sexta-feira, 24 de junho de 2011

Der Doppelgänger - Heinrich Heine

Der Doppelgänger - Heinrich Heine¹

Still ist die Nacht, es ruhen die Gassen,
In diesem Hause wohnte mein Schatz;
Sie hat schon längst die Stadt verlassen,
Doch steht noch das Haus auf demselben Platz.

Da steht auch ein Mensch und starrt in die Höhe
Und ringt die Hände vor Schmerzensgewalt;
Mir graust es, wenn ich sein Antlitz sehe -
Der Mond zeigt mir meine eigne Gestalt.

Du Doppelgänger, du bleicher Geselle!
Was äffst du nach mein Liebesleid,
Das mich gequält auf dieser Stelle
So manche Nacht, in alter Zeit?

¹ O título Der Doppelgänger não é de Heine, mas sim do lied de Schubert (Der Doppelgänger, D.957, n.13). O poema faz parte do Buch der Lieder, seção Die Heimkehr (poema XX).



O Doppelgänger - Heinrich Heine¹

A noite está calma, as ruas tranquilas,
Nesta casa morava o meu rubi;
Foi-se, há muito abandonou a vila²,
Mas a casa ainda permanece aqui.

Também há lá, um homem p’ra o céu voltado
Torcendo as mãos co’o peso da agonia;
Quando sua fronte vejo, fico horrorizado–
No luar minha própria face via.

Tu, Doppelgänger, tu, pálido amigo!
Por quê imitas meu sofrer de amor
Que aqui mesmo muito acabou comigo
E causou-me, em antigos tempos, dor?

Trad: Raphael Soares

¹ Do mesmo modo que preferi manter o nome Erlkönig (ao invés de Rei dos Elfos ou Rei dos Alnos), optei por manter Doppelgänger, que além de ser reconhecido no Brasil com esse nome mesmo (ver Doppelgänger na Wikipédia) uma tradução hiperliteral seria ridícula. Assim como Elkönig, a tradução também foi feita a partir da música.

² No original Schatz [tesouro, jóia] e Stadt [cidade], vertidos como rubi e vila. Importante perceber que não há aliteração entre Sie [z], schon [ʃ] e Stadt [s]. Tentei reproduzir essas aproximações sonoras com as oclusivas t, d e b. Lamentavelmente, as fricativas causam um efeito mais interessante no poema, daí acrescentei também os sons fricativos em Foi-se [f & s] e vila [v].

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Poemas Muito Traduzidos

Recentemente me deparei com uma grande pergunta: Qual é o poema mais traduzido em língua portuguesa?

Como há pouquíssimas pesquisas bibliográficas de poesia no Brasil, difícil saber a resposta, já que não é facil para mim que moro num lugar tão tão distante ter acesso à informações bibliográficas precisas, isso desconsiderando as traduções feitas em periódicos de pouquíssimo alcance. Com os recursos que disponho, procurei na internet mesmo e em meu pequeno (mesmo) acervo. Eis alguns poemas extremamente traduzidos para a nossa língua:

Emily Dickinson - 449 (na numeração de Johnson)
Graças ao site sobre Emily Dickinson da Unesp (link aqui) que contem o maior levantamento sobre Dickinson no Brasil, podemos ver que o poema mais traduzido (não é surpresa) é o "I died for Beauty". Possui, segundo o site, 21 traduções respectivamente de Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Olívia Krähenbühl, Nise Martins Laurindo, Vera das Neves Pedroso, Carolina Matos, Jorge de Sena, Jorge Wanderley, Aíla de Oliveira Gomes, Idelma Ribeiro de Faria, José Lino Grünewald, Helena Alvim Ameno, Zelita Seabra, Isa Mara Lando, Lucia Olinto, Nuno Júdice, Ivo Bender, António Simões, Fernanda Mourão e Augusto de Campos. Aparentemente, o site desconsidera a tradução de Ivo Barroso.
Todas essas traduções podem ser encontradas no site.

Edgar Allan Poe - The Raven
Já falei sobre esse em um post anterior. Possui pouco mais de 30 traduções em português, além de uma série de traduções parciais, paródias, imitações e poemas inspirados. No site do Elson Fróes (link aqui) pode-se ler praticamente todas.

