sábado, 6 de dezembro de 2014

Anne Finch, Countess of Winchilsea - The Introduction

Tenho de primeiramente pedir desculpas pela minha ausência. Uma série de fatores externos (e alguns não tão externos assim) me impediram ou dificultaram de postar no blog mensalmente, e fiquei quatro meses afastado do blog. Entre esses fatores os mais importante foram a sequência de viagens a Curitiba com o objetivo de fazer a seleção para o Mestrado em Letras na UFPR (em que fui aprovado, para ser orientado pelo tradutor de Joyce, o profº Dr. Caetano Waldrigues Galindo), e meus problemas com a minha operadora de internet que, Claro, não direi qual é. Apesar de tudo, quero compensar o tempo ausente postando, ao menos 5 postagens neste mês para compensar os demais, então isso vai ficar um pouco mais movimentado nos últimos tempos. Procurarei fazer mais comentários sobre traduções também, além de traduções novas: estou devendo um comentário sobre a opção entre os decassílabos e dodecassílabos para verter o pentâmetro jâmbico inglês, um sobre forma e conteúdo em traduções, um comentário sobre a tradução anterior e etc... Nas próximas postagens também planejo fazer alguns comentários sobre a Eneida de Virgílio em Português, então não percam os capítulos dos próximos episódios.

Hoje, trago um poema de Anne Finch, a Condessa de Winchilsea (1661-1720). A simples data já seria uma boa justificativa para traduzi-la: há no Brasil uma carência generalizada de poetas e poesias do século XVII. Temos as últimas obras de Shakespeare, mas ele é um poeta que pertence ao século anterior, e alguma coisa de Donne e Ben Johson muito esparsamente. Do centro do século temos apenas Milton, e muito mal, apesar de novas traduções de Paraíso Perdido e uma recente, e única, tradução de Paraíso Reconquistado feita a quatro mãos. Mas o que dizer dos outros grandes nomes do período? Robert Herrick, George Herbert, Samuel Butler, John Wilmot, Andrew Marvel e até mesmo John Dryden? Pouco se tem em português desses autores (e, para falar a verdade, pouco se lê dos autores de língua portuguesa do mesmo período), exceto uma ou outra pequena antologia ou publicados esparsamente num jornal ou revista. Para piorar, mesmo buscando em vários tomos sobre literatura inglesa e cânones de autores (como Pound, Bloom e outros maníacos por listinhas) nunca havia ouvido falar de Anne Finch até me deparar com o ensaio UM TETO TODO SEU, de Virgínia Woolf. A condessa de Winchilsea parece realmente um daqueles casos assustadores de descaso completo. Bastando olhar de relance o poema que ora apresento, The Introduction, para notar o quão forte é a expressão de uma mulher poetisa do século XVII, e de modo que nunca fora dito anteriormente. Se a poetisa tem seus defeitos e seus excessos, muito talvez seja os defeitos e excessos que nós imputamos aos escritores do período (e que talvez sejam os defeitos e faltas de nós mesmos), e que não são melhores em um escritor do sexo masculino como Marvel, Rochester ou Dryden. Se dela temos uma obra menor, boa parte é devido a ela ser mulher, e portanto possuir menos possibilidades para publicar e imortalizar-se com sua obra. Mas se ela apresenta grandes qualidades, muitas delas são justamente pelas mesmas razões, como poderá ser visto no poema que se segue.

The Introduction foi escrita provavelmente no início da carreira poética de Anne Finch (muito provavelmente em torno do início da década de 90), para um livro de poemas que a escritora imaginava escrever (como também indica o próprio poema). O livro nunca veio à luz, porque seria escrito por uma mulher, mas a autora permitiu que um livro de versos seus fosse publicado anonimamente em 1713. The Introduction, no entanto só foi publicado em 1903. O poema é uma espécie de introdução quase desculpa (típica de alguns escritores de várias épocas), mas chama atenção a noção que a autora tem em relação a ser uma escritora do gênero feminino, as dificuldades, julgamentos e a ética que permeia esse fato. Não consigo pensar em nenhum poema anterior a este que contenha notas de amargura, ironia e percepção da condição feminina. Creio ser melhor o próprio poema defender-se sozinho. O texto utilizado é o da 5ª Edição da Norton Anthology of Poetry (2005), e apresento o poema em duas traduções (que espero poder discutir melhor as diferenças entre elas em outra ocasião), de modo similar ao que fiz com o Soneto XIV de Shakespeare: uma versão em decassílabos e uma em dodecassílabos, em ambos os casos mantendo o mesmo número de versos e as rimas nas mesmas posições (algumas vezes de modo imperfeito). Notar que o último verso é um hexâmetro, por isso vertido igualmente nas duas versões.

