Albert Sterner
A temática básica de Erlkönig não foi criada por Goethe. O Erlkönig é um mito tradicional dinamarquês, que falou em língua alemã pela primeira vez através de Johann Gottfried von Herder em seu
Erlkönigs Tochter, que era uma recriação poética do conto dinamarquês. A própria palavra Erlkönig provém desse texto, já que "Erl" não existe na lingua alemã.
As semelhanças entre o texto de Herder e Goethe são muitas (a presença das Irmãs do Erlkönig, a métrica, o desfecho, e etc...). Entretanto, foi o poema de Goethe que foi para o imaginário mundial, e é considerado o texto "oficial" do mito, o que pode ser explicado tanto pela qualidade do poema quanto pelo número de traduções, referência e paródias do texto, o que me leva a crer que Der Erlkönig é um dos textos mais famosos da língua alemã.
De paródias, consigo lembrar três de cabeça: a 1ª de um autor anônimo (Eine Kurzfassung), a 2ª da banda alemã Rammstein (Dalai Lama), e a 3º da banda norueguesa Jackman. O número de referências ao texto são inúmeras, algumas importantes que lembro são: a senhora Erlking em A Segunda Fundação (de Asimov), um romance de Kevin Flinn chamado
Through the Night and Wind, em Dead Beat (de Jim Butcher) há referência à um livro chamado Die Lied Der Erlking [sic], a música Die Schwarzen Reiter da banda E Nomine começa com "Wer reitet so spät durch Nacht und Wind?", no romance Le Roi des Aulnes (de Michel Tournier) o protagonista é identificado como o Erlkönig e em A Volta do Parafuso às referências ao mito são claras.
Falando-se de traduções, Erlkönig foi tão traduzido que não importa quantos nomes coloque a lista nunca vai ser exaustiva. Erlkönig virou centenas de pinturas, foi traduzido para a linguagem cinematográfica ao menos duas vezes (por Raymond Salvatore Harmon e Ben Zelkowicz), virou música nas mãos de Liszt, Spohr, Schubert entre inúmeros outros (confira uma pequena listagem das traduções musicais
aqui e
aqui). Erlkönig justamente ficou imortalizado devido suas inúmeras traduções musicais.
Para a língua inglesa, Der Erlkönig foi traduzido ao menos umas 10 vezes. A primeira tradução para o inglês foi feita pelo escritor Sir Walter Scott, posteriormente outro escritor (Matthew G. Lewis) resolver fazer sua tradução do poema. Mais tarde seguiu-se a tradução de Edgar Alfred Bowring, e no início do século 20 a tradução de Arthur Westbrook. Recentemente temos também a tradução de Natalia MacFarren, A.S. Kline, A.Z.Foreman, Walter Meyer e K.W.Barde. Analisando rapidamente as traduções para o inglês, percebo que a de Lewis é a mais ousada. Não sei se gosto da tradução de Lewis e sua sonoridade (muito aberta, como no primeiro verso: "Who is it that rides through the forest so fast"), mas é interessante como Lewis voluntariamente modifica as ideias e imagens do poema alemão, em contrapartida, não gosto de como Lewis descreve as cenas. A tradução de Sir Walter Scott, a primeira para a língua inglesa, não me agrada nem um pouco. Das traduções mais antigas, a que mais gosto é a de Edgar Alfred Bowring.
Em língua portuguesa, a poesia de Goethe foi traduzida durante um bom período de tempo mas atualmente está quase esquecida. Se por um lado o Fausto, Os Sofrimentos do Jovem Werther, as Correspondências e outros textos de Goethe ainda são bastante editados e traduzidos, sua poesia lírica têm sido marginalizadas ao menos no Brasil. Levando em consideração que não encontro Der Erlkönig no volume de poesia alemã de Geir Campos nem entre as poesias traduzidas de Goethe por Manuel Bandeira ou Ary de Mesquita, acredito que até a minha tradução não havia nenhuma tradução brasileira minimamente "legível". Em portugal há a tradução de Ana Vitorino, e não conheço nenhuma outra.
Há também três outras traduções/traições do poema que são encontradas facilmente na internet (que prova a fama do poema), a primeira de Carlos Bechtinger, a segunda de Ericson Willians e a terceira de um autor desconhecido (primeiros versos: "
Quem cavalga tão depressa através da noite e do vento?/O cavaleiro é um pai com o seu filho;"). Chamo-as de traduções/traições primeiro por serem péssimas poesias (se um bom poema em alemão vira um péssimo poema em português a tradução não é uma boa tradução). A "tradução" de Bechtinger é incômoda por vários motivos, entre eles o uso exagerado de pronomes (
Ele tem o menino bem no braço,/Ele o segura firme, ele o mantém quente), o ritmo de prosa, a não preocupação com aspectos sonoros, além da tradução de
Weiden para pastos, o que apesar de possível, a imagem poética é inequívoca. Ericson Willians percebe que uma tradução literal seria assassinar o poema, portanto, tenta (sem sucesso) aumentar a poeticidade do texto em português, mas o faz apenas acrescentando alguns adjetivos. A tradução de Ericson também peca no português, mas devemos considerar que Ericson é (ou ao menos era ao criar essa tradução) um estudante autodidata de alemão e um não-tradutor (assim como a minha pessoa). Por outro lado, Ericson foi, ao que me consta, o primeiro a ter o bom senso de manter o nome Erlkönig ao invés de traduzir como Rei dos Elfos (como fazem os outros tradutores). A tradução anônima nem ao menos merece ser comentada.