Blake - The Tyger
Esse para mim foi surpresa. Não esperava que esse poema tivesse tantas traduções. Numa pesquisa rápida, pouco exaustiva e com muitas falhas, encontrei 20 traduções do poema. 13 traduções são rimadas e metrificadas (segue o nome do tradutor mais a primeira linha, para fácil consulta):
Alex Raymundo (Tigre! Tigre! chama luminosa)
Augusto de Campos (Tygre! Tygre! Brilho, brasa)
Joedson Adriano (Tygre Tygre, Brilhante brasido)
Jorge Vilhena Mesquita (Tigre! Tigre! flamejando)
Jorge de Sena (Tigre, tigre, ardendo aceso)
José Paulo Paes (Tygre, Tygre, viva chama)
Ivo Barroso (Tigre! Tigre! tocha tesa)
Nagib Anderáos Neto (Tigre, tigre, brilho ardente)
Paulo Hecker Filho (Tigre, tigre, luz que cresta)
Paulo Vizioli (Tigre, tigre, flamante fulgor)
Renato Suttana (Tigre! Tigre! clarão feroz )
Sidnei Schneider (Tigre! Tigre, ardendo grave)
Vasco Graça Moura (Tigre, tigre, chama pura)
Há ainda mais 4 traduções não rimadas ou metrificadas:
Ângelo Monteiro (Tigre, tigre que flamejas)
Cunha e Silva Filho (Tigre! Tigre! luz queimando)
Luiz Felipe Coelho (Tigre! Tigre! brilhando intenso)
Shironaya [pseud] (Tigre, tigre, brilho incandescente)
E mais 3 traduções encontradas na internet sem indicação de autoria, mas provavelmente feitas pelo dono do blog ou perfil (clique para acessar):
(Tigre! Tigre! Luz brilhante)
(Tigre! Tigre! Flamejante brilho)
(Tigre, Tigre, ardendo luminoso)
Ao meu ver, de todas as traduções a melhor é a de Augusto de Campos.

Goethe - Der König in Thule
Apesar de Erlkönig ser, sem dúvida, o poema mais traduzido de Goethe, em português, ao que me parece, o poema mais traduzido é A Canção do Rei de Tule. Segundo a revista Estudos Vol.II há mais de 30 versões portuguesas do poema (das quais eu conheço apenas 7). Acrescente a esses a versão de Marcus Mazzari. Não sei de traduções brasileiras do poema.

Shakespeare - Soneto XXIX
Para a minha surpresa, o soneto mais traduzido de Shakespeare é o de nº 29. Não é o 15º, nem o 18º, nem o 23º nem o 116º, mas o 29º. Traduziram esse soneto no Brasil (em ordem cronológica) Péricles Eugênio Silva Ramos, Samuel Mac Dowell Filho, Ana Amélia Carneiro de Mendonça, Heitor P. Fróes, J.G.de Araújo Jorge, Ivo Barroso, Décio Pignatari e Lázaro Barreto. Além desses, os que traduziram integralmente os sonetos também traduziram o 29º, ou seja: Jerónimo de Aquino, Oscar Mendes, Jorge Wanderley, Marcos Beltrão Frederico, Milton Lins e Thereza Christina Rocque da Motta. Traduções portuguesas temos a de Carlos de Oliveira, Maria do Céu Saraiva Jorge, Ênio Ramalho e Vasco Graça Moura. Totaliza então 18 traduções do poema, isso desconsiderando as traduções de Barbara Heliodora (que provavelmente traduziu esse soneto, mas que não pude conferir), Maria Margarida Acedo (idem) e Renato Marques de Oliveira (que é quase igual a tradução de J.G. de Araújo Jorge).


Também há Baudelaire, que é um dos poetas mais traduzidos no Brasil. Apesar de possuir vários estudos bibliográficos, não tive paciência de contar as traduções do poeta, mas suponho que o poema mais traduzido do poeta seja Correspondences ou L’Homme et la Mer.

Se possível, ajudem a preencher esse vazio, postando poesias que foram traduzidas para o português mais de 20 vezes.


Informação adicionada em 08/09/11:  Guilherme de Almeida traduziu também a Canção do Rei de Tule... posteriormente falo sobre esse poema...

