quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Santo Oriêncio - Commonitorium, V.1-4

Santo Oriêncio, bispo de Auch (não confundir com Santo Oriêncio, o mártir) foi um poeta cristão do Século V, durante a transição da época clássica para a época medieval, período conhecido como antiguidade tardia. No geral, os escritores tardios são muito pouco lidos e estudados, contudo, no caso de Santo Oriêncio, a negligência talvez seja um tanto maior. Os poucos comentaristas "modernos" da obra do autor admitem que Oriêncio não é um autor tão grandioso como os autores da era dourada da latinidade, porém dentre os escritores da antiguidade tardia está entre os melhores. Enquanto alguns escritores como Nono e Dracôncio são relativamente mais estudados por seus méritos (em termos relativos) histórico-literários, e Paulino de Nola pela sua teologia, e Prudêncio um tanto por ambas as razões (embora Prudêncio não fosse teólogo), Oriêncio vem sido amplamente ignorado tanto pelos estudos patrísticos quanto pelos estudos literários.

O poeta Santo Oriêncio merece essa negligência, ou merece ser lido atualmente? Essa é uma resposta difícil, tanto pelo fato de que meu latim é uma droga, quanto pelo fato de que a sociedade do início do XXI parece um tanto impaciente e implicante com tudo o que tem haver com o cristianismo, de modo que não apenas a poesia religiosa está em ampla decadência como críticos podem olhar para clássicos recentes da literatura (como os poemas de Christina Rossetti) e do cinema (como Ben Hur) e questionarem seu status como clássicos em bases de que são "pios" demais. A ideia de um poema didático do V que conta os desafios para se alcançar os "céus" (no sentido do paraíso cristão) me parece, contudo, interessante.

Lastimavelmente, meu latim é tão ruim que eu não consigo ler mais de quatro linhas seguidas sem minha cabeça explodir. A "melhor edição moderna" ainda é a do Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum (1888, Vol. XVI: "Poetæ Christiani minores", I, 191-261. Acesso no link ao lado), editado por Ellis em 1888. Outra edição popular mas que unicamente trás o texto do manuscrito é a do Patrologia Latina (Vol. 61. Oriêncio aparece ao lado de dois outros poetas, Paulino de Nola e Auspício de Toul). Minha tradução é feita em alexandrinos arcaicos (6' + 6' sílabas, na contagem moderna), seguida de uma versão "quebrada" (6' + 4') no verso seguinte; talvez não seja a melhor forma de verter o dístico elegíaco em português, mas, bem, eu não ligo.


Representação da Abadia de Auch. Especula-se que Oriêncio tenha sido bispo aí.

Orientius - Commonitorium, Liber Primus, V.1-4

Quisquis ad aeternae festinus praemia uitae,
perpetuanda magis quam peritura cupis,
quae caelum reseret, mortem fuget, aspera uitet,
felici currat tramite, disce uiam.


A melhor a mais moderna edição do poeta tem mais de 130 anos de idade

Santo Oriêncio - Commonitorium, V. 1-4

Aqueles que, ansiosos, dos dons da vida eterna
E mais perpétuas, que perenes, querem,
Que redescobre os céus, e põe a morte em fuga,
percorre a rota alegre, aprende a via.

Trad: Raphael Soares

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Como resenhar a crítica? Uma resenha de A. E. Housman


Eis aqui um texto que achei interessante por diversas razões. A. E. Housman (1859-1936), poeta vitoriano bastante popular (A Shropshire Lad é de 1896, com quase 100 edições e diversas musicalizações já em 1911) e também scholar clássico de prestígio comentando sobre uma publicação acadêmica monumental para a época, o The Cambridge History of English Literature (em 14 volumes), que basicamente é, como o próprio intitula, um comentário Georgiano sobre a literatura vitoriana (os dois últimos volumes). Por motivos óbvios o livro não menciona Housman (nenhum autor vivo é tratado, de modo que a geração mais "jovem" tratada é dos contemporâneos de Housman que morreram antes), de modo que o autor da resenha pode tratar do livro sem lidar com interesses pessoais.

