Nossa tradição literária vem desde a era Neoclássica ou Árcade, com Tenreiro Aranha, nascido na cidade de Barcelos na província do Grão-Pará (hoje Amazonas) e passou sua vida em Belém. Desde então possuimos uma tradição riquissima de escritores como o Bruno Seabra (notável em seu tempo, hoje quase desconhecido), Inglês de Sousa (segundo alguns o legítimo fundador do naturalismo no Brasil) e José Veríssimo (que além de um dos primeiros críticos literários dessa terra foi também contista) no fim do século passado. Isso sem contar os notáveis deste século, que são tão numerosos que citar seria complicado, alguns mais conhecidos outros menos.
Entretanto, a prática da tradução neste estado não tem sido muito grande, ou ao menos não tem tido muito reconhecimento. Aí vou apresentar nesses quadros alguns tradutores de poesia nascidos ou criados no Pará. A primeira postagem recebe o número II porque, indiretamente, já foi postado um outro tradutor paraense anteriormente. Para conferir a postagem clique aqui.
Oswaldo Orico foi um dos poetas notáveis do século passado. Desde muito novo recebeu destaque nas letras regionais, assumindo uma vaga na Academia Paraense de Letras. Pertenceu a um grupo de poetas que exaltavam sua região e que ironicamente se radicaram no rio, grupo esse que pertenceu Peregrino Júnior e Eneida de Morais. No rio recebeu muito destaque literário ao ponto de assumir a cadeira fundada por Rui Barbosa da ABL. Fora sua participação em diversas outras academias. Escreveu inúmeros livros em prosa e verso.
Recentemente descobri que Oswaldo Orico também traduziu alguns versos, já que encontrei em um volume uma versão sua para o célebre soneto de Arvers, o Soneto Imitado do Italiano. Já fiz uma tradução dele aqui, onde pode conferir a tradução e o texto original.
SONETO - FELIX ARVERS
Guardo um segredo n'alma; existe em minha vida
Um mistério; este amor que não pude evitar.
Jamais lhe revelei esta paixão proibida.
Que para um mal sem cura o remédio é calar.
Andarei por aí, como sombra perdida,
Sem que imagine que a seu lado vim pousar,
E, que assim ficarei para o resto da vida,
Sem lhe pedir sequer a graça dum olhar;
Ela, que é toda amor e que é toda ternura,
Há de ser sempre a mesma insensível criatura
Indiferente à voz que vibra, onde ela está.
Escrava do dever, que a torna tão feliz,
Ainda dirá, lendo estes versos que lhe fiz:
"Que mulher será esta?" E não compreenderá.
Trad: Oswaldo Orico
O primeiro a se falar é que há mais de 100 traduções desse soneto, e a do Oswaldo Orico não é das melhores, contudo, não entra também entre as piores. Apresenta dezenas de problemas, e os mais gritantes talvez seja com o abuso de rimas verbais em "ar", e para piorar nos tercetos aparece mais uma rima verbal em "á". Isso desconsiderando o "dever que a torna feliz", e o paradoxo de ela ser "toda amor e toda ternura" ao mesmo tempo de ser "insensível criatura". O mal gosto do quinto e sexto versos não precisa nem de comentário. O alexandrino foi um pouco destruido, além do ritmo do poema e do acréscimo de enjambement no primeiro verso. Enfim, mas não é das piores, e talvez seja até melhor que a minha, que tem problemas sérios na rima em "ou".
Além de tradutor, Oswaldo Orico foi poeta bilíngue, e um poeta razoavelmente notável. Sinceramente acho que há na nossa terra outros melhores e talvez mais dignos, mas não desmereço a poesia de Orico. Para que não julguem o poeta por essa tradução, fecho o artigo com uma poesia do próprio:
O FERREIRO - Oswaldo Orico
Nunca pude esquecê-lo. Forte e belo,
aos olhos da saudade ele retorna,
desferindo, com o peso do martelo,
as sonoras pancadas na bigorna.
E quando, levantando as mãos, trabalha,
vejo no seu trabalho matutino
o aço corar de medo, na fornalha,
e o ferro obedecer como um menino.
E, na forja, o carvão, áspero e bruto,
soprando por um hálito possante,
trocar a negra túnica de luto
por fugitivas chispas de diamante.
Ao pé do fogo, olhando-te altaneiro,
uma pequena testemunha havia
que te ajudava, ó velho e bom ferreiro,
a ganhar o teu pão de cada dia.
Hoje são mudos a bigorna e o malho,
o ferro não tem sopro nem tem brilho,
mas a vontade santa do trabalho
canta na alma e no sangue de teu filho.
Chama de amor, humílima e opulenta,
vindo com ela, vou para onde vai.
É a têmpera da luz que me alimenta
e que eu trago da forja de meu pai.
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