O Poema I Died for Beauty também foi traduzido no Brasil por Adriandos Delima, e pode ser lido aqui. Com isso são 23 traduções que consigo contar.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O Primeiro Soneto de Shakespeare Brasileiro

"Os Sonetos abarcaram no Brasil tardiamente, se comparado às obras dramatúrgicas do bardo inglês, pois as primeiras traduções brasileiras foram produzidas apenas no início da década de 1950, de autoria de Samuel Mac-Dowell Filho e Péricles Eugênio da Silva Ramos." (SILVA, s/d)
Assim começa um artigo de autoria de Gisele Dionísio da Silva. Apesar de não discordar totalmente da pesquisarora, afinal, a grande mania dos sonetos só iniciou-se na segunda metade do século XX tendo atualmente os Sonetos possuem mais de 50 tradutores (alguns traduziram um único soneto, outros todos), todos de 1950 até 2011. Péricles Eugênio e Samuel Mac-Dowell Filho foram os primeiros grande tradutores dos sonetos, sendo que PESR traduziu 4 sonetos em 1950, seguido pela Pequena Sequencia Shakespeariana de Mac-Dowell em 1952, para em fim publicar seus 33 sonetos em 1953.

Entretanto, anteriormente os sonetos já haviam dado as caras no Brasil num livrinho chamado Opalas (2ª ed de 1905) do poeta Fontoura Xavier, um dos precussores do parnasianismo. Fontoura Xavier traduziu 4 sonetos de Shakespeare: XIV (Eu não sei ler a sorte em astrolábios,), XVII (Assim queiram em época futura), XXI (Não sou daqueles que, exaltando aquela) e LIX (Se tudo quanto existe antes tinha existido); os três primeiros em decassílabos e o último em dodecassílabo com censura no meio.

Ao que me consta, Fontoura Xavier foi o primeiro tradutor dos Sonetos (e considerando um soneto como obra completa, o primeiro tradutor de uma obra de Shakespeare, já que precede o Hamleto de Tristão Cunha), e também o único até a publicação dos primeiros sonetos de Péricles Eugênio (XV, LXXI, LII e CXXX).

O procedimento tradutório de Fontoura Xavier é interessante. A tradução faz parte da produção poética do tradutor, e Xavier procura "adaptar" o pensamento e fala do traduzido para a sua poética particular. Ao traduzir Sully Prudhomme por exemplo, transforma "Errante, elle demande aux enfants d'alentour" em "Sei de um louco embalde, incessante, à porfia" mudando o sexo da figura sem motivo explicável (não é plausível o engano de elle, afinal, pelo amor de Deus, quem não sabe que elle é ela e não ele). Traduzindo Shakespeare, Fontoura Xavier não é muito diferente:

SONETO XIV

Eu não sei ler a sorte em astrolábios,
E nem predigo pela astrologia
A fome e a peste como uns tantos sábios,
Mas entretanto sei astronomia.

Um destino qualquer eu não leria;
Se houvesse por ventura o estranho fado
A ler de um rei ou príncipe de estado,
Bofé! que ao certo ler não saberia.

É que em duas estrelas eu resumo
(Teus olhos) toda a minha astronomia;
E tanto leio neles, que presumo

Que foste filha de um cinzel antigo,
E o dia em que morreres, nesse dia
Morre na terra a plástica contigo.

        trad: Fontoura Xavier

Algumas escolhas são marcantes. O maior problema dessa tradução é o mesmo problema que consta em toda a poética de Fontoura Xavier: o verso pouco natural. Na primeira estrofe temos um "astrolábios" que rima com "sábios", "sábios" esse que está em tom notadamente irônico (inexistente no poema em inglês), que é mais próprio da poesia "socialista" (o termo não é meu) de Fontoura Xavier.

Os dois argumentos principais do soneto estão nos versos de nº 12 e 14. No verso nº 12 o poeta tenta convercer o interlocutor a procriar, para que a beleza permaneça, e de certo modo, sabe que não acontecerá, o interlocutor não terá filhos e no verso nº 14 o poeta afirma que quando o interlocutor morrer morre toda a beleza e verdade junto com ele. Fontoura Xavier retira de seu poema o argumento da procriação, substituindo por um "Que foste filha de um cinzel antigo", que é completamente nonsense em relação ao próprio poema traduzido. Não parece ser o caso de um equívoco, já que a presença do "filha" indica que fontoura captou o sentido (já que não existe a palavra "filho" ou "filha" no texto em inglês) mas o modificou (com eficiência questionável).