Há muito mais interesse a se tirar da publicação: Housman é bem sagaz mesmo em seus equívocos (e meus comentários seguem abaixo), e já nos introduz a diferença que é entre a leitura dos "georgianos" e a "moderna" (a nossa, em certo sentido, mas que provavelmente será sucedida por uma "mais-moderna"), nos aponta diversos vícios de crítica, que ainda grassam nas publicações crítico-acadêmicas e um apelo para olharmos para a crítica, em suas qualidades e defeitos, vendo o que ela realmente é. Um apelo à sanidade, de certo modo. Também uma boa lição do que é e o que deve ser a crítica e comentários sobre a crítica.

Os dois volumes tratados:
The Cambridge History of English Literature Vol. 13
The Cambridge History of English Literature Vol. 14

O ensaio foi originalmente publicado em The Cambridge Review (23 May 1917), p. 358. O meu texto provém de Selected Prose of A. E. Housman (uma cópia pode ser alugada aqui, e outra aqui.)



A. E. Housman - Uma História Georgiana da Literatura Vitoriana (The Cambridge History of English Literature, Vols. XII e XIV)

Estes dois volumes completam a Cambridge history of English literature e abarcam aquele período que é comumente e quase precisamente chamado era Vitoriana. Os nomes inclusos variam de Carlyle, que nasceu antes de Keats e começou a escrever no reinado de George IV, a Meredith e Swinburne, que sobreviveram e, ó dor, persistiram escrevendo durante maior parte do reinado do Rei Eduardo; nas todos os principais nomes são de homens que escreveram sua principal obra entre 1837 e 1901. Newman não está aqui, mas provavelmente encontrou um espaço anterior em algum capítulo consagrado à religião: os vivos também são ausentes, e o mais jovem escritor de mérito que é mencionado é Francis Thompson, nascido em 1859*.

A era Vitoriana na literatura tem sido criticada, como de costume, por "ces enfants drus et forts d'un bon lait qu'ils ont sucé, qui battent leur nourrice"*, e como muitas outras eras, foi assiduamente depreciada por alguns de seus próprios ornamentos principais. "É ímpar que os últimos 25 anos", escreve Macaulay em 1850, "dificilmente produziu um volume que será lembrado em 1900"; e em 1855 "a esterilidade geral, o estado da literatura miseravelmente enervado" ainda prevalecia. Mas agora é seguro dizer que o reinado da Rainha foi uma grande era das letras Inglesas, ainda mais notável porque sucedeu quase sem interrupção uma maior*. França nos mesmo período produziu uma colheita talvez tão boa quanto a Inglaterra, mas o campo seguiu alqueivado por uma geração inteira. Uma grande era literária exauriu a Alemanha; uma era literária nem sequer grande exauriu a América; mas nunca, desde a derrota da Armada, uma grande literatura deixou de florescer e renovar-se na ilha que é terra da ineficiência.

