Elizabeth Browning, busto em mármore por William Wetmore Store, 1864. Todas as imagens foram extraídas de The Browning's Correspondence.
From Sonnets from the Portuguese, XVIII - Elizabeth Barrett Browning
I never gave a lock of hair away
To a man, Dearest, except this to thee,
Which now upon my fingers thoughtfully,
I ring out to the full brown lengh and say
'Take it.' My day of youth went yesterday;
My hair no longer bounds to my foot's glee,
Nor plant I it from rose or myrtle-tree,
As girls do, any more: it only may
Now shade on two pale cheeks the mark of tears,
Taught drooping from the head that hangs aside
Through sorrow's trick. I thought the funeral-shears
Would take this first, but love is justified,—
Take it thou,— finding pure, from all those years,
The kiss my mother left here when she died.
De Sonnets from the Portuguese, XVIII - Elizabeth Barrett Browning
De meus cabelos nunca dei um fio
A homem algum, como os que dou-te, Amado,
Castanho comprimento com cuidado
Enrolo agora aos dedos e te digo,
"Tomai". Minha juventude já partiu;
Não mais destacam os pés meus contentados,
Nem rosa ou mirto neles são plantados
Como em meninas, não, não mais. Os viu
Cobrir bochechas pálidas, chorosas,
Instruídos a cair para esconder
As marcas da tristeza. Temerosa
Achei que morta iriam os colher;
Se justifica o amor,—Tomai,...Virtuosas
Desde o beijo da mãe, dado ao morrer.
Trad: Raphael Soares
Belinha, 1861, Roma. Fotografia de D'Alessandri.
O soneto XVIII sempre esteve entre um dos mais populares da Belinha, ficando atrás em popularidade apenas em relação ao XLIII (How do I love thee, let me count the ways), XXXIII (Yes, call me by my pet-name! let me hear) e o XIV (If thou must love me, let it be for nought). O soneto tecnicamente faz par com o soneto seguinte, o XIX (The soul’s Rialto hath its merchandize), o que curiosamente algumas pessoas deixam escapar. Os poemas tratam da troca de mechas de cabelo entre a Belinha e o Bob (como referência, cartas 2110 [23, Novembro, 1845], 2111[24, Novembro, 1845], 2112 [24, Novembro, 1845]... Como já mencionado, todas as cartas podem ser encontradas na Browning's Correspondence), que do ponto de vista biográfico e da narrativa epistolar é um pequeno drama a parte. A prática dar mechas de cabelo de presente era comum no período, e os Brownings deram para e receberam de muitos de seus amigos como memorabilia literária (Browning possuia mechas de seu herói, Shelley, dadas a ele por Leigh Hunt), mas antes do casamento Elizabeth decide não "dar" ao poeta a mecha do seu cabelo, e já havia rejeitado fazer o mesmo para outros escritores, como Horne. A despeito da relutância em "dar", Elizabeth decide pela "troca", num modelo que ao mesmo tempo seria comercial e anti-comercial, aos moldes da Charis helênica. Por isso o soneto XVIII trata do ato de entrega, e é complementado pelo XIX, o da troca, formando um importante par na coleção.
A despeito da imensa popularidade que o soneto gozou do público leitor em todo a recepção da obra da Belinha, desde a publicação dos Sonnets em 1850 (o soneto está presente em virtualmente todas as antologias de versos da Belinha, e em várias antologias de sonetos de diversos autores), a recepção crítica do soneto tem flutuado, e ironicamente a razão pelo desapreço do poema em dada geração é exatamente a mesma razão pela qual a outra o reverenciava: a marcada presença do fenômeno biográfico na presença do poema. Por conta disso, as leituras do poema se distinguiram em duas vertentes: a biográfica e a simbólica (psicológica ou política), e nesse poema particularmente acredito que a síntese é ideal porque nela a força do poema se revela, que é a mesma força de suas grandes obras, Casa Guidi Windows e Aurora Leigh, de que falei na parte anterior.
A leitura tradicional (biográfica) é tão óbvia que, sendo levada à ingenuidade (como foi durante todo o período Vitoriano), chega a ser maçante. Belinha está pronta a entregar a mecha de cabelo para Bolinho, a despeito do receio de nunca ter dado a nenhum outro homem (I never gave a lock of hair away/To a man), Belinha lembra diversas vezes que não é mais uma jovenzinha, lembrando ao poeta não apenas que não tem as fantasias amorosas juvenis, como também não tem a beleza delas (os Sonnets deixam bem claro a consciência que Belinha tinha de que não era, sob qualquer padrão que conhecia, bonita), tem uma face cansada e os cabelos não ficam ao chão como de uma criança brincalhona, mas escondem o sofrimento da doença. Também é fato biográfico, que é observado nos retratos, que Belinha usa os cabelos para esconder parte do rosto (ao lado dos olhos, parte das bochechas), marcadas pela expressão de dor da doença e do tratamento (morfina prejudica a pele). O infortúnio da Belinha a fez simplesmente considerar que nunca encontraria um parceiro (fellow-poet/fellow-lover... nos Sonnets há muita interposição e confusão entre a figura do Lover e do Poet, e em alguns casos elas são distintas, de modo que essa linguagem é das mais interessantes na coleção), e apenas após a morte seus cabelos seriam retirados do corpo, para servir de memorial àqueles que a velassem (costume vitoriano... após a morte muitas mechas dos Brownings foram cortadas também; o cabelo de Shelley que Browning possuía também fora retirado do cadáver, não do poeta vivo). Mas o amor justifica tudo, e Belinha dá ao futuro marido (dentro da tradicional narrativa dos Sonnets, que demonstrei ser anacrônica por tomar como garantido coisas que ocorreram mas estavam longe da certeza na época) os cabelos, que só foram abençoados pelo beijo da mãe antes da morte prematura (presumivelmente para que Browning conceda a nova bênção com seu próprio beijo... também nessa vertente a mãe abençoa o casamento dos dois, mas isso já é muita forçação de barra). A "narrativa" é simples e direta, e todos aqueles interessados na vida e no desenvolvimento do casal vão achá-la bonita por si só. Contudo, antes mesmo da reviravolta crítica que tentou expurgar a biografia da leitura das obras literárias, alguns problemas já vinham sendo notados, mas o mais grave é a constatação de que, "se a 'narrativa' é a parte que 'vale' do soneto, ela é a mesma das cartas e das biografias sobre os poetas, então a diferença seria unicamente estilística", e logo um prosador talentoso como Percy Lubbock chegaria à conclusão de que estilisticamente as cartas são superiores (o que concordo no geral, e outros críticos como Karlin também), e se as cartas substituem toda a narrativa do poema (que o crítico já toma como demasiadamente trivial para importar profundamente), o poema não é de grande valor e até é de mal gosto. Nas palavras de Percy Lubbock (1906, p.126)
Outro incidente da época seria muito íntimo, muito brando em sua trivialidade, até mesmo como mera referência, se não formasse o assunto dos dois menos felizes dentre os "Sonnets from the Portuguese".[...] Eles descrevem, com incômoda falta de distinção, a troca perene de uma "mecha de cabelo"-um evento que, no tempo e lugar real, deve se investir com todo o romance e beleza da mais virginal era do mundo, mas que certamente exige, se tiver de ser traduzida em verso, o exercício da discrição consumada, muito além dos sonetos em questão. Deve ser falta de tato aludir ao episódio de todo modo; mas o faço com o objetivo de induzir qualquer leitor dos sonetos que precise ser induzido a voltar-se para as cartas, onde o evento é tratado não como literatura, mas como uma questão vital do momento.