Outras traduções do mesmo veso em ordem cronológica:

Samuel Mac-Dowell Filho [1952]: "Em conúbbio nativo com o honesto." (???)
Jerónimo de Aquino [1956]: "Se o tesouro que ela é em ti, multiplicares."
Jorge Wanderley [1991]: "Se deres fruto de ti mesmo, um dia."
Marcos Beltrão [1998]: "Se de te guardares só pra ti te convertesses:"
Renata Cordeiro [2003]: "Se a reserva que tens, passares ao herdeiro;"
Milton Lins [2005]: "Se por ti mesmo os bens os converteres?"
Thereza Christina [2009]: "Se de teu próprio ser verteres o teu alento;"
Lázaro Ramos e Jorge Furtado [2010]: "Se tu concederes dar-lhes lastro"

É um verso, de fato, difícil, pois quase todos se confundiram ou alteraram tanto sua forma que seu sentido principal se perdeu. Desconsiderando as escolhas absurdas de Samuel Mac-Dowell Filho e Milton Lins (que são comuns), as traduções em verso livre cometeram erro de interpretação (Marcos Beltrão e Thereza Christina). As demais traduções estão bem de acorddo. Interessante também é a escolha de Ivo Barroso: "Que a verdade e beleza darão frutos/se em ti deixas de tanto reservar-te", essa escolha não pode ser considerada infiel, mas também não é tão direta assim: só sei que se trata da procriação porque li o texto em inglês.

A escolha de Fontoura Xavier para o 12º verso sem dúvida não teve preocupação nenhuma com o texto de origem, e foi opcionalmente feita para retirar a ideia de procriação do poema. No 14º verso, a opção do tradutor é de criar um texto com uma linguagem menos subjetiva, transformando a "beleza" em "plástica", mudança que não me agrada nem um pouco, além da inversão incomum para manter a rima com o 12º verso.

Vejamos outras traduções:


Samuel Mac-Dowell Filho: "Que em teu fim terá fim Kalokagatos." (???)
Jerónimo de Aquino: "Perdida a tua beleza, estarás tu extinto."

Ivo Barroso: "Teu fim põe termo ao verdadeiro e ao belo"
Jorge Wanderley: "Belo e verdade findam com teu fim"

Marcos Beltrão: "Que o teu fim será o término e a catacumba da verdade e da beleza"

Renata Cordeiro: "Com verdade e beleza, encontrarás a morte."
Milton Lins: "A verdade é teu fim como beleza" (???)
Thereza Christina: "Em ti toda a verdade e beleza findam."

Lázaro Ramos e Jorge Furtado: "Tua morte, o belo e o justo finda"

Verso também de difícil compreenção, que fez Renata Cordeiro, Thereza Christina e Jerónimo de Aquino confundirem-se pela inversão. Novamente, as escolhas de Samuel Mac-Dowell e Milton Lins dispensam comentários. Fontoura Xavier acertou o sentido do verso e do poema, mas o plasticizou. Falando do poema como todo, essa tradução é um pouco "forçada", apesar de alguns bons momentos. A modificação voluntária do sentido do poema não é exatamente um defeito, mas uma diferente concepção de tradução (como parte da obra criativa do tradutor). O mesmo faz nos outros sonetos, onde remove ou acrescenta ideias a partir dos ideais do tradutor/autor. No soneto nº XVII por exemplo Fontoura Xavier remove todo o conteúdo do dístico final (com o argumento da procriação e imortalização através do verso) deslocando o conteúdo dos outros versos, criando assim um poema completamente novo:

SONETO XVII

Assim queiram em época futura
Crer nos versos que faço às minhas penas,
E aonde como num sepúlcro apenas
Guardo parte de tua formosura.

Pois se eu dissesse de tu'alma pura
E de teu corpo como os tenho em mente
Diriam: "Qual, este poeta mente,
Nunca existiu tão bela escultura!"

Os meus sonetos amarelecidos
Dormiriam nas eras esquecidas
Até que a crítica os tomasse amiga,

Não para a glória tua ou do poeta
Mas como norma rara ou obsoleta
Dos exageros de uma escola antiga.

        trad: Fontoura Xavier
O mesmo ocorre nos outros dois sonetos traduzidos, assim como em praticamente todas as traduções do escritor.

A obra Opalas de Fontoura Xavier encontra-se em Domínio Público, mas apesar disso, não é fácil de ser adquirida.

