domingo, 4 de setembro de 2016

Elizabeth Barrett Browning - Aurora Leigh [Fragmento]

A Era Vitoriana na literatura é talvez uma das "escolas" literárias mais difíceis de sistematizar criticamente do ocidente. Seu período é muito extenso (1830-1901), e é definida por um acidente histórico mais que qualquer semelhança puramente estética: começa e termina com o reinado da Rainha Vitória. Na verdade, se tivéssemos de sistematizar de modo sério, teríamos ao menos 4 gerações completamente distintas entre si (e um prólogo).

- A 1ª Geração contendo os Brownings e os Tennysons (Carlyle é importante aqui, mas não escrevendo verso), que iniciaram a escrever no início da década de 30 com Poems Chiefly Lyrical de Tennyson (1830), Prometheus Bound de EBB e Pauline de Browning (1833). Depois do fim do romantismo (com a morte de Byron, em 1824) também foram publicadas algumas obras que se tornaram populares no início do período e são algo entre um romantismo diluído e um anúncio da nova escola, como as obras finais de John Clare, Letitia Landon e Felicia Hemans (e Poems by Two Brothers, dos Tennysons).

- Uma 2ª Geração, sem mais o peso da influência de Wordsworth, que tinham Tennyson ou Browning como seus grandes "mestres" (além de Blake, recém descoberto) que começa a publicar no meio da década de 40. Essa geração se constitui de ao menos duas "escolas" (os Pré-Rafaelitas e os Espasmódicos) que não só não possuem nada em relação uma com a outra. Também é dessa geração Matthew Arnold, que vai ser uma voz dissidente da sua geração.

- Uma 3º "Geração" que começa a publicar a partir das décadas de 60-70 e se torna ativa na década de 80 (exceto por Hopkins, que foi publicado apenas postumamente). Não se pode nem falar de "Geração" propriamente dita porque são poetas com idades muito divergentes Fitzgerald e Edward Lear são tão velhos quanto os Brownings, Hopkins é o mais novo e não publica em vida. Para piorar, não há quase nada que une poetas tão divergentes em escrita como Carol, Hopkins, Blunt e Dowden exceto pelo período em que começaram a escrever e publicar.

- Uma 4º Geração é de escritores nascidos entre 1840-65 que já saltam para a modernidade. Muitos deles sobrevivem ao período e, novamente, são figuras tão distintas quanto Hardy, Housman, Wilde, Michael Field, Mary Coleridge, Kipling e Yeats. Muitos deles lidam com os dilemas morais de sua sociedade, e frequentemente não são mais tratados como vitorianos.

Há pouca coisa que une esses escritores, e quase todas elas os unem à modernidade. Praticamente sem exceção, os poetas vitorianos tem três coisas em comum: a incrível experiência de alteridade (que faz do monólogo dramático a sua mais importante contribuição para a poesia moderna, além do uso de diversas outras formas estruturadas na alteridade), a consciência de sua tardividade (eles vieram "depois" dos românticos e "depois" de outros grandes escritores, e não podem deixar de lidar com esse problema, o que culmina no modernismo de Pound-Eliot) e a percepção de que a poesia não possui mais a "função social" de outrora e está perdendo espaço para o romance (e isso é importante para a escrita de muitos poetas e poetas/romancistas), que é a principal produção vitoriana.

Elizabeth Barrett Browning (nome artístico de solteira: Elizabeth Barrett Barrett, pois se recusava a usar o Barrett Moulton-Barrett) pertence a essa primeira geração de escritores vitorianos. Como Tennyson e seu esposo, Robert Browning, teve um desenvolvimento literário bem lento. Nenhum outro escritor inglês deve ter uma juvenilia tão extensa como Elizabeth. E.B.B. foi sem sombra de dúvidas a poetiza mais popular de seu tempo, tendo influenciado não só uma legião de escritores na Inglaterra como nos E.U.A. também: Poe era devoto da poesia dela e enviara (em 1846) seu volume The Raven and Other Poems (1845) e Tales (1845) com a dedicatória "To Miss Elizabeth Barrett Barrett with the Respects of Edgar A. Poe" (o que é estranho, considerando que Poe era quase um mendigo), além de produzir Reviews sobre as obras da escritora. Emily Dickinson anotou extensivamente um volume de Aurora Leigh, hoje no Amherst College. Apesar da profunda influência que teve durante sua vida, a obra de EBB foi muito negligenciada durante anos, geralmente em detrimento à obra de seu marido, basicamente sendo conhecida dentro e fora do mundo inglês por seu casamento e por uma única coletânea de sonetos, os Sonnets from Portuguese.