Se já chegou o tempo de pesar um autor Vitoriano contra o outro, ou uma obra contra outra do mesmo autor, não é tão certo.
Os sonoros quartos de Southey já são um pouco melhor que madeira:‒e as ricas melodias de Keats e Shelley,‒ e a fantástica ênfase de Wordsworth,‒e o pathos plebeu de Crabbe, estão derretendo rapidamente para além de nosso campo de cisão. Os romances de Scott têm extinguindo sua poesia. Mesmo os esforços de Moore estão desaparecendo em distância e obscuridade, exceto onde tem se casado com música imoral; e a estrela flamejante do próprio Byron se recende de ser espaço de orgulho.... Os dois que mais longamente suportaram tal rápido murchar da láurea, e com menores marcas de decadência em seus ramos, são Rogers e Campbell.*
Assim escreveu o primeiro crítico profissional de seu tempo, quando a maior era da literatura inglesa acabara de chegar ao fim; e tal julgamento reimprimiu em 1843, e outra vez em 1846, mais de vinte anos do final da era e quase cinquenta de seu começo. Mas aqui há uma razão pela qual podemos esperar julgar escritores Vitorianos menos perversamente que Jeffrey aparenta ter julgado seus predecessores. Jeffrey era um pouco mais jovem que Wordsworth, e formou seu gosto antes do ano de 1798, quando o Lorde criou uma nova coisa na terra. Todos os críticos que contribuem para estes volumes foram criados na tradição Vitoriana, e muitos deles nasceram muito depois que os autores a eles designados para a crítica. A era Vitoriana, ademais, não introduziu grande e desconcertante mudança; o que fez foi desenvolver e modificar tendências existentes, com algum progresso e alguma recaída*. A pausa após 1824 não foi nada, exceto uma escassez momentânea de grandes escritores, nenhum prelúdio a qualquer maré de revolução ondulando sob a respiração de um Wordsworth, ou carregando um Dryden em sua crista. As mais salientes novidades da literatura vitoriana não foram duráveis e agora perderam voga*; exceto que em alguns anos um romancista ou dois ainda pode ostentar um terno de buckram que Meredith encomendou de seu alfaiate para disfarçar o fracasso de seu gênio. Nenhum autor do período exerceu a influência permanente de Keats ou Scott. Browning não teve sucessores, Tennyson não teve um que nos interessa*, e o esforço de Carlyle em naturalizar, na Inglaterra, o estilo de Jean Paul Richter está muito longe da realização de seu desejo em substituir um Hindenburg pela constituição Britânica. Nos anos sessenta pareceu, de fato, que houvesse surgido um bando de escritores que lançariam a poesia em uma nova carreira; mas o tempo mostrou que eles estavam navegando em uma água represada, não achando um canal para o fluxo principal, e em vinte anos todo o coração se foi junto da empresa. As modas desse interlúdio já são tão antigas que o Sr. Gilbert Murray pode adotá-las em sua interpretação de Eurípides; e receberam agora aprovação acadêmica, que é a segunda morte.

É provável que estes volumes refletem com devida fidelidade a estima atual dos autores Vitorianos e suas obras. Se a posteridade se surpreender em encontrar dez páginas sobre William Morris e menos que duas sobre Coventry Patmore*, ela também será instruída; pois a escala inquestionavelmente corresponde a opinião que prevalece em 1916 e mesmo 1917. Mas uma lista de "Poetas Menores" composta de Dobell e Francis Thompsom assim como Patmore pode provocar algum questionamento mesmo agora, se vier a mente que "Menores" significa menores que Clough, James Thomson e O'Shaughnessy*. Que Carlyle tenha vinte e duas páginas enquanto Macaulay oito reflete mais, talvez, a estima de três anos atrás, desde que a reputação de Carlyle foi trivialmente prejudicada por nossas relações temporais com a terra espiritual dele*. E a posteridade provavelmente estará errada se inferir que a maioria dentre nós pensa que basta duas páginas para Stevenson em uma obra em que George Gissin tem mais de sete, ou uma página e pouco o bastante para Pater, um verdadeiro homem das letras, embora não um grande, em uma obra em que Froude, que foi inteiramente metal básico, teve três e meia.

A crítica dos vinte e quatro contribuidores é sóbria, e na maior parte é competente, mas nem todo assunto é judiciosamente distribuído. Por exemplo, um escritor que é qualificado para tratar Thackeray pode estar mal arranjado com "Os Rossettis, William Morris, Swinburne e outros". O capítulo sobre Tennyson, embora um tanto toscamente escrito, é talvez o melhor, e faz igual justiça tanto à grandeza quanto à mesquinharia do tema. O pior capítulo, sem nenhum talvez, é aquele sobre literatura Anglo-Irlandesa, em que o pensamento é tão flácido quanto a escrita.
Mas agora parece bem certo, na opinião de Windisch e outros estudiosos celtas, incluindo Quiggin, que alguns dos rapsodistas galeses aparentemente devem um tipo de aprendizado com seus irmãos Irlandeses.
Na mesma página é sugerido que Shakespeare deve ter tido o que Matthew Arnold chama sua nota de magia celta "de segunda mão, através de Edmund Spencer, ou seu amigo Dowland, o alaudista, que, se não foi Irlandês, tinha uma associação Irlandesa". Vamos todos buscar a sociedade do Sr. A. P. Graves e então talvez devamos escrever coisas como "Narcisos/ Que ousam vir antes da andorinha, e tomam/Os ventos de Março com beleza”*; embora seja verdade que o próprio Sr. Graves, como Dowland e Spenser, não o façam.