É uma crítica muito dura, mas não desprovida de certa razão lógica. Lubbock também é um crítico sóbrio e brilhante, de modo que não podemos simplesmente ignorá-lo sem razão. E no fundo o crítico está certo: se o Sonnet XVIII (e XIX) é belo exclusivamente pela sua história, por mais que a história seja bela não passa de uma constituição vaga e indiscreta, e o momento é muito melhor recuperado em toda a sua trama e complexidade nas cartas.
A crítica de Lubbock não matou a popularidade do soneto como um dos belos da língua, para o leitor comum, mas a nova vertente crítica que sucedeu ao estudo de Lubbock e que condenaria toda leitura biográfica de obra literária, auxiliou no oblívio crítico do poema para os leitores especializados, de modo que a despeito da popularidade entre os comuns, poucos críticos tentaram produzir uma nova leitura. No entanto, duas tendências de ler os poemas foram sendo mais ou menos elaboradas, tentando ignorar ou deixar de lado os eventos biográficos. A primeira leitura, especificamente desse poema, de matiz psicológica, que vê os elementos de sensualidade e sexualidade no poema e apontam para o cabelo como simbologia de entrega sexual, com a profunda implicação da perda da virgindade; a segunda leitura, de cunho feminista, lê o poema e o seguinte na esfera da constituição da economia do amor, e numa política feminista que põe a ação feminina em contrapartida, constituindo uma esfera de igualdade de poder entre os sexos.
Nesse poema em particular, é excepcional o fato de que não tenho nada contra a primeira leitura. Na verdade, chega a ser assustador o como ela não surgiu antes, o que pode ser fenômeno de resquício puritano. Vemos mesmo no Lubbock que parte do incômodo que ele sente com o poema é a "falta de discrição" do momento que deveria ser "beleza da mais virginal era do mundo". Lubbock deve ter sentido que há aqui algo de fortemente sensual no poema, e é fácil notar. Tomar o cabelo como símbolo de virgindade é muito simples, pois os cabelos eram "puros/virtuosos" desde o momento do beijo da mãe, e nunca foram violados antes. Elizabeth é clara em relação ao problema, que é dar a um "homem". A imagem da jovem virginal é extremamente sensual também, e a rosa e o mirto plantada nos cabelos das jovens são duas plantas que normalmente simbolizam o amor do carnal e espiritual respectivamente. As jovens com os cabelos aos pés (o que Elizabeth não é mais) é notavelmente outro símbolo erótico, e nesse caso nem precisaríamos buscar em outro lugar que não a própria obra da Belinha:
My loose long hair began to burn and creep,
Alive to the very ends, about my knees:
I swept it backward as the wind sweeps flame,
With the passion of my hands.
Meu cabelo tão solto e longo queimou
Caindo até o final, sobre os joelhos:
Joguei p'ra trás qual vento, volve a chama,
Com a paixão em mãos. (Aurora Leigh, 5)
Os longos e soltos cabelos são relacionados diretamente à paixão sensual, à chama. O tipo de paixão, chama e desejo que a Belinha, por não ser mais jovem, não esperava ver acendida novamente.