O casamento de Elizabeth Barrett e Robert Browning é um patrimônio da literatura inglesa como suas obras. Essa relação tem tanta vida própria que há mais biografias sobre a relação dos dois que sobre muitos grandes poetas ingleses. Em ordem cronológica, há as seguintes biografias, caso alguém se interesse por elas: Anne Thackeray Ritchie (Robert and Elizabeth Barrett Browning, 1892 [em jornal]), Lilian Whiting (The Brownings: Their Life and Art, 1911), Osbert Burdett (The Brownings, 1929), Daniel Karlin (The Courtship of Elizabeth Barrett and Robert Browning, 1985), Julia Markus (Dared and Done, 1996), Frances Winwar (The Immortal Lovers, 2007) e a mais nova, de Mary Sanders Pollock (Elizabeth Barrett and Robert Browning, 2016), que ainda não li. Não apenas biografias tradicionais, como várias obras derivadas já foram feitas sobre esse relacionamento, como a peça de Rudolf Besier (The Barrets of Wimpole Street, 1930), e uma porrada de adaptações cinematográficas para ela, o romance de Virgínia Woolf (Flush, 1933), e as biografias romantizadas para o público geral de Lucille Iremonger (How Do I Love Thee, 1976) e Margaret Forster (Lady's Maid, 1991).

Essa história, por ser tão popular e cheia de adaptações, fica na cabeça do povo cheia de inverdades, então vou tentar traçar uma pequena biografia da vida da poetisa, antes de falar de Aurora Leigh, sua mais ambiciosa obra.



Elizabeth Barrett nasceu em 1806. Seu nome de batismo era Elizabeth Barrett Moulton-Barrett (foi a primeira pessoa da família a ter o Molton na frente, e isso é uma looonga história), porém sempre assinou apenas Barrett Barrett. Seu pai, Edward Barrett, era um grande proprietário de terras e escravos em uma grande área do norte da Jamaica. Aquela época era uma coisa bem louca moralmente: para qualquer inglês a escravidão era algo absolutamente horrendo dentro da Inglaterra, mas de algum modo "do lado de fora" se fechava os olhos. Robert Browning (o pai do poeta, não o próprio) ao ir "tomar" suas propriedades ficou tão horrorizado com a escravidão e causou tantos problemas por tentar ensinar os escravos jamaicanos a ler que decidiu abandonar toda a sua fortuna jamaicana e trabalhar de modo simples num banco, o que causou grandes problemas no relacionamento com o seu pai, Robert Browning (o avô do poeta).

Edward Barrett era uma personalidade enigmática, e não só o maior mistério para seus biógrafos como a figura mais mal avaliada por quem não sabe nada sobre sua vida. Edward Barrett ficara famoso por ser um dos mais gentis senhores de escravo de toda a Jamaica (cuidava de todos os ex-escravos e escravos que não podiam trabalhar mais durante toda a vida, bem como cuidara dos escravos libertados por seu pai, assim como dava folgas quando um de seus filhos nascia, e ele teve 12), e era absolutamente "retrógrado" em matéria familiar: ele era o "senhor" da família até as últimas consequências.

A excentricidade mais conhecida de Edward Barrett era, sem dúvidas, a de não permitir que nenhum de seus filhos casasse. Isso tem de ser frisado: frequentemente as pessoas afirmam ou imaginam que Edward proibia especificamente Elizabeth (como em The Barretts of Wimpole Street) por ciúmes e desejos imorais, ou afirmam (como faz John Milton no posfácio ao Flautista de Manto Malhado de Hamelin) que ele proibia as FILHAS de casar, o que é uma meia-verdade no mínimo desonesta. EBB em carta para Browning põe os termos, que "em casa ninguém, homem ou mulher, pode pensar nessas coisas (affair matrimonial)", e isso nem de longe incomodava de fato a escritora como seus outros irmãos. É verdade que Elizabeth Barrett fora deserdada ao casar e nunca mais pode ver ou falar com o pai, porém seu irmão Alfred sofrera exatamente o mesmo destino sem diferenciações. Se era relativamente comum na sociedade vitoriana da época um pai proibir o casamento das filhas, era uma excentricidade sem tamanho proibir o casamento dos filhos homens igualmente. Julia Markus acredita que isso envolva uma longa questão racial: ele não queria ter um neto negro, e havia uma suspeita entre os Barretts de que possuíam sangue mestiço (Elizabeth sempre fora descrita como "muito marrom" e de "feição escura", e pareceu ficar bem aliviada quando seu filho, Robert "Pen" Browning, nascera "branco como uma nuvem").

O maior problema é a discrepância entre o Edward Barrett dos biógrafos e do imaginário popular. Edward é pensado como um monstro opressor, um crápula e um demônio, enquanto qualquer biógrafo sério tem de lidar com um homem gentil, bom pai, mas irredutível em sua única ordem familiar. Matheus Mavericco (aqui) cita uma anedota para afirmar o como é fácil encontrar por aí um anedotário que "prova" que Edward era um crápula. A anedota refere-se a Edward matar Flush (o cachorrinho da escritora) de raiva após a partida de Elizabeth, o que seria impossível, visto que Flush fora levado na bagagem. Tirando uma única anedota (quando Edward empurra Henrietta contra o chão, após uma discussão) nenhuma anedota que consegui coligir sobre o pai da poetisa é verdadeira. No fim, o que vemos é um homem que deu grande suporte educacional à filha, lia ao pé de sua cama quando ela não conseguia ler (por causa das dores, láudano ou morfina), orava frequentemente com ela, fez questão de incentivar a carreira literária da filha e publicou todos os seus livros até 1844. Independente da nossa visão hoje, EBB sempre o considerou um ótimo pai e uma pessoa boa, embora ao fim da vida tenha se entristecido muito por a recusa dele às tentativas dela de se aproximar (por fim, chegando a conclusão de que só lamentava porque, no fundo, ela o amava mais do que ele). Também é importante mencionar que Edward sabia do relacionamento da filha com o poeta de Bells and Pomegranates, tanto das cartas quanto das visitas, desde sempre... Mas isso é outra conversa, já que a biografia não é do Ed Barroso.