Em um interessante capítulo sobre "mudanças na língua desde os tempos de Shakespeare" é dito que o temor da degeneração, expressa por Johnson no prefácio de seu dicionário, não fora ainda justificado. Mas o foi; e estes volumes são uma parte da justificação. "Em prosa," escreveu Coleridge um século atrás, "eu duvido sequer ser possível preservar nosso estilo não mesclado pela viciosa fraseologia que nos encontra em todo canto. Nossas correntes chacoalham, mesmo quando reclamamos delas". E a língua inglesa, desde a escrita de Coleridge, continuou a deteriorar em fibra. Existe, pode existir, palavra como purposive? Existe: foi inventada por um cirurgião em 1855; e ao invés de ser mantida na estante superior de um museu anatômico, é exibida nestes dois volumes. E o declínio não está somente na nossa língua, mas em nossa habilidade de usá-la. Antes da metade do século dezoito a escrita de bom inglês cessou de vir naturalmente, mas foi amplamente, e de modo bem sucedido, praticada como arte. O estoque comum de palavras já estava empobrecido e contaminado, mas havia uma alta e estrita tradição de elegância em estilo. Isso se extinguiu, e nossa alvenaria não é melhor que nossos tijolos. Agora é possível (não, usual), gastar uma vida inteira no estudo da literatura sem sequer aprender o seu feitio, e nenhum leitor abrindo esse livro irá sequer esperar achar a mão do artesão subjugada ao que opera. Duzentos anos atrás, John Dennis era um notório jumento; mas nenhum capítulo aqui se compara ao seu Remarks upon Cato pela raça e sabor da dicção, ou pela energia e concisão do estilo. Soame Jenys era uma velhota e seu vocabulário era tão banal como podia ser; e ainda, porque ele escreveu no século dezoito, pôs palavras e pensamentos pobres em sentenças bem formadas. Mas o Inglês escrito é agora inerte e inorgânico: sem caule e folha e flor, sem alvenaria acabada e bem conectada, mas uma borra de argamassa mal-temperada. As seguintes passagens, é justo dizer, não são exemplos típicos da obra; mas a aparência delas em uma história da literatura é notável e significante.
Não houve, contudo, tanta diferença nesse caso entre o público e, a princípio, uns tantos, mas, recentemente, quase todos, críticos como aconteceu no caso de Lewis Morris, que, também, foi tornado cavaleiro depois.
O toque um tanto epiceno (reconhecido logo depois de ter sido reconhecido por alguns sob o pseudônimo de Fiona Macleod, bem guardado por um longo tempo) de William Sharp não pode receber extensivo comentário aqui.
O editor do quase acabado (quarto) volume deixado para trás por Gairdner de suas Lollardy and the Reformation considera que, ao escrever a seção em The History of the English Church, dos quais a obra tardia de Gairdner era um alargamento inacabado, ele (embora já em avançada idade) acreditava estar cumprindo um dever; e ele, certamente, tinha a causa da verdade em seu coração.
Desde então, em 1786, ele tinha (embora assuntos financeiros nunca foram muito de seu gosto) em uma fala de menina admirada atacado os tratados comerciais de Pitt, ele nunca vacilou, mesmo nos dias do eclipse do partido whig, ou naqueles de emancipação católica (em que apresentou um discurso que Stanley (Derby) disse que ele preferiria ter feito que quatro de Brougham) e de reforma.
Nem emendam-se as coisas espetar em ramos de ornamento.
Tudo... paga espontânea honra a celebração de Swinburne de seus ideais de liberdade e justiça, vestida em música que é levada sobre as asas do vento e geme e se alegra, agora alto em deleite de sua beleza e força, e agora ameaçadora ou lamuriosa em sua raiva ou tristeza, como as vozes do mar.
Uma retórica pueril assim, como crítica, é nada. É como o que o Daily Chronicle disse quando Matthey Arnold morreu; e que vale mencionar para aqueles que ainda não conhecem.
Sua música montada além com pensamentos brilhantes, do mesmo modo que a cotovia sacode as gotas de orvalho de sua asa enquanto canta nos "Portões do Céu", ou como um ribeiro da montanha carregando muitas flores silvestres em suas ondulações, sua melodia fluiu alegremente. Algumas vezes a música dele cresce como a daquele oceano misterioso lançando pérolas enquanto se revolve.
O valor de uma obra como repertório de informação não é afetada pela escrita tosca e nem mesmo por julgamentos questionáveis, e esta é certamente uma ampla e provavelmente confiável coleção de fatos. Existe contudo um departamento em que não se pode falar muito. Sobre quais princípios e de quais materiais a bibliografia foi compilada, está longe de ser claro; mas não parece que seja o Dictionary of National Biography ou o catálogo geral da University Library foi consultado. Completude não deve ser esperada ou mesmo desejada num livro desse alcance; mas a informação fornecida é, em muitos casos, nem adequada nem precisa, e mesmo a memória de um leitor familiarizado com o período irá permitir corrigir erros e reparar omissões. Aqui vão três entradas na "Tabela de Datas Importantes", vol. xiii, p.576. '1863 Book of Nonsense de Lear': a data correta é 1846. '1877 Golden Treasure de Palgrave': é de 1861. '1908 The Hound of Heaven de Thompson': é de 1893, e Thompson morreu em 1907.