The Introduction - Anne Finch, Countess of Winchilsea

Did I, my lines intend for public view,
How many censures, would their faults pursue,
Some would, because such words they do affect,
Cry they're insipid, empty, incorrect.
And many have attained, dull and untaught,
The name of wit only by finding fault.
True judges might condemn their want of wit,
And all might say, they're by a woman writ.
Alas! a woman that attempts the pen,
Such an intruder on the rights of men,
Such a presumptuous creature, is esteemed,
The fault can by no virtue be redeemed.
They tell us we mistake our sex and way;
Good breeding, fashion, dancing, dressing, play
Are the accomplishments we should desire;
To write, or read, or think, or to inquire
Would cloud our beauty, and exhaust our time,
And interrupt the conquests of our prime;
Whilst the dull manage of a servile house
Is held by some our outmost art, and use.
Sure 'twas not ever thus, nor are we told
Fables, of women that excelled of old;
To whom, by the diffusive hand of Heaven
Some share of wit, and poetry was given.
On that glad day, on which the Ark returned,
The holy pledge, for which the land had mourned,
The joyful tribes, attend it on the way,
The Levites do the sacred charge convey,
Whilst various instruments, before it play;
Here, holy virgins in the concert join
The louder notes, to soften, and refine,
And with alternate verse complete the hymn divine.
Lo! the young Poet, after God's own heart,
By Him inspired, and taught the Muses' art,
Returned from conquest, a bright chorus meets,
That sing his slain ten thousand in the streets.
In such loud numbers they his acts declare,
Proclaim the wonders of his early war,
That Saul upon the vast applause does frown,
And feels its mighty thunder shake the crown.
What, can the threatened judgment now prolong?
Half of the kingdom is already gone;
The fairest half, whose influence guides the rest,
Have David's empire o'er their hearts confessed.
A woman here, leads fainting Israel on,
She fights, she wins, she triumphs with a song,
Devout, majestic, for the subject fit,
And far above her arms, exalts her wit;
Then, to the peaceful, shady palm withdraws,
And rules the rescued nation, with her laws.
How are we fall'n, fall'n by mistaken rules?
And education's, more than nature's fools,
Debarred from all improvements of the mind,
And to be dull, expected and designed;
And if some one would soar above the rest,
With warmer fancy, and ambitions pressed,
So strong th'opposing faction still appears,
The hopes to thrive can ne'er outweigh the fears,
Be cautioned then my Muse, and still retired;
Nor be despised, aiming to be admired;
Conscious of wants, still with contracted wing,
To some few friends, and to thy sorrows sing;
For groves of laurel thou wert never meant;
Be dark enough thy shades, and be thou there content.




A Introdução - Anne Finch, Countess of Winchilsea

Fiz eu tais linhas para a vista pública,
Quantas faltas, censuras, tem tal rúbrica,
Um "seria", com letra afetarão,
Choram pois é vazia, incorreção.
E quantos o alcançaram, tolo e ingrato,
O nome do saber por achar falta.
Talvez julguem sua falta de saber,
Todos dirão: escrito por mulher.
Oh dó! uma mulher que tenta a pena,
Intrusa ao ofício de homem ela tenta,
Presunçosa criatura, estimada,
Por virtude alguma a falta é perdoada.
Dizem-nos que erramos sexo e caminho;
Boa de dançar, procriar, tocar pianinho
São tudo o que devemos desejar;
Ler, escrever, pensar, investigar
Nossa beleza turva, tempo gasta,
E interrompem as conquistas da casta;
Co'o débil comando de um lar servil
É, para alguns, nossa maior arte, util.
Nem mesmo assim, contar não nos compete
Fábulas, de umas que em velhice excedem;
A quem, por divisível mão dos Céus
Teve o saber e a poesia deu.
Que dia alegre, a Arca retornou,
Penhor sagrado, e a terra então chorou,
Tribos alegres, cuidam no caminho,
Levitas sacra carga tem certinho,
Antes tocaram seus instrumentinhos;
As virgens santas 'stão a concertar
Sonoras notas, mansas, refinar,
E com alternado verso o hino encerrar.
Veja! poeta, do cerne do Senhor,
Por ele instado em Musa a arte expor,
Retorna da conquista, e o coro aclara,
E canta os dez mil mortos pela estrada.
Em tais altivos números se encerra,
Proclamam as maravilhas de sua guerra,
Que Saul com vasto aplauso enfureceu,
Sentiu que a coroa o trovão venceu.
O quê? pode a pena então prolongar?
Metade do reinado findo está;
Melhor metade, que serve de guia,
O império de David confessaria.
Mulher, lidera Israel com distinção,
Lutou, venceu, triunfou com uma canção,
Devota, para isso que nasceu,
E sua armada exalta seu saber;
Então, pacífica, sua palma vela,
E a regra faz nação, com as leis dela.
E agora caímos por regras erradas?
Tolice de educação originada
Barrado das melhorias da mente,
Designado agir tão debilmente;
E se uma só se eleva sobre o resto,
Com morna fantasia e sem cabresto,
Irão aparecer contra fatores,
A esperança é mais fraca que os temores,
Cativa, a minha musa, aposentada;
Visa a admiração, não desprezada;
Consciente das vontades, contrai as asas,
A alguns poucos amigos, dor cantada;
Da láurea o gozo nunca saborear;
Se encobrir de tua treva, e irás te contentar.

