quinta-feira, 26 de maio de 2011

Erlkönig - Goethe + Notas

Der Erlkönig¹ - Goethe
Wer reitet so spät durch Nacht und Wind?
Es ist der Vater mit seinem Kind.
Er hat den Knaben wohl in dem Arm,
Er faßt ihn sicher, er hält ihn warm.

„Mein Sohn, was birgst du so bang dein Gesicht?"
„Siehst Vater, du den Erlkönig¹ nicht!
Den Erlenkönig¹ mit Kron'² und Schweif?"
„Mein Sohn, es ist ein Nebelstreif."

„Du liebes Kind, komm geh'² mit mir!
Gar schöne Spiele, spiel'² ich mit dir,
Manch'² bunte Blumen sind an dem Strand.
Meine Mutter hat manch'² gülden Gewand."

„Mein Vater, mein Vater, und hörest du nicht,
Was Erlenkönig¹ mir leise verspricht?"
„Sei ruhig, bleibe ruhig, mein Kind,
In dürren Blättern säuselt der Wind."

„Willst feiner Knabe du mit mir geh'n²?
Meine Töchter sollen dich warten schön,
Meine Töchter führen den nächtlichen Reihn³
Und wiegen und tanzen und singen dich ein."

„Mein Vater, mein Vater, und siehst du nicht
Dort Erlkönigs¹ Töchter am düsteren Ort?"
„Mein Sohn, mein Sohn, ich seh'es² genau:
Es scheinen die alten Weiden⁴ so grau."


„Ich lieb dich, mich reizt deine schöne Gestalt,
Und bist du nicht willig, so brauch'² ich Gewalt!"
„Mein Vater, mein Vater, jetzt faßt er mich an,
Erlkönig¹ hat mir ein Leids getan."

Dem Vater grauset's², er reitet geschwind,
Er hält in den Armen das ächzende Kind,
Erreicht den Hof mit Müh'⁵ und Not,
In seinen Armen das Kind war tot.

Notas:
¹ O nome Erlkönig não possui uma etimologia exata, composta de König (Rei, que também pode vir escrito Koenig) e Erl (não existe no alemão como palavra isolada). Erlkönig é um personagem mitológico maligno ligado à natureza. A tradução usual desse termo é Rei dos Elfos (ou Elfo-rei), mas o Erlkönig não se parece nem um pouco com a imagem que temos de elfo. Erlenkönig é o mesmo nome, porém com Erl no plural (Erlen).

Esse poema foi musicado por Schubert (além de pelo menos mais 20 compositores) e minha tradução é mais tradução da música que do original goethiano. É um poema incrível, de profundidade psicológica e polissemia quase insuperável. Falarei mais sobre ele e suas traduções qualquer dia.

² Elisões, em decorrência da métrica.

³ Passagem problemática. Reihn não existe mas é homófono de Rhein, embora não creio que seja Rhein que o texto deseja dizer. Reihn poderia também ser uma elisão de die Reihen, porém o artigo den é de acusativo singular masculino (o singular é Reihe, e é feminino). Isso há um dilema, pois, se Reihn é elisão de Reihen (feminino plural) por que a frase pede um acusativo masculino singular. A maioria das traduções em inglês omite essa passagem (ou repetem a idéia de dança ou canto), com excessão de A.Z.Foreman ([dance] in a ring), Walter Meyer (song fest) e Edgar Alfred Bowring (festival keep). Ao pesquisar um pouco, me deparei com der Reihentanz, e levando em consideração o tanzen do outro verso, faz todo o sentido.

⁴ die Weide pode significar tanto salgueiro como pasto, gramado etc... De acordo com o próprio texto, faz mais sentido que são velhos salgueiros.


⁵ Há versões onde aparece Mühe e outras onde aparecem Müh'. Optei pela que aparece na música de Schubert (Müh'). A principal diferença é que o 'e' é pronunciado como sílaba separada, causando uma diferença na metrificação.



O Erlkönig¹ - Goethe
Quem tarde cavalga em noite e vento?
É um velho pai e seu filho atento.²
Em braços fortes jaz escondida
A criança do frio, bem protegida.³

„Oh filho, que temor seus olhos veem?”
„Não vê pai, lá, que o Erlkönig vem,
O Erlenkönig, de cauda e cetro?”
„Filhinho, é só de névoa um metro.”

„Querido jovem, vens comigo!
Soberbos jogos jogarei contigo,
Há vivas⁴ flores, muitas, na margem.
Mamãe tem uma áurea roupagem”.