Trad: Raphael Soares


Notas:

* mais jovem escritor de mérito que é mencionado é Francis Thompson, nascido em 1859: Mesmo ano de nascimento de Housman, sendo de fato mais velho que este (Thompson nasceu em dezembro, e Housman em Março). Vale notar que embora o livro não possa ter grande conhecimento da poesia de Hopkins (Poems of Gerard Manley Hopkins é de 1918, do ano seguinte à publicação do último volume), o livro o trata como um poeta menor, usando apenas uma nota de rodapé entre Lang e as formas francesas (antes de Henley) na página 210.

* "ces enfants drus et forts d'un bon lait qu'ils ont sucé, qui battent leur nourrice": frase de Jean de lá Bruyère. Significa: "estas crianças grandes e fortes por conta do bom leite que beberam, e que espancam suas amas de leite".

* ainda mais notável porque sucedeu quase sem interrupção uma maior: Por "quase sem interrupção" presume-se que Housman fale de uma interrupção inferior a uma geração. Adiante ele reconhece que houve uma, mas as datas parecem um tanto confusas na cabeça de Housman. Ele deve ter como marco algo como a morte de Byron (1824) e pelo menos Poems (1844) de Tennyson, se é que não assume uma data posterior. 20 anos inteiros separam os dois eventos, de modo que fico meio receoso de dizer "quase sem interrupção". Considerando que Victor Hugo Morreu em 1885 (de modo que os franceses ao menos ainda tinham Hugo nos anos 70 e 80) e desde lá a literatura francesa tem um desenvolvimento constante, a pausa pós-romântica inglesa parece bem mais longa.

são Rogers e Campbell: Passagem de Francis Jeffrey, Lord Jeffrey, crítico literário escocês (1773-1850). É bem difícil estar mais errado que isso.

* A era Vitoriana, ademais, não introduziu grande e desconcertante mudança; o que fez foi desenvolver e modificar tendências existentes, com algum progresso e alguma recaída: Para nós é difícil engolir um argumento como esse, considerando que toda "renovação desconcertante" (seja a romântica, a moderna e possivelmente a pós moderna) é, em algum grau, "apenas" desenvolver e modificar tendências existentes: até mesmo a mais radical de todas as revoluções literárias, a passagem do medieval tardio para o renascimento, toma como base práticas literárias existentes. Contudo, devemos também lembrar que era o pensamento padrão da época, que não apenas considerava o romantismo uma revolução muito maior do que é, como considerava o período vitoriano algo bem menos inovador do que pensamos atualmente. Essa ideia era comum, e contaminou a crítica moderna, que visava e superestimava a "inovação" (seja lá o que significava para eles) e a "nova crítica", que via fraqueza nos procedimentos e formas literárias do período. Apenas como uma nota histórica, foi apenas em 1957 (com o livro The Poetry of Experience: The Dramatic Monologue in Modern Literary Tradition de Robert Langbaum) que houve uma profunda alteração no modo como vemos a literatura do período, num contínuo de inovações que antecede o romantismo e atravessa o período vitoriano e moderno.