Elizabeth, na juventude, teve uma doença misteriosa, e com a subsequente morte de seu irmão favorito, Edward, ficou profundamente fragilizada e nunca mais se curou do corpo ou da mente. Para aguentar as profundas dores que teve durante a vida inteira, passou a depender de láudano  (e depois de morfina), tornando-se viciada, o que provavelmente causou sua morte. Durante esse período publicou alguns livros de poesia (sempre com suporte moral e financeiro do pai), até que em 1844 publicou o livro Poems, que chamou a atenção do poeta Robert Browning, que incentivado por Kenyon (parente de Elizabeth e ex-colega do pai do escritor) escreveu no dia 10 de Janeiro de 1845 a primeira carta que comporia a coleção de correspondências mais famosa e lida de todas as literaturas. Na carta, o poeta dizia "I love your verses with all my heart [...] and I love you too".

Na verdade, dizer que eles se conheceram através da obra Poems (1844) e dessa correspondência é um tanto incorreto. Browning já havia lido The Seraphim, and Other Poems (1838), e EBB leu e apreciou as obras de Robert Browning quando ajudou a montar uma antologia da nova poesia inglesa, em que elogiava o talento do poeta. Browning não sabia, mas EBB possuía uma foto dele (que escondia quando o poeta ia visitá-la), ao lado de uma de Tennyson acima de sua cama. O período de paquera (alguém tem uma tradução melhor para Courtship?) foi dos mais bizarros já existentes em qualquer era. Para resumir as coisas, é tão cheio de coisas absurdas que se fosse um romance francês teríamos de levantar à voz reclamando da absoluta falta de verossimilhança da narrativa. Há até um Deus Ex Machina digno de Camilo Castelo Branco: Elizabeth deveria ter morrido no inverno de 1846, já que o estado de sua saúde não lhe permitiria sobreviver um inverno rigoroso, aí "Shazan!" disse o Senhor: "Pois não vai ter inverno nessa bagaça", e o que deveria ser o inverno tornou-se milagrosamente uma branda primavera (sim, isso aconteceu de fato... por mais absurdo que pareça).

Os Brownings então casaram-se em segredo em 12 de setembro de 1846, e retornaram para suas casas. Depois partiriam para a Itália, onde o clima era melhor para a saúde de EBB, e onde o custo de vida baixo os permitiria viver sem muitos problemas financeiros. EBB, diferente de seus irmãos, possuía alguns rendimentos o que permitia que ser deserdada pelo pai não fosse financeiramente penoso, mesmo que seu marido, RB, nunca tenha trabalhado na vida e feito qualquer outra coisa que poesia (e seus livros, bom, eles nunca venderam). A saúde dela melhorou muito na Itália, e frequentemente Browning insistia para a esposa que reduzisse a quantidade de morfina. De qualquer modo, os farmacêuticos italianos se assustavam tanto com as dosagens da moça que convenciam ela de que a morfina da Itália era melhor que a da Inglaterra e reduziam a dosagem pela metade. Em 1849 nasce o primeiro filho do casal, Robert Wiedemann Barrett Browning, apelidado de "Pen" (era assim que a criança chamava o próprio nome), e o casal possuía alguma divergência em criar a criança. Em 1850 é publicado o livro Poems, em que aparece pela primeira vez os Sonnets from Portuguese, que já recebeu tradução integral no Brasil, por Leonardo Fróes. A informação de que o livro fora publicado antes, de modo privado entre os amigos do poeta, em 1847 (que vamos ver sendo divulgado aqui [press release] e ali [artigo científico]) é falsa. Na verdade, um livro com essa data existiu, mas é uma falsificação tardia, feita por um erudito desonesto, T. J. Wise, importante e infame entre os críticos dos poetas.

Publica depois Casa Guidi Windows em 1851, Aurora Leigh em 1854, Poems Before Congress em 1860, além de várias reedições aumentadas de Poems e poemas avulsos. Falece em 1861, na Itália, e seu marido publica Last Poems, em 1862. Políticos e personagens importantes da Itália queriam que Browning e seu filho permanecesse na Itália, em honra a EBB, que era tida como a poetiza do Ressorgimento. Browning achou imoral a oferta, mas recusou de modo educado e partiu em seguida para a Inglaterra (e por ironia do destino, o poeta morreria na Itália, embora seu corpo tenha sido movido para a Inglaterra). Após a morte de EBB, a recepção crítica da escritora começa a diminuir, enquanto seu marido começa a ficar mais famoso a partir de Dramatis Personae (1864). O consenso crítico moderno é que seu marido é um poeta superior, e alguns até a chamam de "medíocre com honestidade" (como diz Harold Bloom). Fora do mundo inglês, exceto pelos Sonnets from Portuguese, ela é basicamente conhecida apenas pela sua vida e casamento, e sua obra esquecida. Recentemente, a crítica feminista e socialista tem tentado reviver a valorização crítica da obra da escritora, e embora em muitos pontos eles tenham falhado miseravelmente, o futuro pode ter uma visão diferente de obras como Casa Guidi Windows e Aurora Leigh, por exemplo.