As leituras feministas são igualmente interessantes, e quem quiser buscar (ou consultar o bônus lá em baixo) verdadeiramente há muitas leituras excelentes dos poemas dentro do viés feminista a respeito da reconstituição das fontes (majoritariamente masculinas) da tradição do soneto amoroso, a voz feminina, inversão de papeis e nesse soneto e no seguinte a "economia do amor", a troca que torna iguais o homem e a mulher em matéria de poder na relação. Em troca ("exchange", linguagem de mercado) dos cabelos, Belinha exigiu o que Browning desse o seu, "a curl for curl" (cacho por cacho), "in that mart" (neste mercado), e na correspondência Elizabeth acentua a igualdade da troca, evocando O Mercador de Veneza de Shakespeare (o mercado de Rialto do soneto XIX é o da Ponte de Rialto, em Veneza), lembrando que a linguagem do soneto XVIII, da entrega e da doação, é contrabalanceado pela do poema seguinte, a da troca justa e igualitária, constituindo a igualdade entre os amantes, entre o sexo feminino e masculino. As leituras feministas são, de longe, as melhores leituras disponíveis de E.B.B. no meio crítico moderno, e tomam diversas formas ao tratar dos diversos poemas; contudo, a perspectiva inicial também pode ser prejudicial à análise: o problema aqui é que muitas críticas são muito "otimistas" ou "ágeis" em assumir a final e adquirida igualdade entre os sexos, mas nos poemas da Belinha as coisas tendem a ficar bem complicadas. O primeiro ponto (aqui uma colocação biográfica) é de que Elizabeth acreditava em uma diferença essencial entre os sexos, que não podia ser completamente eliminada; isso não seria muito relevante se não se manifestasse na forma ou no conteúdo de seus poemas, mas se manifesta. Se há uma marca definidora na poesia da Belinha é a marca dessa diferença insuperável entre os seres, que de modo sutil ou não, perpassa toda a obra da autora, enquanto a marca da poesia do marido é a presença insuperável da opressão de um indivíduo por outro; isso não significa que não há opressão nos poemas de Elizabeth (os há, como nos poemas sobre a escravidão, a Itália oprimida de Casa Guidi Windows, Marian Erle em Aurora Leigh sendo estuprada e entregue à prostituição, e por aí vai) nem que não haja a diferença em Bob (sua poesia é marcada pela alteridade, mas seus personagens tendem a ser muito fechados em si na falta de consideração aos outros, e todos são potencialmente iguais na capacidade de trair, oprimir, trair-se e na auto-opressão). A questão é que por mais que se busque igualdade ou equilíbrio, essa luta tende a ser uma luta contínua e nunca leva a uma igualdade pacífica. Aurora Leigh é a obra que mais chega perto disso, mas mesmo ao fim Aurora e Romney são "iguais apenas no amor" (tal entidade eterna), sendo entes completamente distintos em muitos fatores. Aurora observa a cena final, mas Romney não pode ver por estar cego. Aurora aqui exerce poder sobre Romney, e parte da concórdia entre eles é alternância, não igualdade. O mesmo se dá no soneto da economia: os cabelos são marcadamente descritos como não iguais, o dela um negro púrpura e o dele preto, o dela como uma joia o amarrado e adornado. No entanto, desenvolvimento dos problemas envolvendo tal diferença seriam matéria de um outro ensaio.
Como disse acima, não vejo nada errado com a leitura da simbologia sensual do poema. O problema aqui é um curioso, que a leitura "simbólica" e não biográfica acaba limitando o poema a uma leitura, mais do que a confluência das leituras. A primeira objeção ao símbolo da entrega sexual é que a mecha de cabelo não era apenas um símbolo, mas um objeto real, funcional, em meio a um processo e constituição social e de troca (como vemos na leitura mercadológica). Parte da sutileza da Belinha vem com a sua falta de sutileza: as coisas são tão elas mesmas em suas esferas pessoal, social e simbólica que a leitura individual de uma dessas facetas obscurece o todo. Os críticos antigos elogiavam e criticavam o poema por ser demasiado biográfico (não na esfera simbólica pessoal, mas na social e empírica da ação prática), e independente da modificação dos paradigmas críticos esse fato não muda: o poema é demasiado biográfico. Quando Elizabeth diz "este [cabelo que] enrolo agora aos dedos e te digo" ("this [lock] which now upon my fingers thoughtfully and say") ela literalmente estava com a carta-pedido de Browning sobre a mesa e enrolando os cachos com os dedos, e isso é um fato tão inescapavelmente "real" que um curioso pode ir para New Haven (Yale) ver pessoalmente esse mesmo cacho de cabelo (e talvez bater uma foto subornando o fiscal) e de lá partir para a Wellesley College Library ver a carta (ou ver a digitalização dela aqui). Alguns críticos ainda ficariam receosos de usar a "Biografia" como base para qualquer crítica, mas mesmo nesses casos o crítico pode pacificar suas ideias: temos as cartas. Mesmo se ignorarmos os fatos biográficos, os fatos textuais das cartas (o que elas dizem que aconteceu, independente do crítico acreditar nelas ou não, mas avaliando-as como fenômeno textual e literário) nos trazem muita informação dos planos que se cruzam na constituição do soneto.
Quando paramos de considerar as mechas como mero evento biográfico ou mero símbolo, vemos o quão complicada é a interação mesmo de um gesto social simples, e as cartas nos ajudam a guiar e compreender essas tensões. Em todos os Sonnets, até perto do fim, há uma sutil mas complicada tensão entre o "fellow-poet/fellow-lover", e aqui já vimos que os cabelos são símbolo sensual, de entrega da pureza, mas a troca é entre tanto poetas como de possíveis amantes. Elizabeth faz uma clara distinção que mantém a pureza dos cabelos, que não é o de ser cortado e dado a alguém apenas, mas dado a um HOMEM em particular. Isso acentua claramente a distinção sensual em que Browning está envolvido, ainda mais quando sabemos que a confissão de que Elizabeth nunca deu fios de seus cabelos a nenhum homem não é completamente verdade: é verdade que Belinha recusou entregar seus cachos a Horne, amigo muito mais antigo e próximo em volume de correspondência que Browning, porém deu mechas de cabelos para o Pai além de Octavius e Albert Barrett, seus irmãos (e ela de certo modo não esconde isso do poeta, mas também não revela especificamente, nas cartas), que sem dúvidas eram homens, mas não especificamente o tipo específico de HOMEM (com potenciais implicações sexuais) que Browning (e Horne, ou a antiga paixão, Boyt, ou o ainda mais próximo Kenyon) para quem ela nunca dera os cabelos. Por outro lado, Elizabeth dera seus cabelos para alguém fora do ambiente familiar, Miss Mary Mitford, fellow-poet como ela, numa pratica social entre escritores próximos. Browning se coloca nessa tensão, do Beloved e do Poet (Amado e Poeta), e embora nesse poema o amado ganha mais força (no poema anterior é exclusivamente o Poet, no seguinte o Poet recebe os cabelos e ela recebe os do Beloved, outra diferença) sendo só ele mencionado, mas parte da excitação provem ainda dessa tensão. A presença marcante do poeta como o amado, tensionado para uma sensualidade que se inopinada se acende fora de sintonia com o estado físico da voz (na sua própria visão, inadequada para o desejo e acostumada ao sofrimento, em comparação à alegria e sensualidade da menina que ela não mais é), pronta para abandonar-se à morte (lembremos, muito mais que um símbolo de uma "seca", uma morte dolorosa, real e iminente) que já esperava e de quem já era íntima (com a morte mencionada da mãe, e a não mencionada do irmão), justifica-se no amor a opção pela nova dinâmica social da qual fará parte, envolvendo o mercado entre os amantes do poema seguinte. Esse é um dos sonetos que melhor sumariza o todo dos Sonnets, e essa confusão violenta entre as esferas da biografia, da relação social e do símbolo irão, de modo mais intensivo, compor a argamassa de seus poemas tardios.