* As mais salientes novidades da literatura vitoriana não foram duráveis e agora perderam voga: Duvidoso, embora tenho de verificar datas para confirmar se, no início do período georgiano, isso mantém-se como verdadeiro. O "monólogo dramático", "nonsense", "simbolismo sonoro", "romance em verso", o "longo poema fragmentário" e a "colagem/medley" são todas "salientes novidades da literatura vitoriana" que permanecem até hoje como formas padrões extremamente usadas na literatura da língua, embora eu realmente não me lembre tanto de longos poemas e monólogos dramáticos na literatura georgiana, enquanto até mesmo a ultra-sonoridade swinburniana parece ter agradado muito mais o paladar americano. Ao menos os principais escritores georgianos (Edward Thomas, os Sitwell e mesmo o próprio Housman tardio) não parecem imitar as inovações de seus avós. Talvez essas esquisitices soassem muito ultrapassadas para os leitores dos anos 10, mas muito moderna para o dos 20. Até mesmo a mais estrambólica prática poética vitoriana, as traduções browningianas "grotescas" (Prometeus de EBB, Agamemnon de Robert) e mesclas de material traduzido e autoral (Balaustion's Adventure, Aristophanes' Apology) ganhou nova vida no século XX (penso aqui em An Oresteia e Antigonik de Anne Carson, como exemplo de ambas as práticas, mas a obra da Carson como toda leva essas práticas a outro nível).

* Browning não teve sucessores, Tennyson não teve um que nos interessa: Aqui é difícil estimar o quanto esse julgamento é errado em 1917. Tirando o fato de que Dante Gabriel é um sucessor de ambos, o que por si só desqualifica o comentário, algumas coisas ainda devem chamar atenção. Primeiro que os mais notáveis sucessores de ambos vieram depois ou em outra língua: Baudelaire e os Simbolistas são tennysonianos via Poe, enquanto Eliot e Auden são legítimos herdeiros de Tennyson mas posteriores ao período Georgiano, enquanto Browning influenciou Gide, Borges, Pound, Larkin e por aí vai; Fernando pessoa foi grande leitor de ambos, e tomou suas lições de ambos. Mas mesmo para aquela época, há ainda correções. Browning teve muitos sucessores: Meredith, Wilde e James na prosa literária, Lubbock e Chesterton na crítica, Gilbert & Sullivan e Bernard Shaw no drama, e o que todos tem em comum é que ou não são poetas ou não são browningianos em seus versos; por alguma razão a influência de Browning fora imediatamente gigantesca entre os prosadores, mas nenhum poeta tentou copiar seu estilo, exceto como paródia (John Jones's Wife de Swinburne, parodiando James Lee's Wife de Browning), e não devia ser aparente para muitos leitores da época o débito de Yeats. Quanto a Tennyson, não sei se Housman ignora a influência sobre os americanos Longfellow, Poe e Withman, ou considera os três como não relevantes. As imitações de Lear e Swinburne do estilo de Tennyson deviam contar também. O fato é que a influência de Browning e Tennyson não é inferior a de seus antecessores (Shelley e Keats), mas se projeta de modo bem particular.

* Se a posteridade se surpreender em encontrar dez páginas sobre William Morris e menos que duas sobre Coventry Patmore: Exatamente no ponto. A posteridade se surpreende, ao menos quanto à proporção.

* significa menores que Clough, James Thomson e O'Shaughnessy: Quem diabos é O'Shaughnessy???

* prejudicada por nossas relações temporais com a terra espiritual dele: A "terra espiritual" de Carlyle é a Alemanha, e as relações temporais da ocasião a primeira guerra mundial, iniciada em 1914 e que ainda estava acontecendo quando Housman escrevia (o texto é de 1917, enquanto a guerra terminaria em 1918).

* "Narcisos/ Que ousam vir antes da andorinha, e tomam/Os ventos de Março com beleza”: William Shakespeare, Winter's Tale, IV, 3. Traduzido por Carlos Alberto Nunes (Conto de Inverno) como: "Os narcisos que a aparecer se atrevem antes das andorinhas, e que os ventos de março enleiam no seu grande encanto".