P.S.: Se vos interessar, Robert Browning NÃO chamava Elizabeth Barrett de "minha portuguesinha" ou "Catarina" e ela o chamava de "Camões". Ele sempre a chamou de "Ba" e "Ba" somente. O título do livro foi sugestão de Robert, e é um "como se fosse", intencionalmente ambíguo para evitar uma possível associação biográfica do relacionamento dos dois, que Robert queria manter em privacidade. Parem de repetir essa asneira.


Aurora Leigh foi publicado em 1856 e foi um estrondoso sucesso em seu tempo. O livro esgotou-se em duas semanas, e já estava na 5º edição inglesa em 1860. A primeira edição americana saiu bastante rápido (desculpa, não achei a data) e também fez bastante sucesso, apesar da, ou em decorrência da, ambientação tipicamente inglesa. É um romance bastante ousado para o seu tempo, e toca o dedo na ferida da situação feminina (ou, mais precisamente, as situações femininas) na Inglaterra vitoriana. Apesar do sucesso de vendas, a obra foi não foi exatamente bem recebida, tendo causado muita raiva no meio literário. Edward Fitzgerald (o tradutor dos Rubaiyat de Omar) chegou a comentar o seguinte quando soube da morte da escritora:
A morte da Sra Browning é quase um alívio para mim, tenho de dizer: sem mais Aurora Leighs, graças a Deus! Uma mulher de verdadeiro gênio, eu sei: mas qual o resultado de tudo isso? Ela e o Sexo dela serviriam muito mais na Cozinha e para as Crianças; e talvez aos Pobres: exceto em tais coisas como pequenos Romances, elas somente devotam a si mesmas ao que os Homens fazem muito melhor, deixando de lado aquilo que eles fazem mal ou de todo não fazem
Quando Robert Browning soube desse comentário Fitzgerald já havia morrido, o que deixou o poeta explodindo de raiva, literalmente, mortal. De qualquer modo, não é esse o assunto.

Parte do ultraje que alguns sentiram em relação do poema é explicado pela condição histórica da mulher. Aurora Leigh lida profundamente com a questão feminina, a estupidez do patriarcado e o abuso sofrido pelas mulheres. Como foi dito, a obra é um Romance, não um épico ou outro gênero do verso, porém é construída usando o verso. Foram outros romances, particularmente os de George Sand (que a escritora conheceu pessoalmente) que fazem parte do escopo das influências do livro, e foram o bastante para chocar a sociedade vitoriana de seu tempo. Parte do desfavor crítico que essa grande obra possui se dá decorrente de seu gênero: a leitura de poesia na sociedade moderna tem pouco espaço para poemas longos, e os romances em verso particularmente sofrem ainda mais esse desapreço (embora, venhamos lembrar o sucesso do incrível Autobiography of Red, de Anne Carson, que sonho que um dia me peçam para traduzir, já que por motivos legais não posso fazer por conta própria), já que sofrem a concorrência desleal com o romance em prosa.

O maior problema com o romance em verso está no próprio "verso": o "poema" funciona independente dele. Aurora Leigh é um grande romance, mas não é exatamente boa "poesia" em termos tradicionais de poesia, mas é quase sempre boa prosa. Comparando com Red Cotton Night Cap Country, o único romance em verso de seu marido, vemos que o "romance" de Browning ocasionalmente tem "bom verso", enquanto Aurora Leigh é, de modo bem coeso, boa prosa do início ao fim. As obras, claro, são muito diferentes: Red Cotton é muito mais moderno e experimental, mas nem sempre é bem sucedido como romance e mistura verso bom com horrendo, enquanto Aurora Leigh, embora estruturalmente mais convencional é bem sucedido como um bom romance, e é como romance que deve ser lido.

Agora, o fato de ser romance dificulta a seleção. Ele deve ser lido inteiro, ou suas partes inteiras. Dos três livros que cheguei a ler (o romance é escrito em 9 livros/partes) só encontrei uma passagem que dá para "separar". Na seguinte passagem, Aurora (a narradora) recebe a oferta de casamento de seu primo, Romney Leigh, que tenta a demover de prosseguir na carreira artística/intelectual. Para Romney, não é "coisa de mulher" escrever ou pensar, e que ela deveria fazer algo mais útil como casar e cuidar de uma casa e uma criança. Aurora fica revoltada e recusa abandonar sua atividade criativa, recusando assim o casamento. Após essa passagem, Romney faz uma chantagem, dizendo que por ele ser o herdeiro homem do tio ele ficará com todo o dinheiro e ela não terá nada. Posteriormente o tio morre, Romney oferece dinheiro a Aurora que recusa: ela se tornará uma pensadora, mulher e escritora independente.

Um resumo completo da obra vocês podem ler aqui. Além disso, tem um filme mudo de 1915, que não vi nem vou ver. Por fim, a tradução precisa de muita revisão ainda, mas como eu estou muito tempo sem publicar nada por aqui, vai assim. As pinturas que figuram o Post são todas referentes ao romance, e estão em domínio público.