E quase ia me esquecendo, eis aqui os dois poemas transcritos em língua inglesa:

SONNET XIV - Shakespeare

Not from the stars do I my judgement pluck;
And yet methinks I have Astronomy,
But not to tell of good or evil luck,
Of plagues, of dearths, or seasons' quality;
Nor can I fortune to brief minutes tell,
Pointing to each his thunder, rain and wind,
Or say with princes if it shall go well
By oft predict that I in heaven find:
But from thine eyes my knowledge I derive,
And, constant stars, in them I read such art
As truth and beauty shall together thrive,
If from thyself, to store thou wouldst convert;
   Or else of thee this I prognosticate:
   Thy end is truth's and beauty's doom and date.
SONNET XVII - Shakespeare

Who will believe my verse in time to come,
If it were filled with your most high deserts?
Though yet heaven knows it is but as a tomb
Which hides your life, and shows not half your parts.
If I could write the beauty of your eyes,
And in fresh numbers number all your graces,
The age to come would say 'This poet lies;
Such heavenly touches ne'er touched earthly faces.'
So should my papers, yellowed with their age,
Be scorned, like old men of less truth than tongue,
And your true rights be termed a poet's rage
And stretched metre of an antique song:
   But were some child of yours alive that time,
   You should live twice, in it, and in my rhyme.

domingo, 12 de junho de 2011

Chamber Music (I) - James Joyce

Vera Kratochvil
CHAMBER MUSIC
 I

Strings in the earth and air
Make music sweet;
Strings by the river where
The willows meet.

There's music along the river
For Love wanders there,
Pale flowers on his mantle,
Dark leaves on his hair.

All softly playing,
With head to the music bent,
And fingers straying
Upon an instrument.

James Joyce



Javier Baño
MÚSICA DE CÂMARA
 I

Cordas no ar e na terra
Juntas doce melodiam;
Cordas onde o rio cerra
E salgueiros se encontrar podiam.

Há música por todo o rio
Para o amor andarilhar,
Flores pálidas a cobrir,
Folhas negras a calhar.

Tudo docemente a tocar,
A cabeça à música pendendo,
E a mão a vadiar
Sobre o belo instrumento.

Trad: Raphael Soares



Joyce é considerado uma das maiores personalidades (e talvez a maior) da literatura do século XX. Sua Magnum Opus é sem dúvida Ulysses, entretanto, outras obras entram no rol de grandes obras do autor, como as Dublinenses e Retrato do Artista Quando Jovem. Iniciou sua carreira literária como poeta, e teve apreço e apoio de outros grandes escritores da época, entre eles Pound e Eliot.

Chamber Music é um texto no mínimo peculiar. O metro curto e a sonoridade marcante são dificuldades para a tradução, mas a maior dificuldade está na mudança de registro, onde arcaísmos e neologismos se misturam em uma linguagem em alguns momentos simplória e erudita em outros. Em minha i-tradução mantive as rimas mas perdi o metro (apesar de manter os versos curtos).

Tentei também traduzir o segundo poema do Chamber Music, mas depois de alguns resultados deveras infelizes, achei até um milagre conseguir i-traduzir o primeiro de forma razoavelmente "legível".

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Alguns apontamentos sobre o Erlkönig de Goethe

Albert Sterner
A temática básica de Erlkönig não foi criada por Goethe. O Erlkönig é um mito tradicional dinamarquês, que falou em língua alemã pela primeira vez através de Johann Gottfried von Herder em seu  Erlkönigs Tochter, que era uma recriação poética do conto dinamarquês. A própria palavra Erlkönig provém desse texto, já que "Erl" não existe na lingua alemã.

As semelhanças entre o texto de Herder e Goethe são muitas (a presença das Irmãs do Erlkönig, a métrica, o desfecho, e etc...). Entretanto, foi o poema de Goethe que foi para o imaginário mundial, e é considerado o texto "oficial" do mito, o que pode ser explicado tanto pela qualidade do poema quanto pelo número de traduções, referência e paródias do texto, o que me leva a crer que Der Erlkönig é um dos textos mais famosos da língua alemã.

