quinta-feira, 19 de maio de 2016

Landor outra vez, e ele detestava sonetos (5 traduções e outras tranqueiras)


Antes de tudo um alerta: se você não gosta de poesia vitoriana, fique longe deste bloguinho durante um tempo (3 meses, um ano... sei lá), pois é o que tem para as próximas postagens.

Na última postagem que fiz (no fim do ano passado, me desculpem por isso) traduzi e fiz alguns comentários sobre Walter Savage Landor, o poeta que falarei novamente hoje. Já falei sobre ele em duas ocasiões, aqui e aqui, e na postagem passada ficou faltando eu comentar uma série de coisas, e porque não fazer agora?

A primeira delas é que o poema que traduzi anteriormente, Mild is the Parting Year, não era um poema inédito em português. Embora eu não soubesse (desculpa novamente, preguiça de procurar), Matheus Mavericco em seu blog (que recomendo a todos... é muito interessante e ele é bem mais responsável que eu) também traduziu esse poema, de modo e temperamento beeeem distintos da minha tradução, assim como vários dos mais antológicos poemas de Landor e colige algumas traduções feitas por outros, de modo que é de longe o melhor panorama que temos do poeta em português (o que não é, nem de longe, muita coisa). A segunda é que eu acabei mentindo para o Matheus quando ele comentou sobre a minha postagem anterior, e só depois me dei conta de minha mentira: não conheci Landor via Browning, mas via Pound em seu ABC da Literatura, traduzida por José Paulo Paes e Augusto de Campos, que faz um belo comentário sobre o poeta. Claro que, em minha defesa, tenho de dizer que não levei tão à sério a qualidade do autor na época, embora tenha traduzido um poema (o último dessa postagem) dele na ocasião. Apenas depois, com Robert Browning que passei a considerá-lo seriamente como poeta e ler um pouco mais de sua obra, particularmente as Imaginary Conversations e os poemas de Last Fruit, que é também uma obra bem interessante, embora ridiculamente desigual.

Mas hoje não vou falar sobre as melhores obras de Landor: vou falar das piores. Acredito que em 2013-14 me empenhei em dois projetos: traduzir A Shropshire Lad de Housman e uma seleção decente de poemas de Landor. Abandonei porque cheguei à conclusão que nenhum dos dois livros seriam publicados no Brasil. No que toca Landor, não há espaço editorial para um livro com seus poemas, de modo que ele provavelmente viverá sendo publicado em antologias de poetas ingleses. Sad, but true.

Em relação ao estilo do poeta, temos o grande problema de sua classificação didática: ora é tido como romântico, ora vitoriano. No fundo, Landor não pode ser bem classificado nem como uma coisa nem outra. Viveu no período romântico, mas viveu o bastante para conhecer, interagir e ser admirado pelos membros da nova escola, assim como os admirou, mas sem sombra de dúvidas seus versos nunca foram vitorianos, embora os tenha influenciado. O Machado de Assis poeta vive uma situação similar (poucos lembram que nasceu no mesmo ano de Casimiro de Abreu, começou a publicar antes, e influenciou inclusive poetas que lhe são anteriores, como Varela, quando se ocupava da crítica literária, bem como fora 'padrinho' de figuras díspares como Castro Alves e Alberto de Oliveira): a fortuna crítica de ambos os poetas está eivada de erros na tentativa de simplificação e descrição de seu estilo, bem como suas reais influências sobre a poesia de seus respectivos países nunca fora estudada a fundo.

Para a presente postagem, trago uma espécie de antilogia: uma amostra díspar de seu estilo, com poemas voltados à poesia e aos poetas, com uma ligeira desculpa ao final. Começo então com uma tradução que não é minha: a tradução de Augusto de Campos para um poema de Landor, que aparece em Miscelaneous Poems de suas obras completas (embora eu traga o texto como aparece em ABC of Reading), e que foi o primeiro poema que li dele em português e o que vai dar abertura a minha discussão de hoje:



CLXXXIX - Walter Savage Landor

Pode uma jovem ter tamanho acinte,
Em harmonias ter tanto requinte,
A ponto de indagar quando pretendo
Escrever um soneto? Oh, que portento!
Um soneto? Jamais. A rima obseca [sic]
Os italianos, sua prosa seca;
E amontoei já mais de três vintenas
Com sorte, morte, cuor, amor apenas.
Mas por que nós devemos, sem embargo
De haver de tudo um pouco, doce e amargo,
Dize-me, em sã consciência, por que cargas,
Nós que lançamos largas redes na água,
Devemos retalhá-las e antepor
Ao amplo oceano um débil coador?
Ora, se me pedires outra vez
Uma coisa tão fútil e soez,
Juro que pagarás caro esse vezo.
Para mostrar-te todo o meu desprezo,
Primeiro escreverei teu nome em cima,
Depois farei a tinta, rima a rima,
Um monte de sonetos, cada qual
Chamando-te de estrela, lua ou sol,
Até que no sem sal de tal remédio
Todos os menestréis morram de tédio.
Trad: Augusto de Campos
~~~~~~~~~~~~~~~~
Does it become a girl so wise,
So exquisite in harmonies,
To ask me when I do intend
To write a sonnet? What? my friend!
A sonnet? Never. Rhyme o'erflows
Italian, which hath scarcely prose;
And I have larded full three-score
With sorte, morte, cuor, amor.
But why should we, altho' we have
Enough for all things, gay or grave,
Say, on your conscience, why should we
Who draw deep seans along the sea,
Cut them in pieces to beset
The shallows with a cabbage-net?
Now if you ever ask again
A thing so troublesome and vain,
By all you charms! before the morn,
To show my anger and my scorn,
First I will write your name a-top
Them from this very ink shall drop
A score of sonnets; every one
Shall cal you star, or moon, or sun,
Till, swallowing such warm-water verse,
Even sonnet-sippers sicken worse.



A tradução, como pode ser observada, não é exatamente literal a partir da metade do poema, mas consegue, no geral, captar a fluidez no estilo e conservar intacto o humor e a sátira de Landor. O poema, nesse caso é bem claro e é capaz de nos mostrar uma coisa sobre Landor: ele DETESTA sonetos (ainda mais em inglês: "Even sonnet-sippers sicken worse"). Em Mild is the Parting Year e na seleção do Matheus (clique aqui... sério, vá lá ler o blog dele e depois volte... eu aguardo) vemos um Landor de fina lírica, cheia de simplicidade e uma fala direta, embora não sem uma símile ou metáfora genial para abrilhantar o poema (como a relação tempo-vida em Mild is the Parting Year). Mas talvez alguns se perguntem o que Pound teria visto em Landor, e a resposta não se acha em sua lírica, mas em sua sátira. Simples, direta e sem se preocupar com temas "poéticos", Landor também adora xingar seus contemporâneos, como podemos ver nesse outro poema, que também mostra seu ódio contra sonetos:



 Sem título - Walter Savage Landor

O som de flautas preenche a estrada,
O som de flautas faz com que o calor invada
  Mais quente que graus dez;
Dê-nos sonetos, amável Mathias,
Dê-nos sonetos, secos, como se poderias
  Fazer melhor, e esfriaremos de vez.
Trad: Raphael Soares
~~~~~~~~~~~~~~~~
The piper's music fills the street,
The piper's music makes the heat
  Hotter by ten degrees ;
Hand us a sonnet, dear Mathias,
Hand us a sonnet, cool and dry as
  Your very best, and we, shall freeze.'



Esse poema Landor nunca publicou. Está em uma de suas cartas para Rose Paynter, de dezembro de 1838. Ela fala sobre poeta Thomas James Matthias, poeta irrelevante que publicou o livro acima, em tom de zombaria logo após descobrir que o autor de The Pursuits of Literature passara a escrever sonetos. Para além da provocação clara das capacidades do poeta citado, chama atenção os primeiros versos, que são clara imitação de debilidade poética (talvez do próprio citado, ou uma interpretação tortuosa delas... vejo alguma semelhança em versos como "plays I could frame, like Ireland, by the score / Could sing of gardens, yet well pleas'd to see" ou "Lords of the lyre, and fathers of the song,", mas não sou um exato conhecedor da poesia de Matthias) e não se parece em nada o estilo sóbrio de Landor. Talvez algumas leitores não consigam associar esse texto imediatamente a Pound (que talvez não tenha lido esse poema, mas tinha um pouco do "temperamento" de Landor), e por isso eu vou refrescar a memória desses eventuais leitores:



Canção à maneira de Housman - Ezra Pound

O dor, dor,
Pessoas nascem e morrem,
E nós morreremos, logo em breve,
Então vamos agir, como se estivéssemos
Já mortos.