Quanto à tradução do poema, para além do tradicional e ingrato cuidado com as palavras tentando minimizar as perdas, maximizar os ganhos, neste ingrato mercado negro da tradução, onde as trocas, desiguais como forem, devem ser justas em algum sentido perverso. Quanto à forma dos Sonnets, há sempre uma coisa tremendamente complicada de entender e ainda mais complicada de verter após compreendida, mas em geral se pode dizer que o metro da coleção é muito pouco inglês. Na verdade, a tendência acentual do italiano e línguas ibéricas tem alguma presença aqui. Versos como "And therefore if to love can be desert" parecem um tanto difíceis de contar ou versificar à lá inglesa sem soarem forçados (IF forte? soa mecânico... Ouvi 4 pronúncias e todas leem a segunda e a sexta fortes), seria isso tetrâmetro, mas aí é impossível, pois o metro do poema é o pentâmetro... ou seria o endecassílabo? Faria sentido para todo o poema? No primeiro poema o verso "Behind me, and drew me backward by the hair;" tem uma sílaba a mais ou Belinha está contando "me and" como uma sílaba só, como nas línguas acentuais (notar que aí o decassílabo é perfeito)? Resposta para essas questões são meio complicadas, mas o verso da Elizabeth tem um caráter alienígena que é difícil de emular, e o fato de que os tradutores tem sempre destruído essa estranheza em troca de uma boa versificação vernácula, aclimatando aos nossos poemas portugueses, demonstra que ao menos parte da violência da Belinha tem sumido nas traduções. Para completar ainda há os enjambements violentos em posições retóricas importantes do soneto (dissolvendo a distinção oitava + sestina) completam a violência da prosódia de E.B.B.
É difícil falar de rimas quando o poema que eu escolhi tem rimas tão comportadas. Mas não esqueçamos que o poema mais famoso da escritora, vertido por todos em boa rima vernácula, tem um "use/lose" e "faith/breath" que incomodaram mesmo prosodistas como Saintsbury (que gostava de Browning sabe-se deus como), que julgavam a escrtora preguiçosa para achar as rimas corretas. Nesse caso, trouxe um pouquinho desse desconforto para esse poema, como estranha compensação pelas corretíssimas rimas de meus antecessores, no caso na rima "iu/io" com "di[g]o". Quando os demais poetas começarem a trazer essas rimas barrettianas para os versos portugueses nos locais adequados eu apago a minha no local inadequado. Funciona como uma troca equivalente.
É difícil falar de rimas quando o poema que eu escolhi tem rimas tão comportadas. Mas não esqueçamos que o poema mais famoso da escritora, vertido por todos em boa rima vernácula, tem um "use/lose" e "faith/breath" que incomodaram mesmo prosodistas como Saintsbury (que gostava de Browning sabe-se deus como), que julgavam a escrtora preguiçosa para achar as rimas corretas. Nesse caso, trouxe um pouquinho desse desconforto para esse poema, como estranha compensação pelas corretíssimas rimas de meus antecessores, no caso na rima "iu/io" com "di[g]o". Quando os demais poetas começarem a trazer essas rimas barrettianas para os versos portugueses nos locais adequados eu apago a minha no local inadequado. Funciona como uma troca equivalente.
Elizabeth Barrett Browning. Óleo de George Mignaty, Florença, 1880.
BIBLIOGRAFIA CITADA NAS 3 PARTES
BLOOM, Harold. Robert Browning. In: Genius: a mosaic of one hundred exemplary creative
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GROSSE, Edmund. Critical Kit-Kats. New York: Dodd Mead & Cia, 1903.
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MARKUS, Julia. Dared and Done: the marriage of Elizabeth Barrett and Robert Browning. New York: Knopf, 1995
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STONE, Marjorie. Elizabeth Barrett Browning. New York: Macmillan, 1995.
THE BROWNINGS' CORRESPONDENCE: An Online Edition. Wedgestone Press, 2018. Disponível em: <http://www.browningscorrespondence.com>
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WOOLFORD, John; KARLIN, Daniel. Robert Browning. London & New York: Routledge, 1996. (Studies In Eighteenth and Nineteenth Century Literature Series)
BÔNUS: ESTUDANDO A BELINHA, por onde começar?
O estudioso brasileiro que decide diligentemente estudar a literatura inglesa, particularmente a do século XIX, se depara com duas grandes dificuldades: 1) o volume crítico sobre os autores é assustadoramente volumoso; 2) o volume crítico sobre os autores é ASSUSTADORAMENTE volumoso. Qualquer estudante de língua portuguesa ficaria perdido pela quantidade de coisas de ou sobre a belinha publicadas, e é muito difícil saber o que é correto ou verdadeiramente útil. Mesmo grandes críticos repetem coisas erradas sobre os Brownings, e nem todo o material disponível é correto, importante ou fácil de achar. Por isso essa parte "extra" é um pouco distinta do ensaio, e aqui pretendo apresentar os materiais importantes, para facilitar a vida de todos que quiserem estudar de modo sério a obra da belinha, sejam acadêmicos ou não. Enquanto as três partes do ensaio podem ser seguidas apenas com o conhecimento da língua portuguesa, a partir daqui o conhecimento da língua inglesa é requisito mínimo para encontrar utilidade no que apresento. Começo, contudo, com o que temos sobre ela em português.