De paródias, consigo lembrar três de cabeça: a 1ª de um autor anônimo (Eine Kurzfassung), a 2ª da banda alemã Rammstein (Dalai Lama), e a 3º da banda norueguesa Jackman. O número de referências ao texto são inúmeras, algumas importantes que lembro são: a senhora Erlking em A Segunda Fundação (de Asimov), um romance de Kevin Flinn chamado Through the Night and Wind, em Dead Beat (de Jim Butcher) há referência à um livro chamado Die Lied Der Erlking [sic], a música Die Schwarzen Reiter da banda E Nomine começa com "Wer reitet so spät durch Nacht und Wind?", no romance Le Roi des Aulnes (de Michel Tournier) o protagonista é identificado como o Erlkönig e em A Volta do Parafuso às referências ao mito são claras.

Falando-se de traduções, Erlkönig foi tão traduzido que não importa quantos nomes coloque a lista nunca vai ser exaustiva. Erlkönig virou centenas de pinturas, foi traduzido para a linguagem cinematográfica ao menos duas vezes (por Raymond Salvatore Harmon e Ben Zelkowicz), virou música nas mãos de Liszt, Spohr, Schubert entre inúmeros outros (confira uma pequena listagem das traduções musicais aqui e aqui). Erlkönig justamente ficou imortalizado devido suas inúmeras traduções musicais.

Para a língua inglesa, Der Erlkönig foi traduzido ao menos umas 10 vezes. A primeira tradução para o inglês foi feita pelo escritor Sir Walter Scott, posteriormente outro escritor (Matthew G. Lewis) resolver fazer sua tradução do poema. Mais tarde seguiu-se a tradução de Edgar Alfred Bowring, e no início do século 20 a tradução de Arthur Westbrook. Recentemente temos também a tradução de Natalia MacFarren, A.S. Kline, A.Z.Foreman, Walter Meyer e K.W.Barde. Analisando rapidamente as traduções para o inglês, percebo que a de Lewis é a mais ousada. Não sei se gosto da tradução de Lewis e sua sonoridade (muito aberta, como no primeiro verso: "Who is it that rides through the forest so fast"), mas é interessante como Lewis voluntariamente modifica as ideias e imagens do poema alemão, em contrapartida, não gosto de como Lewis descreve as cenas. A tradução de Sir Walter Scott, a primeira para a língua inglesa, não me agrada nem um pouco. Das traduções mais antigas, a que mais gosto é a de Edgar Alfred Bowring.

Em língua portuguesa, a poesia de Goethe foi traduzida durante um bom período de tempo mas atualmente está quase esquecida. Se por um lado o Fausto, Os Sofrimentos do Jovem Werther, as Correspondências e outros textos de Goethe ainda são bastante editados e traduzidos, sua poesia lírica têm sido marginalizadas ao menos no Brasil. Levando em consideração que não encontro Der Erlkönig no volume de poesia alemã de Geir Campos nem entre as poesias traduzidas de Goethe por Manuel Bandeira ou Ary de Mesquita, acredito que até a minha tradução não havia nenhuma tradução brasileira minimamente "legível". Em portugal há a tradução de Ana Vitorino, e não conheço nenhuma outra.

Há também três outras traduções/traições do poema que são encontradas facilmente na internet (que prova a fama do poema), a primeira de Carlos Bechtinger, a segunda de Ericson Willians e a terceira de um autor desconhecido (primeiros versos: "Quem cavalga tão depressa através da noite e do vento?/O cavaleiro é um pai com o seu filho;"). Chamo-as de traduções/traições primeiro por serem péssimas poesias (se um bom poema em alemão vira um péssimo poema em português a tradução não é uma boa tradução). A "tradução" de Bechtinger é incômoda por vários motivos, entre eles o uso exagerado de pronomes (Ele tem o menino bem no braço,/Ele o segura firme, ele o mantém quente), o ritmo de prosa, a não preocupação com aspectos sonoros, além da tradução de Weiden para pastos, o que apesar de possível, a imagem poética é inequívoca. Ericson Willians percebe que uma tradução literal seria assassinar o poema, portanto, tenta (sem sucesso) aumentar a poeticidade do texto em português, mas o faz apenas acrescentando alguns adjetivos. A tradução de Ericson também peca no português, mas devemos considerar que Ericson é (ou ao menos era ao criar essa tradução) um estudante autodidata de alemão e um não-tradutor (assim como a minha pessoa). Por outro lado, Ericson foi, ao que me consta, o primeiro a ter o bom senso de manter o nome Erlkönig ao invés de traduzir como Rei dos Elfos (como fazem os outros tradutores). A tradução anônima nem ao menos merece ser comentada.