„Paizinho, paizinho, ouves no caminho⁵
Que o Erlkönig me promete baixinho?”
„Acalme-se filho meu, se acalma,
São folhas secas na eólia alma.⁶”

„Amável menino, venha a mim,⁷
Minhas filhas te esperam assim,
Elas te guiarão ao festejo noturno,
Em canto e dança, e embalo soturno.”


„Paizinho, paizinho, não estás vendo
Irmãs dele naquele lugar horrendo?”
„Consigo ver com clareza, filho:
De velhos salgueiros cinzas o brilho.”

„Eu te amo, me atrai tua aparência.
Se não queres vir, usarei a violência!”

„Paizinho, paizinho, agarrou-me agora
O Erlkönig quer me levar embora.”⁸

Horrorizado, o pai ágil cavalgou,
E firme ao braço o filho chorou,
Chega a seu campo a custo e fado,
Co’o filho inerte, por morto dado.⁹

Trad: Raphael Soares

¹ Mantive o nome Erlkönig (e sua variante Erlenkönig) devido à falta de equivalência, entretanto, se você preferir pode ler Elfo-rei (ou Rei dos Elfos para o Erlenkönig), já que possui a mesma estrutura sonora. Essa tradução é dedicada ao grande tradutor Ivo Barroso, já que as leituras que fiz no blog Gaveta do Ivo me encorajaram a continuar a "decifrar hieróglifos". É importante informar que a sonoridade é baseada na versão musical de Schubert. Mais sobre o poema e sua tradução no próximo post.

² Os adjetivos (velho e atento) desse verso são acréscimos, que não destoam do sentido original.

³ As ideias desses dois versos estão misturadas na tradução. A única mudança importante é que no texto alemão a voz é ativa (o pai segura) enquanto na tradução a voz é passiva (a criança está sendo segurada).

⁴ Bunte significa coloridas, sortidas. Optei por usar vivas flores tanto pela poeticidade do termo quanto pelo número de sílabas.

⁵ O menino pergunta "você não está ouvindo...?". Como o "não" (nicht) é retórico optei (em decorrência do metro) por deixar a pergunta como afirmativa.

⁶ Há aqui uma omissão (sussurram).

⁷ Originalmente é uma pergunta, mas devido a música de Schubert optei por eliminar a interrogação, mantendo contudo o sentido completo do verso.

⁸ Omissão (Leid = dor, sofrimento, machucado).

⁹ Em prosa chã: "Em seus braços o filho está morto"

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Outros Prelúdios

Van Gogh
Eliot é um dos poetas contemporâneos mais famosos, e influenciou legiões e legiões de poetas de todos os países e todas as idades. No Brasil, houve tempo que Eliot e Pound eram as maiores e mais modelares figuras da poesia. Apesar de toda a fama de Eliot, os seus "Preludes" não estão entre seus poemas mais apreciados, estudados ou traduzidos, embora eu possua uma preferência particular por eles.

Ha dois grandes tradutores de Eliot no Brasil: Ivo Barroso e Ivan Junqueira. Além desses, outros tradutores trabalharam sobre os versos eliotianos em jornais, revistas, antologias e outros meios de divulgação. Difícil saber tudo o que foi traduzido do autor sem um bom trabalho de pesquisa. Até onde pude conferir, os prelúdios foram traduzidos por Ivan Junqueira na sua tradução da poesia completa de Eliot pela Nova Fronteira (doravante designada IJ), também foram traduzidos por Maurício Borba Filho em seu blog (doravante MBF) e a última tradução integral desses quatro poemetos foi a que eu apresentei no post passado (RS). Há também a tradução do 1º prelúdio por Arthur A. de Ataíde publicado no blog da revista eletrônica Crispim (doravante AAA). A única tradução portuguesa que tenho notícia é a da edição de "Prufrock e Outras Observações" pela editora Assírio & Alvim em tradução de João Almeida Flor (JAF).

Todas as traduções do poema têm seus méritos, e pretendo fazer aqui uma comparação saudável entre elas.



A primeira coisa que percebemos ao comparar as traduções é que a única que mantém o metro da poesia inglesa é a de AAA. Todas as outras versões em português são escritas em verso livre. O metro original é uma notavel vantagem. AAA também abusa de rimas imperfeitas, onde apenas as vogais tônicas e postônicas se repetem (beco/aceso, embrulha/sujas, vago/telhado e coches/postes); o efeito final é bem interessante. AAA também é o único que mantém todas as rimas, enquanto IJ e JAF não se importam em manter todas.