O passarinho pousa no espinheiro
Mas morrerá também, bem altaneiro.
Alguns moços são enforcados, outros alvejados.
Doloroso é o humano agrado.
Dor! Dor, etcetera....

Londres é uma dolorosa praça,
Shrophsire é mais prazerosa.
Lá sorrimos um pequeno espaço
Sobre da natura a mórbida graça.
Oh, dor, dor, dor, etcetera.
Trad: Raphael Soares
~~~~~~~~~~~~~~~~
O woe, woe,
People are born and die,
We also shall be dead pretty soon
Therefore let us act as if we were
dead already.

The bird sits on the hawthorn tree
But he dies also, presently.
Some lads get hung, and some get shot.
Woeful is this human lot.

Woe! woe, etcetera ....

London is a woeful place,
Shropshire is much pleasanter.
Then let us smile a little space
Upon fond nature's morbid grace.

Oh, Woe, woe, woe, etcetera ...


Pois é... Pound também era assim... Embora estejamos falando de um Pound inicial, esse tipo de piada pronta, disfarce estilístico e sátira direta vai estar presente também de modo bem claro nos Cantos. Desnecessário dizer que Pound está sendo bastante injusto com Housman que, embora pareça vazio, é, de longe, um poeta superior.

Mas voltemos a Landor. O poema sobre Matthias e o poema que Augusto de Campos traduziu não são os únicos em que Landor mostra seu ódio aos sonetos. Não! ele faz questão de fazer isso muitas vezes, e para simplificar eu trago aqui um de meus favoritos, que encontro numa velha edição de poemas e cartas inéditas:



O Sonetista - Walter Savage Landor

Soneto é fácil de fazer-se em tom toscano,
E poetas constroem-os como vão andando.
Um jovem professor u'a certa vez chamado
A fazê-lo só respondeu, bem irritado:
"Não guiarei-me ao soneto enquanto eu viver,
Não tenho amante alguma, eu tenho uma mulher.
E se algo acontecer, então a minha Musa
Me salvará do apuro e não haverá recusa.
Fantasia e ternura, eu tenho o suficiente
Para essa ocasião - ela: dificilmente."
Trad: Raphael Soares
~~~~~~~~~~~~~~~~
Sonnet is easy in the Tuscan tongue,
And poets drop it as they walk along.
A young professor was invited once
To try his hand, and this was the response
' I never turn'd a sonnet in my life,
I had no mistress, and I have a wife.
If anything should happen, then the Muse
To help me at a pinch might not refuse.
Fancy and tenderness, I have enough
For that occasion — but she is so tough.'



Eu juro que esse poema é engraçado se a piada é entendida de primeira. Ou eu estou acostumado a rir de piadas bobas, sei lá.

Mas apesar de todo o ódio, toda raiva contra o soneto, Landor escreveu sonetos. Aliás, um dos seus poemas mais famosos é um soneto, embora um em versos brancos (Keats já os escrevera em inglês meio século antes), que é o poema que Landor escreveu para homenagear Robert Browning:



Para Robert Browning - Walter Savage Landor
Há prazer no cantar, não ouvirás nenhum
Para além do cantor, e há também o prazer
Na louvação, e tu, que louvas fica imóvel,
Só e vê a quem louvas longe, muito acima.
Shakespeare nosso poeta não é, mas do mundo,
Por isso, nele não há voz! e é breve a ti,
Browning! pois desde Chaucer vivo e vigoroso,
Ninguém andou por nossas ruas co'este passo
Tão ativo, ou olhar tão arguto, ou língua
Com discurso tão vário. E em clima tão mais brando
Nos dê mais clara pluma, e mais robusta asa:
Brincaste co'as Alpinas brisas, e então
Levou-os por Sorrento e Amalfi, onde a Sereia
Está a esperar por ti, cantando uma canção.
Trad: Raphael Soares
~~~~~~~~~~~~~~~~
There is delight in singing, thou none hear
Beside the singer; and there is delight
In praising, thou the praiser sit alone
And see the praised far off him, far above.
Shakspeare is not our poet, but the world’s,
Therefore on him no speech! and brief for thee,
Browning! Since Chaucer was alive and hale,
No man hath walkt along our roads with step
So active, so inquiring eye, or tongue
So varied in discourse. But warmer climes
Give brighter plumage, stronger wing: the breeze
Of Alpine highths thou playest with, borne on
Beyond Sorrento and Amalfi, where
The Siren waits thee, singing song for song.



Como já foi dito, a vida de Landor foi longa. Viveu entre 1775-1864, de modo que é apenas 3 anos mais novo que Coleridge e pôde viver até a glória dos grandes vitorianos Tennyson (foi laureado em 1850, In Memorian é de 1849, Enoch Arden e outros é de 1862, e os Idílios publicados em vários anos) e Browning (Men and Women é de 1855, Dramatis Personae é de 1864, o ano da morte de Landor). Influenciou e conviveu ativamente com todas as personalidades importantes de sua época, embora, como semi-romântico que era, sempre foi tido como excêntrico. Certa vez convidou Tennyson para um banquete em sua casa com um poema:




Sem título - Walter Savage Landor
Te imploro, Tennyson, se for do agrado,
Compartilhe minha perna de veado.
Também tenho u'a garrafa de clarete,
Melhor tomado quando há bem mais gente.
Eu sei que é uma garrafinha apenas,
Tenho no fundo adega bem pequena.
Tão certo quanto faço meus versinhos
De um Rudesheimer tenho um pouquinho.
Venha; de todo o homem, mal ou bom,
Qual é mais bem vindo que Alfred Tennyson?
Trad: Raphael Soares
~~~~~~~~~~~~~~~~
I entreat you, Alfred Tennyson,
Come and share my haunch of venison.
I have too a bin of claret,
Good, but better when you share it.
Tho' 'tis only a small bin,
There's a stock of it within.
And as sure as I'm a rhymer,
Half a butt of Rudesheimer.
Come; among the sons of men is one
Welcomer than Alfred Tennyson?



Admito que é uma tradução bem porca essa... Também não consigo captar o humor bizonho das rimas em esdrúxulas com o nome Tennyson (venison, e mais patentemente em men is one, que anuncia as rimas browningianas como went trickle/ventricle, por exemplo) que tentei reproduzir com uma intencional forçação aguda (Tennysón). O mais engraçado é que, dizem os biógrafos de Landor, Tennyson fora à casa do poeta junto de Oscar Wilde e outras figuras, e Landor não parava de falar de literatura, até que em um momento (quando saíra para buscar um livro) um dos convidados caiu e quebrou uma perna. O próprio Tennyson relata o que acontecera depois: Landor retorna com um livro de Catulo e passa a comentar sobre determinado poema como se nada houvesse acontecido, o que choca a todos.

Enfim, foi uma postagem longa e cheio de inutilidades e poemetos semi-obscuros. Despeço-me, para que a viagem não fique de todo perdida para o leitor, com uma tradução minha do poema mais famoso de Landor (vocês já leram o Blog do Mavericco, né? Pois é, há outras traduções do mesmo poema lá), Rose Aylmer (na verdade, o poema não tem título... mas sabe como são esses antologistas, né?). Diferente de muita gente, não acho nem de longe um dos melhores versos do Poeta... aliás, nem gosto tanto do poema, mas ninguém jamais vai tirar seu status antológico.



Rose Aylmer - Walter Savage Landor
Ah, que vale essa tal régia raça,
    Ah, forma do próprio Deus!
Mas quanta virtude, quanta graça!
    Rose Aylmer, tudo isso é teu.
Rose Aylmer, estes olhos despertos
    Podem chorar, não os verá,
Noites de memórias e ais, decerto,
    Irei a ti consagrar.
Trad: Raphael Soares
~~~~~~~~~~~~~~~~
Ah what avails the sceptred race,
    Ah what the form divine!
What every virtue, every grace!
    Rose Aylmer, all were thine.
Rose Aylmer, whom these wakeful eyes
    May weep, but never see,
A night of memories and of sighs
    I consecrate to thee.