O que é importante perceber é que o senso comum diz que uma tradução mais livre costuma ser "semanticamente mais fiel" (embora a ideia de separar som de sentido na poesia me é bastante estranha) que uma "tradução poética", percebemos que não é bem assim. Exemplos:

Goethe: „Mein Sohn, mein Sohn, ich seh'es genau:/Es scheinen die alten Weiden so grau."
Ericson Willians: "Meu filho, meu filho, eu vejo claramente:/Os velhos salgueiros emitem uma trêmula luz cinza"
Bechtinger: Meu filho, meu filho/eu vejo bem – os pastos parecem tão cinzas.–
Anônimo: Meu filho, meu filho, o que em torno se passa/É o brilho pardo dos salgueiros velhos.
Ana Vitorino: Meu filho, meu filho, o que estou a ver:/São velhos salgueiros na sombra a mexer.
Raphael Soares: „Consigo ver com clareza, filho:/De velhos salgueiros cinzas o brilho.”



J(ulius) of Cleves
Resolvi traduzir o Erlkönig  durante a leitura de A Volta do Parafuso de Henry James. Creio que Henry James tinha em mente o Erlkönig ao criar seu livro (acho que Der Sandmann também foi influência para James), e decidi traduzir o poema goethiano durante minha leitura do romance de James. Para compensar minha deficiência da língua alemã, estava munido de dois dicionários de alemão, uma gramática, 10 traduções inglesas, 2 francesas além da música (e partitura) de Schubert (da qual tirei o "metro" e o "clima" do poema).

Traduzir poesia não é algo fácil. Além dos dilemas do texto (como o "Reihn"), temos todo um padrão de metrificação, de tom e de carga semântica. Para se ter uma ideia, antes de aceitar os dois primeiros versos em sua forma final "Quem tarde cavalga em noite e vento?/É um velho pai e seu filho atento", várias outras tentativas foram feitas:

Quem tardo cavalga em noite e vento?
-----relento/alento/intento (tentativa não concluida devido à pobreza da rima)

Quem tardo cavalga em vento e breu?
É um pai  co'o    jovem filho seu (não coube na métrica)
                -belo e                    (idem)
         - que vai co'o jovem filho seu    (idem)

Quem 'stá, em vento e noite, em andança? (péssimo verso e fora da métrica)
É um pai que tardo vai com sua criança     (idem)

Quem pela tormenta vai tão tardo?
É um pai, cavalga co'o filho amado (influência das traduções inglesas, o tardo dá ideia de lentidão, assim como perde-se a ideia do vento e da noite)

Quem é que vai em noite e tornado?
cavalga um pai e seu filho amado (idem, porém a acentuação é menos forçada)

Quem tardo cavalga em noite fria?
É um pobre pai e sua jovem cria (não tinha muito o que fazer e resolvi avacalhar)
--------------------- noite mole
-------------------------- prole (idem)

-----------------------selvagem?
-----margem/paragem/serragem/bagagem (esboço)

Quem cavalga, ao vento, já tão tardo?
É só um pai com o filho amado. (até ficou bom, mas o metro é forçado no primeiro verso, e novamente a ideia de lentidão)

Traduzir poesia tambem implica prestar atenção em pequenas coisas, como a aliteração bunte Blumen, primeiramente pensada finas flores, posteriormente vertida para vivas flores devido a proximidade entre [v] e [f].

Se há algo criticável na minha tradução é o excesso de adjetivos (áurea, eólia, noturno, soturno e etc...) e as inversões incomuns (um exemplo marcante é o verso: "De velhos salgueiros cinzas o brilho."), mas semanticamente falando, é um poema bem fiel, com apenas duas omissões (säuselt e Leids), que a custo tiveram de ser feitas, menos que qualquer outra tradução (mesmo "livre") que conheço.

Interessante observar que, apesar de ser um poema aparentemente simples, o Erlkönig é extremamente polissêmico assim como o A Volta do Parafuso de James. Dentre os que estudam e comentam o poema, muitos indicam a possibilidade de um delírio por parte da criança (por doença ou outro motivo) que já estaria próxima da morte (o que seria indicado pela expressão so spät - tão tarde do narrador). Há inúmeras outras análises do poema, e cada parte dele ajuda a corroborar essas interpretações.