Aurora Leigh [Fragment] - Elizabeth Barrett Browning
II. 77-115

The smile died out in his eyes
And dropped upon his lips, a cold dead weight,
For just a moment . . 'Here's a book, I found!
No name writ on it–poems, by the form;
Some Greek upon the margin,–lady's Greek,
Without the accents. Read it? Not a word.
I saw at once the thing had witchcraft in't,
Whereof the reading calls up dangerous spirits;
I rather bring it to the witch.'
                         'My book!
You found it.' . .
             'In the hollow by the stream,
That beach leans down into–of which you said,
The Oread in it has a Naiad's heart
And pines for waters.'
                   'Thank you.'
                             'Rather you,
My cousin! that I have seen you not too much
A witch, a poet, scholar, and the rest,
To be a woman also.'
                   With a glance
The smile rose in his eyes again, and touched
The ivy on my forehead, light as air.
I answered gravely, 'Poets needs must be
Or men or women–more's the pity.'
                               'Ah,
But men, and still less women, happily,
Scarce need be poets. Keep to the green wreath,
Since even dreaming of the stone and bronze
Brings headaches, pretty cousin, and defiles
The clean white morning dresses.'
                             'So you judge!
Because I love the beautiful, I must
Love pleasure chiefly, and be overcharged
For ease and whiteness! Well–you know the world.
And only miss your cousin; 'tis not much!–
But learn this: I would rather take my part
With God's Dead, who afford to walk in white
Yet spread His glory, than keep quiet here,
And gather up my feet from even a step,
For fear to soil my gown in so much dust.
I choose to walk at all risks.–Here, if heads
That hold a rhythmic thought, must ache perforce,
For my part, I choose headaches,–and to-day's
My birthday.'
            'Dear Aurora, choose instead
To cure such. You have balsams.'
                            'I perceive!–
The headache is too noble for my sex.
You think the heartache would sound decenter,
Since that's the woman's special, proper ache,
And altogether tolerable, except
To a woman.'

Aurora Leigh [fragmento] - Elizabeth Barrett Browning
II. 77-115

Morreu o sorriso em seus olhos
E sobre os lábios peso morto e frio,
Por um momento .. "Aqui está um livro,
Encontrei! Poemas, pela forma. Sem
Nome e um Grego (de mulher) à margem
Sem os acentos. Lê! Sem mais palavras.
E logo percebi feitiçaria,
Leitura que invoca maus espíritos;
E preferi trazê-lo à bruxa."
            "É meu!
Você o achou" ..
        "No vácuo da corrente,
A praia inclina-se - do que disseste,
O coração da Náiade na Oréade
E pinheiros p'ras águas."
            "Obrigado"
"Prima, eu vejo que tens sido muito:
Bruxa, poeta, erudita e tudo
P'ra ser também mulher."
            Com um olhar
Voltou o seu semblante a sorrir,
Tocou-me a testa leve como o ar.
Grave respondi: "Poetas devem ser
(É triste) ou homens ou mulheres."
                "Ah,
Mas homens, e ainda menos as mulheres,
Felizmente não precisam ser poetas.
Pense na grinalda, sonhar com
Pedra e bronze só traz dor de cabeça,
Prima, e suja a alva veste da manhã."
"Então julgais! Porque amo o belo devo
Amar prazer, e sobrecarregada
Ser da brancura! Bem - sabeis o mundo.
Somente perde a prima: e não é muito! -
Nas saibas disso: é melhor ter parte
Na Morte de Deus, do que andar de branco
(Ainda em sua glória), que ficar quieta,
E reter os meus pés de dar um passo,
Por medo de empoeirar o meu vestido.
Escolho andar com todo o risco. - Aqui
Se dói pensar em rima, escolho as dores
De cabeça, prefiro, - e hoje é o meu
Aniversário"
    "Aurora, escolha logo
Curar-se. Tendes bálsamos."
            "Percebo! -
Tais dores são tão nobres p'ra o meu sexo.
Pensais que as enxaquecas desordenam,
Pois é o especial de uma mulher,
E até é tolerável, exceto para
Uma mulher."
Trad: Raphael Soares

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Landor outra vez, e ele detestava sonetos (5 traduções e outras tranqueiras)


Antes de tudo um alerta: se você não gosta de poesia vitoriana, fique longe deste bloguinho durante um tempo (3 meses, um ano... sei lá), pois é o que tem para as próximas postagens.

Na última postagem que fiz (no fim do ano passado, me desculpem por isso) traduzi e fiz alguns comentários sobre Walter Savage Landor, o poeta que falarei novamente hoje. Já falei sobre ele em duas ocasiões, aqui e aqui, e na postagem passada ficou faltando eu comentar uma série de coisas, e porque não fazer agora?

