ao menos 144. [...]
Uma nova firma editorial me escreveu propondo publicar o sucessor de A.S.L. Porém, como eles não se ofereceram para escrevê-lo, tive de recusar. (Carta para Laurence Housman, 5 de Outubro de 1896)

Poesia sobre o mar:

O mar é um assunto de modo algum exaurido. Eu tenho em algum lugar um poema que chama a atenção a uma de suas características mais notáveis, que dificilmente algum poeta parece ter observado. Eles o chamam salgado, ou azul, ou profundo, ou escuro, e assim por diante; mas eles nunca fizeram uma reflexão tão profundamente verdadeira como a seguinte:
            Ó mares, vastidão,
            Quão úmidos são! [...] (Carta para Laurence Housman, 12 de Maio de 1897)

  Sobre o porque Housman não permitia antologistas a imprimir os poemas dele, mas permitia músicos:

O que deves ter em mente é o fato de que eu permito compositores arranjarem minhas músicas em palavras [sic] sem qualquer restrição. Eu nunca ouço a música, então não sofro; mas é muito diferente de ser incluído em uma antologia, com W. E. Henley ou Walter de la Mare. (Carta para Grant Richards, 2 de Julho de 1907)

Romances de Masenfield:

Eu também devo te agradecer pelos dois romances de Masenfield, dos quais eu li Captain Margaret. Bem legível e contendo um número de detalhes interessantes; porém péssimo. (Carta para Grant Richards, 12 de Abril de 1910)

Sobre a proficiência linguística dos censores, que atrasaram uma carta de Edmund Gosse por uma semana e ainda reclamaram que ele devia escrever "menos e mais claramente". Gosse protestou publicamente no The Times, e Housman lhe respondeu em carta:

Não percebes a situação. Não é a tua mão que o Censor não acha clara; é teu vocabulário. Um homem de letras escrevendo para outro, naturalmente, escreve em inglês, uma língua antiga e copiosa. Mas ninguém no escritório do Censor conhece 500 palavras de inglês: 450 de inglês com 550 de gíria, são o suficiente para expressar todas as ideias que circulam naquele claustro pálido e zeloso. E se o Censor acha suas cartas longas, não é que são longas em tamanho, mas que levam um longo tempo para ler quando muitas palavras tem de ser buscadas no dicionário. Por exemplo, deves ter usado a palavra 'tendency'. Essa é uma palavra que ninguém no escritório do Censor jamais usa, jamais ouve, ou mesmo vê: quando eles querem dizer 'tendency' eles sempre dizem 'trend', como fazem todos os escritores que eles já leram. (O que eles dizem quando eles querem dizer 'trend' eu não sei: talvez eles nunca queiram dizer) [...] (Carta para Edmund Gosse, 27 de Janeiro de 1915)

Sobre bibliófilos, após um de seus estudantes pedir uma primeira edição de A Shropshire Lad:

Decerto que não. Eu tenho apenas duas cópias restantes, e elas são para o bom e o puro. As coisas mais chocantes a respeto de vocês, "devotos de edições", são a falta de vergonha com que confessão o vício e a calma estupidez com que vocês esfaqueia a vaidade dos autores. Como vocês supõe que nós nos sentimos quando ouvimos toda essa confusão a respeito da diferença entre uma primeira edição e uma décima? Os únicos méritos de qualquer edição são a correção e legibilidade. Isso lhes pasma; e quando eu digo que a primeira edição continha um erro que é corrigido na segunda, vocês ficam prontos a arrancar seus próprios cabelos.
Eu pedi aos editores para enviar uma cópia da publicação a um de seus devotos ferrenhos, que insinceramente finge, como tu, estar interessado em minha poesia. Quando ele pôs as mãos nela, não esperou para ler, enviou-me na próxima saída dos correios pelo meu autógrafo. Eu fico realmente feliz quando ouço que vendedores de livros desonestos estão praticando extorsão em gente desse tipo, e demandando somas que vão de 7/6 a uma guinea, de acordo com a aparência do comprador, se parece um tolo de marca maior ou menor. (Carta para P. P. Stevens, 27 de Outubro de 1922)

Sobre casamento e morte:

Morte e casamento estão invadindo esta Faculdade com tal fúria que devo me sentir grato por ter escapado de ambas. (Carta para Percy Withers, 29 de Maio de 1925)

 Em resposta a alguém tentando escrever um livro sobre Housman:

Eu estive muito doente no início do ano, e eu estou novamente em uma enfermaria. Eu espero que possas restringir teu ardor indecente por algum tempo, quando eu estiver apropriadamente morto e tua obra proposta não será, pela sua própria natureza, imprópria. Mas esperança não é mais que esperança, pois minha família é forte e vive muito, exceto quando resolvem beber.
Não me envie teu manuscrito. Pior que a prática de escrever livros sobre homens vivos é a conduta dos vivos supervisionarem tais livros. Eu não te proíbo citar os estratos de minhas cartas. (Carta para Houston Martin, 22 de Março de 1936)