IJ traduz de forma mais livre, rimando ocasionalmente e até mesmo dividindo um verso em dois (como em: And newspapers from vacant lots => E jornais que circulam no vazio/de terrenos baldios). JAF não mantém nenhuma rima original, mas acaba criando uma bem esquisita no primeiro prelúdio (aquaceiros/fumeeiros/candeeiros), que pela escolha das palavras presumo que tenha sido uma rima proposital, embora feitas em versos que não rimam (beat/chimneypots/lamps).

Ainda falando das rimas, RS tenta manter as rimas do poema, mas não consegue manter todas, ou por não achar solução adequada ou por não perceber a rima (como em stands e hands). A tradução de MBF também procura manter as rimas na medida do possível, mantendo umas e omitindo outras (como feet/beat/street => pés/ressoa/ecoa) ou até mesmo mudando as rimas de posição. Interessante notar que a preocupação com o som vai diminuindo de poema para poema: o primeiro prelúdio de MBF mantém mais rimas que o último. O número de omissões sonoras em MBF é superior à RS.

No nível lexical e sintático, novamente AAA recebe destaque: é a única tradução que não se utiliza de embelezamentos, à exceção de uma única inversão marcada ("termina cinza o dia aceso") em decorrência da rima. IJ, RS e MBF utilizam-se com frequencia de inversões bem marcadas e um lexico não condizente com a poética "seca" de Eliot. Encontramos em IJ: declina => settles down; ranço => smell; constelada => constituted; estiolam => fade; vespertinos => evening; entre outros. IJ é o que mais altera o registro do texto sem justificativa (não há metro e poucas rimas), enquanto RS e MBF processam mudanças, em geral, por conta das rimas.

As rimas obrigaram os tradutores a fazerem escolhas, no mínimo, interessantes:
- AAA: Termina cinza o dia aceso. => The burnt-out ends of smoky days.
             Bafeja um potro em meio a coches. => A lonely cab-horse steams and stamps.

- IJ: As lâmpadas dardejam seu clarão => And then the lighting of the lamps.

- MBF: Os termos tépidos de dias de névoa e torpores => The burnt-out ends of smoky days
             Alguém pensa nas mãos e grafias => One thinks of all the hands
             E edições noturnas, um olhar profundo => And evening newspapers, and eyes

- RS: Como se frases por ela fossem compreendidas; => As the street hardly understands;

Algumas dessas escolhas mudam o sentido das imagens, mudam as próprias imagens ou possuem um registro que difere muito do poema.

AAA, em decorrencia da métrica, acaba sendo um texto mais conciso do que o texto inglês (lembrando que a língua é rica em monossílabos, enquanto o português não), e acaba perdendo um pouco da escrita fragmentária do autor também; mas o maior problema de AAA é o de não ser tradução de todos os quatro prelúdios, mas somente do primeiro. IJ possui uma dicção poética própria, que está presente em outras traduções e poesias do grande poetae tradutor que é Ivan Junqueira. É importante lembrar que tanto AAA quanto RS portam-se como "exercícios e brincadeiras tradutórias", e ambas fazem interferências variadas sobre o poema.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Preludes - TS. Eliot

Voltei com mais uma tradução, e agora é Eliot. Vim com uma novidade também: resolvi "ilustrar" os poemas com pinturas em PD. O nome do pintor segue em itálico abaixo da pintura.

Preludes
Edouard Manet
  I

The winter evening settles down
With smell of steaks in passageways.
Six o'clock.
The burnt-out ends of smoky days.
And now a gusty shower wraps
The grimy scraps
Of withered leaves about your feet
And newspapers from vacant lots;
The showers beat
On broken blinds and chimney-pots,
And at the corner of the street
A lonely cab-horse steams and stamps.
And then the lighting of the lamps.

   II

The morning comes to consciousness
Of faint stale smells of beer
From the sawdust-trampled street
With all its muddy feet that press
To early coffee-stands.

With the other masquerades
That time resumes,
One thinks of all the hands
That are raising dingy shades
In a thousand furnished rooms.

Félix Vallotton
     III

You tossed a blanket from the bed,
You lay upon your back, and waited;
You dozed, and watched the night revealing
The thousand sordid images
Of which your soul was constituted;
They flickered against the ceiling.
And when all the world came back
And the light crept up between the shutters,
And you heard the sparrows in the gutters,
You had such a vision of the street
As the street hardly understands;
Sitting along the bed's edge, where
You curled the papers from your hair,
Or clasped the yellow soles of feet
In the palms of both soiled hands.