Elizabeth Barrett Browning em português
Aqui provavelmente vem a primeira constatação triste que o pesquisador da obra da Elizabeth Barrett tem de enfrentar: embora tenhamos algo dela em português de valor, praticamente nada escrito sobre ela em português vale a pena considerar ou reproduzir numa obra crítica. Em língua portuguesa, as confusões entre mito e realidade se misturaram tanto que a quase-biografia dela construída em língua portuguesa é insanamente mítica e imprecisa, beirando o ridículo. Elvira Bezerra do Instituto Moreira Salles diz que a escritora era "vítima de uma doença no pulmão e quase imobilizada por causa de uma queda" (de onde raios a crítica tirou isso) e completamente ignora a presença espiritual e física de Kenyon assumindo que Browning foi a primeira experiência social fora das letras; Mattheus do Formas Fixas superestima a vilania da figura complexa de Edward Barrett e nos conta que o pai de Elizabeth matou o cachorro dela, Flush, irado (Flush morre de velhice aos 13 anos, ao lado de Elizabeth em Florença, em Junho de 1854) e o Release da Rocco (feita por Paulo Sabino) não deve ter um único parágrafo com informação factual correta. Se formos atrás dos jornais antigos é ainda pior: os comentadores assumem a peça "The Barretts of Wimpole Street" como fonte biográfica, e os comentários vão de mal a pior.
Em matéria de crítica há alguma coisa de valor, mas mais pelo que falta do que pelo que há. Carpeaux em sua História da Literatura Ocidental (p.1663, na edição do Senado) dedica só um mal parágrafo de obrigação, e Alípio Correia de Franca Neto, em Literatura Inglesa (escrito com John Milton, mas a parte dos vitorianos é dele), fala de Elizabeth como um adendo à biografia de Robert (p.200). Curiosamente, o melhor julgamento crítico da Elizabeth Barrett era o conjunto de textos do Matheus Mavericco, mas ele resolveu tirar a maioria da internet... Mas por sorte o texto mais importante se encontra ainda no escamandro. Do ponto de vista crítico é uma leitura muito boa e precisa, com os frequentes insights críticos do Matheus, mesmo que devamos ignorar toda e qualquer parte biográfica sobre o pai da Elizabeth e toda aquela baboseira sobre o "my little portuguese" (eu comentei sobre isso na parte 1; não me façam repetir). Os jornais antigos tem muitos comentários ligeiros (e, em geral, tendenciosamente falsos), mas demonstra ao menos que houve algum interesse na escritora na época que saiu a versão em filme de The Barretts of Wimpole Street.
Em matéria de traduções, temos coisas melhores: as já citadas versões do Matheus estão entre as mais finas, e as clássicas versões que Manuel Bandeira publicou em Estrela da Vida Inteira (de 1965) são as melhores versões que temos, por diferentes razões. Além destas, no Brasil temos uma edição integral dos Sonnets from the Portuguese intitulado "Sonetos da Portuguesa", traduzido por Leonardo Fróes (2011); temos uma seleção de sonetos dentro do livro "Três Mulheres Apaixonadas", traduzido por Sérgio Duarte (1999), com resenha de Ivo Barroso (aqui, mas não se animem, ainda tem bizarrices como "tiranizada por um pai incestuoso" e "simulando com isso tratar-se de uma tradução e evitando assumir
sentimentos arrebatados passíveis de causar reações adversas no
julgamento puritano de sua época"... erros tão comuns que não sei porque ainda me importo...), além de uma boa versão do soneto V por Victor Queirós (aqui) e algumas traduções esparsas dos Sonnets (aparentemente só deles no Brasil, exceto meu Fragmento de Aurora Leigh). Em Portugal temos a versão de Fernando Pessoa para "Catarina to Camoens" (que tem uma curiosidade: Pessoa tenta resgatar o "original" camoniano no refrão, e o faz no poema errado... mas isso é uma loonga história); A. Herculano de Carvalho (não confundir com o poeta romântico de mesmo nome) traduziu dois sonetos "Life" e "Substitution" em "Musa de Quatro Idiomas" (1947), reeditada em "Oiro de Vário Tempo e Lugar" (1981), e por fim Manuel Corrêa de Barros traduziu os Sonnets completos em "Sonetos Portugueses" (1991). Se em português as pessoas não conseguem falar sobre Elizabeth, ela ao menos tem alguma força para falar sozinha com seus poemas. No entanto, a nossa língua ainda tem pouco da obra de Elizabeth comparada com a língua Francesa, Espanhola, Italiana ou mesmo Alemã (que aliás, tem traduções da correspondência entre os poetas, o que tristemente ainda nos falta também).
Edições Críticas das Obras
Durante muitos anos os estudiosos de Elizabeth Barrett não tinham acesso a uma edição crítica moderna, e a melhor e mais completa edição da escritora foi publicada em 1900. Sem dúvidas, é um caso raro de negligência a um grande poeta, mas a notícia boa é que em 2010, graças aos esforços de Sandra Donaldson e sua equipe, a obra completa da Elizabeth Barrett finalmente recebeu uma edição integral, extensivamente anotada, cheia de recursos e exaustiva do ponto de vista textual, sendo até o momento a versão definitiva da obra da escritora. A edição não é perfeita contudo, faltando um punhado de poemas cujos manuscritos o acesso não foi concedido às editoras, e a edição tem uma organização um tanto confusa: os poemas vão na forma publicada em Poems (1856) mas na ordem original de publicação, exceto para os poemas removidos de Poems (1856) que vão fora da ordem de publicação e são impressos depois dos poemas publicados após a obra (Poems before Congress [1860] e Last Poems [1862]) e antes dos poemas que foram escritos antes deles... Deu para entender? Pois é, eu também não... Mas todos essas censuras são irrelevantes, tanto porque é o melhor trabalho de edição já feito sobre a escritora quanto pelo fato de que (aí vem a má notícia) o estudioso de Elizabeth Barrett não vai ter acesso a esses livros de qualquer modo: até onde sei não estão em nenhuma biblioteca nacional e custam uma bagatela de mais de R$ 1.300 cada volume, que são 5 (duvida? Olha os preços: Vol.1, Vol.2, Vol.3, Vol.4 e Vol.5), e até onde sei o ser humano só tem dois rins e ainda precisa de um para funcionar.