O que é importante perceber é que o senso comum diz que uma tradução mais livre costuma ser "semanticamente mais fiel" (embora a ideia de separar som de sentido na poesia me é bastante estranha) que uma "tradução poética", percebemos que não é bem assim. Exemplos:
Goethe:
„Mein Sohn, mein Sohn, ich seh'es genau:/Es scheinen die alten Weiden so grau."
Ericson Willians:
"Meu filho, meu filho, eu vejo claramente:/Os velhos salgueiros emitem uma trêmula luz cinza"
Bechtinger:
Meu filho, meu filho/eu vejo bem – os pastos parecem tão cinzas.–
Anônimo:
Meu filho, meu filho, o que em torno se passa/É o brilho pardo dos salgueiros velhos.
Ana Vitorino:
Meu filho, meu filho, o que estou a ver:/São velhos salgueiros na sombra a mexer.
Raphael Soares:
„Consigo ver com clareza, filho:/De velhos salgueiros cinzas o brilho.”
J(ulius) of Cleves
Resolvi traduzir o Erlkönig durante a leitura de A Volta do Parafuso de Henry James. Creio que Henry James tinha em mente o Erlkönig ao criar seu livro (acho que Der Sandmann também foi influência para James), e decidi traduzir o poema goethiano durante minha leitura do romance de James. Para compensar minha deficiência da língua alemã, estava munido de dois dicionários de alemão, uma gramática, 10 traduções inglesas, 2 francesas além da música (e partitura) de Schubert (da qual tirei o "metro" e o "clima" do poema).
Traduzir poesia não é algo fácil. Além dos dilemas do texto (como o
"Reihn"), temos todo um padrão de metrificação, de tom e de carga semântica. Para se ter uma ideia, antes de aceitar os dois primeiros versos em sua forma final "
Quem tarde cavalga em noite e vento?/É um velho pai e seu filho atento", várias outras tentativas foram feitas:
Quem tardo cavalga em noite e vento?
-----relento/alento/intento (tentativa não concluida devido à pobreza da rima)
Quem tardo cavalga em vento e breu?
É um pai co'o jovem filho seu (não coube na métrica)
-belo e (idem)
- que vai co'o jovem filho seu (idem)
Quem 'stá, em vento e noite, em andança? (péssimo verso e fora da métrica)
É um pai que tardo vai com sua criança (idem)
Quem pela tormenta vai tão tardo?
É um pai, cavalga co'o filho amado (influência das traduções inglesas, o tardo dá ideia de lentidão, assim como perde-se a ideia do vento e da noite)
Quem é que vai em noite e tornado?
cavalga um pai e seu filho amado (idem, porém a acentuação é menos forçada)
Quem tardo cavalga em noite fria?
É um pobre pai e sua jovem cria (não tinha muito o que fazer e resolvi avacalhar)
--------------------- noite mole
-------------------------- prole (idem)
-----------------------selvagem?
-----margem/paragem/serragem/bagagem (esboço)
Quem cavalga, ao vento, já tão tardo?
É só um pai com o filho amado. (até ficou bom, mas o metro é forçado no primeiro verso, e novamente a ideia de lentidão)
Traduzir poesia tambem implica prestar atenção em pequenas coisas, como a aliteração
bunte Blumen, primeiramente pensada
finas flores, posteriormente vertida para
vivas flores devido a proximidade entre [v] e [f].
Se há algo criticável na minha tradução é o excesso de adjetivos (áurea, eólia, noturno, soturno e etc...) e as inversões incomuns (um exemplo marcante é o verso: "De velhos salgueiros cinzas
o brilho."), mas semanticamente falando, é um poema bem fiel, com apenas duas omissões (
säuselt e
Leids), que a custo tiveram de ser feitas, menos que qualquer outra tradução (mesmo "livre") que conheço.
Interessante observar que, apesar de ser um poema aparentemente simples, o Erlkönig é extremamente polissêmico assim como o A Volta do Parafuso de James. Dentre os que estudam e comentam o poema, muitos indicam a possibilidade de um delírio por parte da criança (por doença ou outro motivo) que já estaria próxima da morte (o que seria indicado pela expressão
so spät -
tão tarde do narrador). Há inúmeras outras análises do poema, e cada parte dele ajuda a corroborar essas interpretações.