     IV

His soul stretched tight across the skies
That fade behind a city block,
Or trampled by insistent feet
At four and five and six o'clock;
And short square fingers stuffing pipes,
And evening newspapers, and eyes
Assured of certain certainties,
The conscience of a blackened street
Impatient to assume the world.

I am moved by fancies that are curled
Around these images, and cling:
The notion of some infinitely gentle
Infinitely suffering thing.

Wipe your hand across your mouth, and laugh;
The worlds revolve like ancient women
Gathering fuel in vacant lots.



Prelúdios
  I

A tarde de inverno vai baixando
Com um cheiro de bifes nos cruzamentos.
Seis horas.
O fim queimado de dias nevoentos.
E agora uns chuvarais lestos
Prendem os horrendos restos
De folhas secas que envolvem nossos pés
E jornais nos espaços vagos;
As batidas dos chuvaréis
Nas chaminés e nos olhos-mágicos quebrados,
E numa esquina de corcéis
Uma montaria solitária bafeja, trota e avança.
E a lâmpada suas luzes lança.

Edouard Manet
   II

A manhã toma consciência
Das vertigens do cheiro de cerveja
Que vem da rua de serragem batida
Com as pegadas de todos os pés enlameados
Até as primeiras cafeterias.

Junto dos outros mascarados
É que o tempo recomeça,
Pensa-se que todas essas mãos
São, numa centena de quartos mobiliados,
Emergentes tons sombrios.


     III

Um cobertor da cama agitaste,
Caíste de costas, e aguardaste;
Adormeceste, e observaste a noite que revelava
Um milhar de imagens sórdidas
Do que tua alma foi formada;
Contra o teto eram arremessadas.
E quando todo mundo retornou
E entre as venezianas deslizou a claridade,
E você ouviu os pardais nas calhas da cidade,
Tiveste uma visão da rua
Como se frases por ela fossem compreendidas;
Sentado numa parte da cama, onde
Curvastes papéis que teu cabelo esconde,
Ou agarraste dos pés a amarela sola nua
Nas palmas de ambas as mãos encardidas.



Paul Cézanne
     IV

Pelos céus a alma se estendeu dando pequeninas
Voltas que passam por trás de um muro,
Ou esmagou-a uns pés insistentes
Quando marca quatro e cinco e seis o relógio duro;
E dedos curtos preenchendo os cachimbos,
E os jornais da tarde, e as retinas
Certos de certas certezas,
A consciência de uma rua decadente
Sem paciência para apropriar-se do mundo.

Sou movido por sonhos que se curvaram
Em volta dessas imagens, e prendendo:
A noção de algo infinitamente gentil
Algo infinitamente sofrendo.

Limpe a mão sobre a boca, e ria;
O mundo gira, em órbita, como anciãs
Juntando combustível em espaços vagos.

Trad: Raphael Soares

Se existe um motivo para alguem aprender inglês esse motivo chama-se Thomas Stearns Eliot. A poesia de Eliot é fora do tempo e do espaço. Eliot não é um poeta americano tampouco um poeta britânico, ao mesmo tempo que é ambos. A poética eliotiana se espelha no passado para a compreensão do presente, ao tempo que é em parte profética e/ou reformadora. Mas se há uma coisa magnífica nos poemas desse gênio é decerto a linguagem.

Parece até lugar comum falar de "linguagem do autor", mas quando esse escritor é Eliot isso se torna uma verdade fundamental. Eliot possui uma linguagem bastante "a-poética", sem exageros, sem rebuscamentos, sem belas imagens. A estrutura sintática de Eliot é pouco marcada, direta, quase ao ritmo da fala normal, sua escolha lexical é simples sem rebuscamentos, até mesmo as rimas dos seus poemas quase somem em uma declamação, já que a maior parte delas são compostas em cima de enjambements, e aparentam rimas ocasionais da fala quotidiana.

De acordo com o que foi exposto, minha principal preocupação ao i-traduzir Eliot foi tentar manter essa linguagem mais natural possível, principalmente no nível lexical, e na medida do possível no nível sintático. Lastimavelmente, as rimas algumas vezes me obrigaram a inserir inversões indesejadas. Outras vezes as rimas estavam criando um rítmo que destoava da poética eliotiana, e para evitar isso coloquei algumas rimas "imperfeitas" (como vagos/quebrados ou insistentes/decadente/sem), pois achei assim melhor. Tentei em alguns casos recriar a sonoridade marcada de alguns versos (como Of faint stale smells of beer/From the sawdust-trampled street), embora nem sempre no mesmo lugar (no caso citado: Com as pegadas de todos os pés enlameados/Até as primeiras cafeterias), sempre procurando manter o registro natural e sem rebuscamentos.