Considerando que a obra crítica completa da Elizabeth Barrett está fora de questão para a maioria dos estudiosos, o estudioso precisa se virar com as duas edições mais ou menos completas e anotadas do século XIX, que por sorte estão disponíveis online. Por alguma razão, a edição de F. G. Kenyon, Poetical Works (1897) é a mais usada pelos críticos ingleses (provavelmente por ela só existir em bibliotecas especializadas) e a edição de Harriet Waters Preston (1900) a mais usada por estudantes pela facilidade de acesso, sendo um pouco melhor anotada mas não muito. A edição do Kenyon pode ser acessada e baixada aqui, enquanto a edição de Harriet W. Preston pode ser acessada e baixada aqui (essa é a reimpressão, a famosa Cambridge Edition); todas as edições modernas da obra "completa" são em um grau ou outro reimpressões destas, e igualmente incompletas; a minha edição é uma dessas reimpressões da edição da Harriet Preston.
As duas grandes obras da escritora contudo tem edições críticas mais fáceis de serem adquiridas. Julia Markus editou Casa Guidi Windows (1977) e Cora Kaplan produziu uma edição crítica de Aurora Leigh (1978), ambas as edições são fundamentais não apenas pela qualidade da anotação e do volume como das excelentes introduções das editoras, que trazem uma nova luz a respeito do valor da poetiza. Para os Sonnets, além das edições comuns (baseadas no texto de 1856), a edição de W. S. Peterson para os Sonnets from the Portuguese (1977), baseada no manuscrito, é interessante para o estudioso, e ouvi dizer que há uma edição variorum por Fanny Ratchford (1950), mas nunca a vi ou vi sendo citada. A edição de Peterson e Markus "Sonnets from the Portuguese: illuminated by the Brownings' love letters" (1996) não tem valor acadêmico, mas é muito interessante para o leitor casual, e mesmo para o estudioso pode ser interessante achar as cartas e os poemas interligados lado-a-lado, além de ser uma edição relativamente barata dos poemas.
Das seleções menciono duas críticas: Christopher Ricks, The Brownings: Letters and Poetry (1970) e Marjorie Stone & Beverly Taylor, Elizabeth Barrett Browning: Selected Poems (2009). Edições boas, com boa anotação e excelente introdução, embora devo mencionar que Ricks tem um foco maior no Robert que na Elizabeth. A edição da Stone & Taylor é suplementada por material online, o que trás coisas precisas e interessantes. Também é importante lembrar que todos podem acessar livremente a edição crítica do poema On a Portrait of Wordsworth by B.R. Haydon de Elizabeth Barrett, feita por um grupo de notáveis scholars com acesso aqui. Uma edição que não é crítica que vale a pena ser mencionada é a que pode ser acessada aqui; o interesse da edição é que foi organizada por Robert Browning, e traz de certo modo a visão do poeta em relação à vida e obra da escritora.
Material Biográfico
Vamos iniciar cortando o lixo: as ficções biográficas do casamento são inúmeras (mais de uma dezena) e não valem muita coisa. Em matéria de ficção biográfica a única que ainda mantém grande valor literário é Flush: A Biography de Virginia Woolf, então pode ser lida, mas não como biografia propriamente dita. Se você é o tipo de pessoa que gosta de The Barretts of the Wimpole Street eu tenho profundo respeito pela sua opinião, exceto que não tenho e acho a obra um completo lixo. O resto piora daí.
Mesmo removendo todo o lixo, o material biográfico é vasto, então é necessário separar as biografias do casamento, biografias de Elizabeth, correspondência publicada, leitura biográfica e literária das cartas e material biográfico primário variado. É muita coisa, então vamos por partes.
As biografias do casamento são muitas, e muitas delas são problemáticas por conta de certos preconceitos e tentativas de constituir uma espécie particular de narrativa mítica (a princesa resgatada, o casal perfeito, as duas almas em sintonia, um relacionamento fracassado, freudianismo barato e por aí vai). Por azar, ao menos uma dessas narrativas exageradamente míticas é extremamente popular mesmo entre os grandes críticos, que é "The Immortal Lovers" de Francis Winwar (1950), então recomendo ir bem longe dessa obra; a versão oposta é a parte tratando do casamento dos Brownings em "Robert Browning: a portrait" de Betty Miller (1952), que com todo o seu freudianismo barato e abuso real das fontes, é o livro que recomendo não comprar, se comprar não ler, se ler ignorar. Então restam três obras modernas boas e insuperáveis, cada um a seu modo: The Brownings of Casa Guidi por Edward McAleer (1979), focando no período florentino do casal contendo exaustivo comentário biográfico e interpretativo, Robert et Elizabeth Browning, ou la plénitude de l'amour humain por Du Bos (1982) contendo não apenas reflexão sobre a vida (bem balanceada, a despeito do título sensacionalista) mas também uma avaliação dos poetas como grandes criadores de poesia amorosa, e Dared and Done: The Marriage of Elizabeth Barrett and Robert Browning por Julia Markus (1997), que é a melhor narrativa completa do casamento dos poetas, além de trazer bastante insight sobre a obra de ambos (com foco na Elizabeth, a despeito do título "Dared and Done" fazer referência a poemas do Robert), embora se perca em uns dois ou três momentos com especulações um tanto vãs (sobre se os poetas tinham parentes negros ou não, e num momento inclusive "ignorando" que uma das evidências apresentadas é demonstradamente falsa... ou como seria se um poema fosse publicado em outra data...). Das obras antigas "Brownings; Their Life and Art" de Lilian Withing (1917) era muito bom para a época e continha muito material novo, mas foi tornado obsoleto (ao menos no caso de Robert) pelas biografias sucessivas, mas ao menos pode ser lido e baixado gratuitamente aqui. Também há outro livro antigo, chamado Roberto ed Elisabetta Browning de Zampini-Salazar (1896, pode ser lido ou baixado aqui), mas tenho de admitir que não leio em italiano.