Trad: Raphael Soares



Venus Attired by the Graces, de Anne Finch. Óleo sobre tela
A Introdução - Anne Finch, Countess of Winchilsea

Fiz meus versos querendo que o público veja,
Quantos censuram pelas faltas que sobeja,
Iriam porque em tais palavras afeta,
Choram: vazias, insípidas, incorretas.
E quantos alcançaram, tolo e incontado,
O nome do saber achando apenas falta.
Talvez condenem o seu senso de saber,
Assim todos dirão: escrito por mulher.
Oh dó! uma mulher que é à pena afeita,
Como intrusa ao que é do homem direito,
Como presunçosa criatura, estimada,
A falta por virtude não será perdoada.
Dizem-nos que erramos nosso sexo e caminho;
Boas de vestir, dançar, procriar, tocar pianinho
São toda coisa que devemos desejar;
Porém ler, escrever, pensar, investigar
Enevoam a beleza, nosso tempo irrompe,
E as conquistas do nosso sexo interrompem;
Co'o débil comando de uma casa servil
É tido por alguns nossa maior arte, util.
Nem mesmo assim, contar não nos compete
Fábulas, de umas que em velhice excedem;
A quem, que pela divisível mão dos Céus
Compartilhou saber e a poesia deu.
E nesse alegre dia em que a Arca retornou,
Sagrado compromisso, e a terra então chorou,
Tribos em alegria, cuidam no caminho,
Levitas tem a sacra carga transmitindo,
Antes de tocar seus vários instrumentinhos
Aqui as virgens santas juntam-se em concerto
Sonoras notas, mansas, a se aperfeiçoar,
E com alternado verso o divino hino encerrar.
Vê! jovem poeta após o coração de Deus,
Expôs a arte da Musa que Ele quem deu,
Retorna da conquista, e o ilustre coro aclara,
E os dez mil que morreram canta pela estrada.
Em números tão altos seus atos se encerram,
Proclamam as maravilhas das primeiras guerras,
Que Saul sob vasto aplauso reprovou,
Sentiu que seu trovão a coroa balançou.
O quê? o julgamento pode prolongar?
Metade do reinado acabado já está;
Melhor metade, que serve de guia ao resto,
O império de David confessa sobre o peito.
Uma mulher, lidera Israel com distinção,
Ela lutou, venceu, triunfou co' uma canção,
Devota, majestosa, feita p'ra isto ser,
De longe sua armada exalta seu saber;
Então, pacífica, a incerta palma vela,
E as regras salvam a nação, com as leis dela.
Como caímos? caímos por regras erradas?
Tolice de educação, e só, originada
Barrada de todos os avanços da mente,
Designada e esperado agir tão debilmente;
E se uma só surge pairando sobre o resto,
Com morna fantasia e querer sem cabresto,
Aparecerão contra ela fortes fatores,
A esperança jamais supera os temores,
Cativa, a minha musa, ainda aposentada;
Visa a admiração, e não ser desprezada;
Consciente das vontades, co'asas apertadas,
A alguns poucos amigos, a dor é cantada;
Para os campos da láurea nunca existirás;
Se encobrir de tua treva, e irás te contentar.

Trad: Raphael Soares

2 comentários:

  1. Que excelente surpresa! Preciso comentar mais no seu blog, embora eu leia tudo o que você posta. Essa postagem, por um motivo que não sei precisar, me passou batido, mas, escrevendo um ensaio sobre poesia feminina (ainda em andamento), me vi na necessidade de traduzir um trecho do poema que você traduziu. Aí chego e vejo isso!

    Minha tradução havia ficado:

    Mas ah! Que uma mulher queira escrever
    Os homens veem como intrometer,
    E logo é tida como presunçosa
    E dona de uma falta indecorosa.
    Dizem: "se esqueceu qual o seu lugar?
    A moda, a dança, cozinhar, passar...
    Coisas de mulher são coisas assim.
    Ler, escrever, pensar: isso é ruim
    Para sua beleza, é exaustivo
    E fere os privilégios de que vivo!"
    (Enquanto a escravidão do lar é tida
    Como o mais alto objetivo da vida.)

    Mas não tenho ânimo de traduzir o resto todo hehe

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  2. Também costumo ler o seu blog com frequência, particularmente suas traduções (por algum motivo sinistro, traduzes muitos autores que traduzi ou ensaiei traduzir também), e também não tenho muito tempo de comentar. Anne Finch se apresentou a mim justamente num ensaio de poesia feminina, e apesar de minha natural ojeriza a obras de "ismos" (meus critérios de valorizar a arte não tem a ideologia, per se, em alta conta, embora não a despreze), não pude deixar de ver os grandes méritos dessa obra. Fico aguardando o ensaio.

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