Alguns problemas apareceram e não tiveram uma solução satisfatória. Um deles foi "vacant lots", que é aquele pedaço de terra que não possui construções permanentes, ou seja, um terreno baldio, que traduzi para "espaços vagos" no primeiro prelúdio em decorrência da sonoridade com "quebrados", e tive de fazer o mesmo no 4º prelúdio, já que a mesma expressão apareceu novamente. Ainda no primeiro poema, tive de "aumentar" o sentimento de solidão do "cab-horse" (que foi vertido apenas como "montaria") criando uma "rua de corcéis". O pensamento que tive é de que a solidão é ainda mais forte quando não se está sozinho fisicamente, e como precisava de uma rima em "éis" ou "és" criei essa imagem. Não compromete o sentido do poema, mas dá um destaque maior para essa passagem. Tambem acrescentei o "avança", mas é um acrescimo menos problemático.

O segundo poema foi mais simples, e a única modificação importante foi a inversão entre o último e penúltimo versos, que troquei em decorrência da rima e porque não prejudicava o rítmo, além de que é melhor terminar o poema com um predicativo do sujeito do que com um complemento nominal. O terceiro poema me incomodou pelo uso da segunda pessoa. Primeiramente tentei usar o "você", mas não consegui manter por todo o poema e tive de mudar, o que acabou gerando um registro um pouco mais formal do que o do poema em inglês. Aqui em meu estado é comum usar o verbo na segunda pessoa, mas se mistura frequentemente com a terceira, o que não podia reproduzir no poema, então as duas opções (tu ou você) não soariam como quotidianas. Mudei também a posição de uma rima.

E por fim, o quarto poema. Esse foi o poema que mais fiz acréscimos (pequeninas e duro) e mudanças lexicais (relógio, retinas e decadente) em decorrência das rimas. Criei também (não intencionalmente) uma ambiguidade problemática que não existe no texto fonte ("Sem paciencia para apropriar-se do mundo") devido o uso da preposição "para". Mas dois problemas se destacam; o primeiro é a minha ignorância no ultimo verso "Gathering fuel" que verti quase literalmente para "Juntando combustível" (conferi a tradução de Ivan Junqueira que verteu para "juntando lenha", mas ainda achei estranho, de qualquer modo, lenha não deixa de ser um combustível, apesar de ser bem mais corrente em português); o segundo foi a quadra "Sou movido por sonhos que se curvaram/Em volta dessas imagens, e prendendo:/A noção de algo infinitamente gentil/Algo infinitamente sofrendo." que achei de muito mal gosto, quase infantil e que nada condiz com Eliot.

No geral tive bons resultados nos 3 primeiros prelúdios, mas sinto que o 4º deve ser reformulado (ou totalmente refeito). Espero que gostem dos poemas feitos por aquele que é, talvez, o maior poeta de língua inglesa.



Nota adicional (21/05/11): Outra observação que havia me esquecido: no primeiro poema há duas variações de uma palavra (Chuvaráis ~ Chuvaréis), que não são do português padrão culto. Quando traduzi estes versos, escolhi traduzi-los para o "meu" português (ou seja, o português do Pará), apesar de não abusar de expressões regionais. Dizem que no alasca os esquimós têm 10 palavras para descrever os tipos de branco, devido a quantidade de neve; paralelamente, no pará temos ao menos 7 palavras para descrever os tipos de chuva (chuva, chuvisco, toró, chuvaral [~ chuvarel] entre outros), então tomei a liberdade de usar um desses termos em suas duas variações, e acho que Eliot não se importaria. Não sei se esse termo é usado em outras partes do Brasil, mas independentemente, creio que pode ser facilmente entendido.

 Nota adicional (22/05/11): Também havia me esquecido de falar sobre o verso: "Como se frases por ela fossem compreendidas". Não foi um equívoco interpretativo, fiz essa mudança por vontade própria. Queria pegar o "clima" dos versos e do poema, e achei melhor inverter o direcionamento da imagem, e ao invés da visão da rua/como se ela dificilmente compreendesse, preferi dar uma ligação maior entre o observador e observado. Tá legal, tambem tinha que rimar com "encardidas" do último verso, mas não foi só a tirania das rimas que me fez trocar a direção da imagem, mas uma escolha pessoal.

domingo, 15 de maio de 2011

Δωρια - Ezra Pound

Esse poema aqui achei do fundo do baú. Foi o primeiro texto que não-traduzi, em Junho de 2010. Está vertido quase palavra-por-palavra e o resultado final não me agrada muito hoje. Algumas escolhas me parecem estranhas hoje, como usar "negro" (figurativamente) para Bleak e manter o Orcus da mesma forma, já que Orco é feio. De um modo ou de outro, segue o poema.