Quanto à extensiva escrita biográfica sobre Elizabeth eu não tenho o mesmo grau de conhecimento que tenho em relação a Robert Browning ou ao casamento, afinal de contas estudo Robert e não Elizabeth. O que posso apresentar aqui são as biografias normalmente citadas e respeitadas nos estudos críticos diversos, em ordem cronológica: La vie et l’oeuvre d’Elizabeth Browning, Germaine-Marie Merlette (1906, podendo ser acessada ou baixada aqui); Elisabetta Barrett-Browning, Viterbi, B. B. (1913, acesso aqui);.The Life of Elizabeth Barrett Browning, de Gardner B. Taplin (1952, por muito tempo a biografia padrão.. pode ser acessada ou baixada aqui); Elizabeth Barrett Browning, a life, de Dorothy Hewlett (1953); Mrs. Browning: A Poet's Work and its Settings, de Alethea Hayter (1962... aparenta ser mais um estudo crítico que biografia, mas deve ter algum material biográfico); Mrs. Browning: The Story of Elizabeth Barrett, de Rosalie [Glynn Grylls] Mander (1980); Elizabeth Barrett Browning: A Biography, por Margaret Forster (1989). A despeito de parecer biografia no início, Elizabeth Barrett Browning, de Rebecca Stott e Simon Avery (2014) é um livro de crítica introdutório que basicamente faz o mesmo que eu faço aqui, acrescido de informação biográfica e leituras de algumas obras, sendo um livro grandemente recomendado. A única que não mencionei foi Elizabeth Barrett Browning: a psychological portrait, de Peter Dally (1989), que é um psiquiatra, não um estudioso diligente de biografias, e sua versão nunca foi usada por nenhum crítico até hoje, e com base nos retratos psicológicos que já li eu pessoalmente prefiro ficar longe desse. Ainda assim apresento. Também é importante notar que as primeiras biografias úteis da Elizabeth foram escritas no exterior, não na Inglaterra, já que quase tudo escrito em inglês sobre E.B.B. antes da obra de Taplin (com exceção de Withing, que foi muito importante na época por ser a única boa fonete) é considerado sem valor real para o estudioso comum (há uma biografia publicada na Inglaterra na época que Browning ainda estava vivo, mas vamos fingir que ela não existe, há um punhado de comentários biográficos menores depois), exceto se o estudioso quiser se especializar nas narrativas sobre a vida da autora (nesse caso: good look, mate!, foi bom te conhecer...).
A correspondência publicada dos Brownings é vasta, e no futuro todas serão obsoletas comparadas à edição de Philip Kelley e cia., a grande The Brownings Correspondence com edições impressas e online. A edição monumental abrangerá toda a correspondência conhecida, documentos adicionais, muitas notas e localização física das cartas. Atualmente a edição impressa está em seu volume 25 (2017), abrangendo toda a correspondência do casal até dezembro de 1858, o que a edição online acompanha (além de apresentar ao menos as primeiras linhas de todas as cartas e outras informações). Obviamente o texto ficaria gigantesco se eu tentasse suplementar com todos os volumes de cartas já publicadas da escritora, então as duas publicações que me parecem mais interessantes para quem quiser conhecer mais das cartas da Elizabeth são: The Letters of Elizabeth Barrett Browning to Her Sister Arabella, ed. Scott lewis (2002); Elizabeth Barrett Browning: Letters to Her Sister, 1846-1859, ed. Leonard Huxley (1929, aqui, mas é bom baixar logo, antes que limitem a visualização... O título não informa, mas "Her Sister" é Henrietta).
Leituras interessantes e úteis criticamente das cartas são raras, mas as duas que conheço são muito boas e olham a correspondência com o valor literário que as cartas merecem. As obras são: Elizabeth Barrett Browning In Her Letters, de Percy Lubbock (1906) e The Courtship of Robert Browning and Elizabeth Barrett, de Daniel Karlin (1985). São tudo o que eu conheço do gênero, mas são obras boas o bastante por si só que valem muito. O livro do Lubbock também está em domínio público, de modo que pode ser baixado aqui.
Demais material biográfico também é vasto, e a primeira obra de referência é A Browning Chronology, de Martin Garrett (2000). Eu comprei o meu por US$ 20 na Better World Books, mas aparentemente o mais barato está custando mais de US$ 170 agora. Acontece. Duas publicações de de diários inéditos podem ser relevantes biograficamente: The Unpublished Diary of Elizabeth Barrett Barrett, 1831–1832, ed. Philip Kelley e Ronald Hudson (1969). Quanto aos outros textos autobiográficos da E.B.B., dois deles podem ser encontrados aqui (Jstor é seu amigo) e outros rascunhos e um ensaio autobiográfico aqui, que também complementa a edição incompleta da Belinha.
Obras de Referência
Além da já citada A Browning Chronology e Brownings Correspondence, há ainda uma série de obras de referência que o estudioso precisa conhecer e ter sempre perto. Ainda na linha da Brownings Correspondence de obra gigantesca que se torna imediatamente obsoleta com sua publicação online, The Browning Collections de Kelley e Coley (1984) contém referenciado e localizado tudo aquilo que pertenceu aos Brownings, incluindo memorabília, edições, manuscritos e livros, além de uma série de materiais adicionais muito bem descritos, e possui versão online (aqui) superior à versão impressa.
Outra obra de referência que ajuda muito mas não é essencial é a Elizabeth Barrett Browning Concordance, por Gladys W. Hudson (1973), em 4 volumes, que até onde minha pesquisa vai é impossível de comprar no momento, além de ser limitada à edição de 1900. Elizabeth Barrett não tem uma extensiva e larga bibliografia anotada, como o marido tem se reunirmos as várias publicações, porém Robert and Elizabeth Barrett Browning: an annotated bibliography, 1951-1970, de William Peterson é exaustiva nos anos que cobre, e para os anos de 1970-1990 há bibliografias comentadas anuais compiladas Sandra Donaldson para a revista Browning Institute Studies. Para as obras anteriores a 1951 temos A Bibliography of Elizabeth Barrett Browning de Warner Barnes (1967), com muitas omissões. Por fim, Sandra Donaldson publicou Elizabeth Barrett Browning: An Annotated Bibliography of the Commentary and Criticism, 1826-1990 que é a melhor durante todo o período que cobre, mas não é exaustiva, contendo várias omissões que a crítica não julga relevante.