A primeira delas é que o poema que traduzi anteriormente, Mild is the Parting Year, não era um poema inédito em português. Embora eu não soubesse (desculpa novamente, preguiça de procurar), Matheus Mavericco em seu blog (que recomendo a todos... é muito interessante e ele é bem mais responsável que eu) também traduziu esse poema, de modo e temperamento beeeem distintos da minha tradução, assim como vários dos mais antológicos poemas de Landor e colige algumas traduções feitas por outros, de modo que é de longe o melhor panorama que temos do poeta em português (o que não é, nem de longe, muita coisa). A segunda é que eu acabei mentindo para o Matheus quando ele comentou sobre a minha postagem anterior, e só depois me dei conta de minha mentira: não conheci Landor via Browning, mas via Pound em seu ABC da Literatura, traduzida por José Paulo Paes e Augusto de Campos, que faz um belo comentário sobre o poeta. Claro que, em minha defesa, tenho de dizer que não levei tão à sério a qualidade do autor na época, embora tenha traduzido um poema (o último dessa postagem) dele na ocasião. Apenas depois, com Robert Browning que passei a considerá-lo seriamente como poeta e ler um pouco mais de sua obra, particularmente as Imaginary Conversations e os poemas de Last Fruit, que é também uma obra bem interessante, embora ridiculamente desigual.

Mas hoje não vou falar sobre as melhores obras de Landor: vou falar das piores. Acredito que em 2013-14 me empenhei em dois projetos: traduzir A Shropshire Lad de Housman e uma seleção decente de poemas de Landor. Abandonei porque cheguei à conclusão que nenhum dos dois livros seriam publicados no Brasil. No que toca Landor, não há espaço editorial para um livro com seus poemas, de modo que ele provavelmente viverá sendo publicado em antologias de poetas ingleses. Sad, but true.

Em relação ao estilo do poeta, temos o grande problema de sua classificação didática: ora é tido como romântico, ora vitoriano. No fundo, Landor não pode ser bem classificado nem como uma coisa nem outra. Viveu no período romântico, mas viveu o bastante para conhecer, interagir e ser admirado pelos membros da nova escola, assim como os admirou, mas sem sombra de dúvidas seus versos nunca foram vitorianos, embora os tenha influenciado. O Machado de Assis poeta vive uma situação similar (poucos lembram que nasceu no mesmo ano de Casimiro de Abreu, começou a publicar antes, e influenciou inclusive poetas que lhe são anteriores, como Varela, quando se ocupava da crítica literária, bem como fora 'padrinho' de figuras díspares como Castro Alves e Alberto de Oliveira): a fortuna crítica de ambos os poetas está eivada de erros na tentativa de simplificação e descrição de seu estilo, bem como suas reais influências sobre a poesia de seus respectivos países nunca fora estudada a fundo.

Para a presente postagem, trago uma espécie de antilogia: uma amostra díspar de seu estilo, com poemas voltados à poesia e aos poetas, com uma ligeira desculpa ao final. Começo então com uma tradução que não é minha: a tradução de Augusto de Campos para um poema de Landor, que aparece em Miscelaneous Poems de suas obras completas (embora eu traga o texto como aparece em ABC of Reading), e que foi o primeiro poema que li dele em português e o que vai dar abertura a minha discussão de hoje:



CLXXXIX - Walter Savage Landor

Pode uma jovem ter tamanho acinte,
Em harmonias ter tanto requinte,
A ponto de indagar quando pretendo
Escrever um soneto? Oh, que portento!
Um soneto? Jamais. A rima obseca [sic]
Os italianos, sua prosa seca;
E amontoei já mais de três vintenas
Com sorte, morte, cuor, amor apenas.
Mas por que nós devemos, sem embargo
De haver de tudo um pouco, doce e amargo,
Dize-me, em sã consciência, por que cargas,
Nós que lançamos largas redes na água,
Devemos retalhá-las e antepor
Ao amplo oceano um débil coador?
Ora, se me pedires outra vez
Uma coisa tão fútil e soez,
Juro que pagarás caro esse vezo.
Para mostrar-te todo o meu desprezo,
Primeiro escreverei teu nome em cima,
Depois farei a tinta, rima a rima,
Um monte de sonetos, cada qual
Chamando-te de estrela, lua ou sol,
Até que no sem sal de tal remédio
Todos os menestréis morram de tédio.
Trad: Augusto de Campos
~~~~~~~~~~~~~~~~
Does it become a girl so wise,
So exquisite in harmonies,
To ask me when I do intend
To write a sonnet? What? my friend!
A sonnet? Never. Rhyme o'erflows
Italian, which hath scarcely prose;
And I have larded full three-score
With sorte, morte, cuor, amor.
But why should we, altho' we have
Enough for all things, gay or grave,
Say, on your conscience, why should we
Who draw deep seans along the sea,
Cut them in pieces to beset
The shallows with a cabbage-net?
Now if you ever ask again
A thing so troublesome and vain,
By all you charms! before the morn,
To show my anger and my scorn,
First I will write your name a-top
Them from this very ink shall drop
A score of sonnets; every one
Shall cal you star, or moon, or sun,
Till, swallowing such warm-water verse,
Even sonnet-sippers sicken worse.



A tradução, como pode ser observada, não é exatamente literal a partir da metade do poema, mas consegue, no geral, captar a fluidez no estilo e conservar intacto o humor e a sátira de Landor. O poema, nesse caso é bem claro e é capaz de nos mostrar uma coisa sobre Landor: ele DETESTA sonetos (ainda mais em inglês: "Even sonnet-sippers sicken worse"). Em Mild is the Parting Year e na seleção do Matheus (clique aqui... sério, vá lá ler o blog dele e depois volte... eu aguardo) vemos um Landor de fina lírica, cheia de simplicidade e uma fala direta, embora não sem uma símile ou metáfora genial para abrilhantar o poema (como a relação tempo-vida em Mild is the Parting Year). Mas talvez alguns se perguntem o que Pound teria visto em Landor, e a resposta não se acha em sua lírica, mas em sua sátira. Simples, direta e sem se preocupar com temas "poéticos", Landor também adora xingar seus contemporâneos, como podemos ver nesse outro poema, que também mostra seu ódio contra sonetos:



 Sem título - Walter Savage Landor

O som de flautas preenche a estrada,
O som de flautas faz com que o calor invada
  Mais quente que graus dez;
Dê-nos sonetos, amável Mathias,
Dê-nos sonetos, secos, como se poderias
  Fazer melhor, e esfriaremos de vez.
Trad: Raphael Soares
~~~~~~~~~~~~~~~~
The piper's music fills the street,
The piper's music makes the heat
  Hotter by ten degrees ;
Hand us a sonnet, dear Mathias,
Hand us a sonnet, cool and dry as
  Your very best, and we, shall freeze.'