Δωρια - Ezra Pound

Be in me as the eternal moods
of the bleak wind, and not
As transient things are—
gaiety of flowers.
Have me in the strong loneliness
of sunless cliffs
And of gray waters.
Let the gods speak softly of us
In days hereafter,
the shadowy flowers of Orcus
Remember thee.



Δωρια - Ezra Pound

Ser em mim como o humor eterno
do vento negro, e não
Como as coisas transitórias são
alegrias de flores.
Ter-me na forte solidão
dos precipícios sem sol
e das águas cinzas.
Que os deuses sussurram sobre nós
nos dias que se seguem,
as flores sombrias de Orcus
lembram-se de ti.

Trad: Raphael Soares

terça-feira, 3 de maio de 2011

Ezra Pound - Phanopoeia

Vou deixar a continuação da minha explicação da i-tradução de Shakespeare para depois. Por enquanto mais uma i-tradução:

Phanopoeia

I
ROSE WHITE, YELLOW, SILVER

The swirl of light follows me through the square,
The smoke of incense
Mounts from the four horns of my bed-posts,
The water-jet of gold light bears us up through the ceilings;
Lapped in the gold-coloured flame I descend through the æther.
The silver ball forms in my hand,
It falls and rolls to your feet.

II
SALTUS
The swirling sphere has opened
and you are caught up to the skies,
You are englobed in my sapphire.
Io! Io!

You have perceived the blades of the flame
The flutter of sharp-edged sandals.

The folding and lapping brightness
Has held in the air before you.
You have perceived the leaves of the flame.

III
CONCAVA VALLIS
The wire-like bands of colour involute mount from my fingers;
I have wrapped the wind round your shoulders
And the molten metal of your shoulders
bends into the turn of the wind,

AOI!
The whirling tissue of light
is woven and grows solid beneath us;
The sea-clear sapphire of air, the sea-dark clarity,
stretches both sea-cliff and ocean.



Phanopoeia
I
ROSA BRANCA, AMARELA, PRATEADA

O redemoinho de luz segue-me pela praça
A fumaça de incenso
Sobe pelas quatro pontas dos pilares da minha-cama
O jato-d'água de luz áurea leva-nos através dos limites;
Girou na chama dourada, descendo pelo éter.
A prata esférica na minha mão
Cai e rola a teus pés.

II
SALTUS
A esfera rolando foi aberta
e és arrebatado para o céu,
Estás englobado em minha safira.
Io! Io!

Você percebeu as lãminas de fogo
A vibração das sandálias, lâminas-afiadas.

O brilho dobra e gira
Parou no ar antes de ti.
Você tem percebido as folhas de fogo.

III
CONCAVA VALLIS
O metá-lico adorno da envolvente cor ergue-se de meus dedos;
Envolvi o vento em volta de teus ombros
que curva ante o girar do vento,

AOI!
O turbilhante tecido luminoso
Solidifíca-se e cresce sob nossos pés;
A safira claro-mar de ar, a escuro-mar claridade,
Estende-se a ambos: precipício e oceano.

Trad: Raphael Soares

Não sou um grande leitor de Pound, e dentre os grandes poetas e escritores modernos da primeira metade do século, Pound é o que menos conheço.
Phanopoeia, poema do início da carreira de Pound, procura demonstrar um poema focado na fanopéia, ou seja, nas imagens. As imagens nesse poema se movem, para cima, para baixo, em círculo. O poema não se volta para a sonoridade nem para as ideias intelectuais, mas por esse movimento de imagens.

Dificuldade adicional: frequentemente Pound usa o hífem para separar (wirelike - wire-like) ou unir (sharp edged - sharp-edged) as palavras, e tentei fazer o mesmo, mas o resultado não foi como esperado. A falta de conhecimento do estilo poundiano me atrapalhou muito, o que não me deu muitas oportunidades de "recriação". Apesar disso, dentre os poucos poemas do poeta que conheço, esse é um dos que gosto, apesar de não compreendê-lo. Gosto da ideia do movimento das imagens.

Foi uma tentativa.