O estudante provavelmente não vai ter tempo e acesso a maioria do material disponível, então com a finalidade de compreender a recepção da autora com o passar do tempo, o estudante deve conferir a parte dedicada à recepção do livro Elizabeth Barrett Browning, de Rebecca Stott e Simon Avery (2014); o 5º capítulo de Elizabeth Barrett Browning, de Marjorie Stone (1995... Tem uma versão online editada com a autorização da autora aqui), também apresenta um resumo da recepção da autora, embora com a finalidade de ilustrar parte de sua tese; Elizabeth Barrett Browning: The Critical Heritage, de Clara Dawson (2013), traz todo o material crítico primário para que o estudante tire suas próprias opiniões, mas o livro custa mais de R$ 4.000 (no joke), então está fora de cogitação para o estudante comum. Gostaria de lembrar que na seção "Supporting Documents" de The Brownings Correspondence os editores acrescentaram todos os comentários contemporâneos em cartas, diários e jornais a respeito dos poetas e suas obras, de modo que material contemporâneo pode ser encontrado lá se você souber o que está buscando (por isso a Bibliografia é importante). Para uma coleção de obras críticas modernas há o Elizabeth Barrett do Harold Bloom (Bloom's Modern Critical Views), mas não representa a recepção moderna da obra, e a seleção é mais entre aqueles críticos que se adequam mais ao gosto particular do Bloom.
Obras Críticas
Aqui as obras críticas aumentam exponencialmente em número, então não dá para falar de todas, nem mesmo das que eu li. As obras de referência irão guiar o estudioso para o que ele desejar, e vale aqui lembrar as obras de Stott & Avery (2014) e Marjorie Stone (1995) como ponto de partida. No entanto, algumas menções críticas parecem importantes porque valem a pena ou em sentido geral ou por suas especificidades.
Em matéria de generalidades, é bom conferir a visão de Chesterton (seja em The Victorian Age in Literature, seja na resenha sobre Casa Guidi em Varied Types) sobre a escritora, já que estamos falando de outro profeta brilhante. Também vale a leitura do ensaio "Aurora Leigh" de Virginia Woolf dentro de The Common Reader: Second Series (disponível aqui). Esses dois ensaios curtos são clássicos de seu tempo, sendo comentários de pessoas brilhantes na contramão dos preconceitos da época.
Dos livros e capítulos que ainda gostaria de chamar atenção, em generalidades, Elizabeth Barrett and Robert Browning: A Creative Partnership, de Mary Sanders Pollock (2003) é uma grande obra crítica que lida com a obra de ambos os poetas, com foco em Elizabeth. Dentro do livro Fernando Pessoa and Nineteenth-century Anglo-American Literature, de George Monteiro (2000), há um capítulo interessante sobre a influência de Elizabeth Barrett na obra do poeta Português.
Sobre as obras específicas, as primeiras indicações são (artigos com link para o Jstor sobre o nome da revista, sempre que possível):
- Para a juvenília (i.e. A Drama of Exile, porque o resto é intragável): Ensaio "A Sense of Place in Elizabeth Barrett Browning’s ‘A Drama of Exile'.", de Millard Kimery (1993), que saiu na Studies in Browning and His Circle; e o ensaio "Biblical Criticism and secular sex: Elizabeth Barrett’s A Drama of Exile and Jean Ingelow’s A Story of Doom", de Terence Allan Hoagwood (2004), que saiu na Victorian Poetry.
- Para os Sonnets from the Portuguese: Livro "'Sonnets from the Portuguese' and the Love Sonnet Tradition", de Shaakeh Agajanian (1985); o ensaio "'Sonnets from the Portuguese' and the Politics of Rhyme", de Margaret M. Morlier (1997), que saiu na Victorian Literature and Culture; o ensaio "(Re)gendering Petrarch: Elizabeth Barrett Browning's 'Sonnets from the Portuguese'", de Marianne Van Remoortel (2006), publicado em Tulsa Studies in Women's Literature.
- Para Casa Guidi Windows: prefácio de Markus para sua edição crítica; ensaio "From 'Mythos' to 'Logos': Political Aesthetics and Liminal Poetics in Elizabeth Barrett Browning's 'Casa Guidi Windows'" de Leigh Coral Harris (2000) publicado em Victorian Literature and Culture.
- Para Aurora Leigh: prefário de Kaplan para sua edição crítica; o ensaio "Gender and Narration in Aurora Leigh", de Alison Case (1991), que saiu na Victorian Poetry; e o capítulo "Aurora Leigh: Expressing the Old Scripture", de Daniel Karlin (2013, in: The Figure of Singer). Além dessa minibibliografia online aqui.
- Para Poems Before Congress: Ensaio “Domestic Politics: Gender, Protest, and Elizabeth Barrett Browning’s Poems Before Congress.”, de Katherine Montwieler, que saiu em Tulsa Studies in Women’s Literature.
Sobre temas específicos:
- Feminismo: Ensaio "Motherhood's Advent in Power: Elizabeth Barrett Browning's Poems about Motherhood" de Sandra Donaldson (1980), que saiu na Victorian Poetry.; capítulo “Elizabeth Barrett Browning and the Problem of Female agency.” de E. Warwick Slinn (2002; in: Garlick, Barbara. Tradition and the Poetics of Self in Nineteenth-Century Women’s Poetry).
- Política: Ensaio "From Patria to Matria: Elizabeth Barrett Browning's Risorgimento", de Sandra M. Gilbert (1981), que saiu na Publications of Modern Language Association of America; “Elizabeth Barrett Browning’s (Re)Visions of Slavery.”, de Andrew Staufer (1997), que saiu na English Language Notes.
- Versificação: “Mrs. Browning’s Rhymes.”, Fred Manning Smith (1939) que saiu na Publications of the Modern Language Association of America; ensaio "Rhyme, Form, and Sound in Elizabeth Barrett Browning’s ‘The Dead Pan’.”, Tim Sadenwasser (1999), que saiu na Victorian Poetry.
- Tradução: Ensaio “Elizabeth Barrett, Robert Browning, and the Différance of Translation.”, de Yopie Prins (1991), que saiu na Victorian Poetry; e o ensaio do mesmo autor "The Sexual Politics of Translating Prometheus Bound" (2010) que saiu na Cultural Critique.
Esse é o meu pequeno guia para auxiliar a quem quer estudar Elizabeth Barrett a buscar material confiável sobre a escritora e sua vasta e interessante obra.
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