Esse poema Landor nunca publicou. Está em uma de suas cartas para Rose Paynter, de dezembro de 1838. Ela fala sobre poeta Thomas James Matthias, poeta irrelevante que publicou o livro acima, em tom de zombaria logo após descobrir que o autor de The Pursuits of Literature passara a escrever sonetos. Para além da provocação clara das capacidades do poeta citado, chama atenção os primeiros versos, que são clara imitação de debilidade poética (talvez do próprio citado, ou uma interpretação tortuosa delas... vejo alguma semelhança em versos como "plays I could frame, like Ireland, by the score / Could sing of gardens, yet well pleas'd to see" ou "Lords of the lyre, and fathers of the song,", mas não sou um exato conhecedor da poesia de Matthias) e não se parece em nada o estilo sóbrio de Landor. Talvez algumas leitores não consigam associar esse texto imediatamente a Pound (que talvez não tenha lido esse poema, mas tinha um pouco do "temperamento" de Landor), e por isso eu vou refrescar a memória desses eventuais leitores:



Canção à maneira de Housman - Ezra Pound

O dor, dor,
Pessoas nascem e morrem,
E nós morreremos, logo em breve,
Então vamos agir, como se estivéssemos
Já mortos.

O passarinho pousa no espinheiro
Mas morrerá também, bem altaneiro.
Alguns moços são enforcados, outros alvejados.
Doloroso é o humano agrado.
Dor! Dor, etcetera....

Londres é uma dolorosa praça,
Shrophsire é mais prazerosa.
Lá sorrimos um pequeno espaço
Sobre da natura a mórbida graça.
Oh, dor, dor, dor, etcetera.
Trad: Raphael Soares
~~~~~~~~~~~~~~~~
O woe, woe,
People are born and die,
We also shall be dead pretty soon
Therefore let us act as if we were
dead already.

The bird sits on the hawthorn tree
But he dies also, presently.
Some lads get hung, and some get shot.
Woeful is this human lot.

Woe! woe, etcetera ....

London is a woeful place,
Shropshire is much pleasanter.
Then let us smile a little space
Upon fond nature's morbid grace.

Oh, Woe, woe, woe, etcetera ...


Pois é... Pound também era assim... Embora estejamos falando de um Pound inicial, esse tipo de piada pronta, disfarce estilístico e sátira direta vai estar presente também de modo bem claro nos Cantos. Desnecessário dizer que Pound está sendo bastante injusto com Housman que, embora pareça vazio, é, de longe, um poeta superior.

Mas voltemos a Landor. O poema sobre Matthias e o poema que Augusto de Campos traduziu não são os únicos em que Landor mostra seu ódio aos sonetos. Não! ele faz questão de fazer isso muitas vezes, e para simplificar eu trago aqui um de meus favoritos, que encontro numa velha edição de poemas e cartas inéditas:



O Sonetista - Walter Savage Landor

Soneto é fácil de fazer-se em tom toscano,
E poetas constroem-os como vão andando.
Um jovem professor u'a certa vez chamado
A fazê-lo só respondeu, bem irritado:
"Não guiarei-me ao soneto enquanto eu viver,
Não tenho amante alguma, eu tenho uma mulher.
E se algo acontecer, então a minha Musa
Me salvará do apuro e não haverá recusa.
Fantasia e ternura, eu tenho o suficiente
Para essa ocasião - ela: dificilmente."
Trad: Raphael Soares
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Sonnet is easy in the Tuscan tongue,
And poets drop it as they walk along.
A young professor was invited once
To try his hand, and this was the response
' I never turn'd a sonnet in my life,
I had no mistress, and I have a wife.
If anything should happen, then the Muse
To help me at a pinch might not refuse.
Fancy and tenderness, I have enough
For that occasion — but she is so tough.'



Eu juro que esse poema é engraçado se a piada é entendida de primeira. Ou eu estou acostumado a rir de piadas bobas, sei lá.

Mas apesar de todo o ódio, toda raiva contra o soneto, Landor escreveu sonetos. Aliás, um dos seus poemas mais famosos é um soneto, embora um em versos brancos (Keats já os escrevera em inglês meio século antes), que é o poema que Landor escreveu para homenagear Robert Browning:



Para Robert Browning - Walter Savage Landor
Há prazer no cantar, não ouvirás nenhum
Para além do cantor, e há também o prazer
Na louvação, e tu, que louvas fica imóvel,
Só e vê a quem louvas longe, muito acima.
Shakespeare nosso poeta não é, mas do mundo,
Por isso, nele não há voz! e é breve a ti,
Browning! pois desde Chaucer vivo e vigoroso,
Ninguém andou por nossas ruas co'este passo
Tão ativo, ou olhar tão arguto, ou língua
Com discurso tão vário. E em clima tão mais brando
Nos dê mais clara pluma, e mais robusta asa:
Brincaste co'as Alpinas brisas, e então
Levou-os por Sorrento e Amalfi, onde a Sereia
Está a esperar por ti, cantando uma canção.
Trad: Raphael Soares
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There is delight in singing, thou none hear
Beside the singer; and there is delight
In praising, thou the praiser sit alone
And see the praised far off him, far above.
Shakspeare is not our poet, but the world’s,
Therefore on him no speech! and brief for thee,
Browning! Since Chaucer was alive and hale,
No man hath walkt along our roads with step
So active, so inquiring eye, or tongue
So varied in discourse. But warmer climes
Give brighter plumage, stronger wing: the breeze
Of Alpine highths thou playest with, borne on
Beyond Sorrento and Amalfi, where
The Siren waits thee, singing song for song.



Como já foi dito, a vida de Landor foi longa. Viveu entre 1775-1864, de modo que é apenas 3 anos mais novo que Coleridge e pôde viver até a glória dos grandes vitorianos Tennyson (foi laureado em 1850, In Memorian é de 1849, Enoch Arden e outros é de 1862, e os Idílios publicados em vários anos) e Browning (Men and Women é de 1855, Dramatis Personae é de 1864, o ano da morte de Landor). Influenciou e conviveu ativamente com todas as personalidades importantes de sua época, embora, como semi-romântico que era, sempre foi tido como excêntrico. Certa vez convidou Tennyson para um banquete em sua casa com um poema:




Sem título - Walter Savage Landor
Te imploro, Tennyson, se for do agrado,
Compartilhe minha perna de veado.
Também tenho u'a garrafa de clarete,
Melhor tomado quando há bem mais gente.
Eu sei que é uma garrafinha apenas,
Tenho no fundo adega bem pequena.
Tão certo quanto faço meus versinhos
De um Rudesheimer tenho um pouquinho.
Venha; de todo o homem, mal ou bom,
Qual é mais bem vindo que Alfred Tennyson?
Trad: Raphael Soares
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I entreat you, Alfred Tennyson,
Come and share my haunch of venison.
I have too a bin of claret,
Good, but better when you share it.
Tho' 'tis only a small bin,
There's a stock of it within.
And as sure as I'm a rhymer,
Half a butt of Rudesheimer.
Come; among the sons of men is one
Welcomer than Alfred Tennyson?



Admito que é uma tradução bem porca essa... Também não consigo captar o humor bizonho das rimas em esdrúxulas com o nome Tennyson (venison, e mais patentemente em men is one, que anuncia as rimas browningianas como went trickle/ventricle, por exemplo) que tentei reproduzir com uma intencional forçação aguda (Tennysón). O mais engraçado é que, dizem os biógrafos de Landor, Tennyson fora à casa do poeta junto de Oscar Wilde e outras figuras, e Landor não parava de falar de literatura, até que em um momento (quando saíra para buscar um livro) um dos convidados caiu e quebrou uma perna. O próprio Tennyson relata o que acontecera depois: Landor retorna com um livro de Catulo e passa a comentar sobre determinado poema como se nada houvesse acontecido, o que choca a todos.

Enfim, foi uma postagem longa e cheio de inutilidades e poemetos semi-obscuros. Despeço-me, para que a viagem não fique de todo perdida para o leitor, com uma tradução minha do poema mais famoso de Landor (vocês já leram o Blog do Mavericco, né? Pois é, há outras traduções do mesmo poema lá), Rose Aylmer (na verdade, o poema não tem título... mas sabe como são esses antologistas, né?). Diferente de muita gente, não acho nem de longe um dos melhores versos do Poeta... aliás, nem gosto tanto do poema, mas ninguém jamais vai tirar seu status antológico.



Rose Aylmer - Walter Savage Landor
Ah, que vale essa tal régia raça,
    Ah, forma do próprio Deus!
Mas quanta virtude, quanta graça!
    Rose Aylmer, tudo isso é teu.
Rose Aylmer, estes olhos despertos
    Podem chorar, não os verá,
Noites de memórias e ais, decerto,
    Irei a ti consagrar.
Trad: Raphael Soares
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Ah what avails the sceptred race,
    Ah what the form divine!
What every virtue, every grace!
    Rose Aylmer, all were thine.
Rose Aylmer, whom these wakeful eyes
    May weep, but never see,
A night of memories and of sighs
    I consecrate to thee.