segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

HEIDENRÖSLEIN - Goethe

Mais um poema que foi musicado por Schubert. Deu para perceber que sou mais fã do músico que das poesias que foram musicadas por ele né? Apesar de tudo, a tradução que segue é uma tradução do poema (ouvido sempre na forma de música).

Heidenröslein - Goethe

Sah ein Knab' ein Röslein stehn,
Röslein auf der Heiden,
War so jung und morgenschön,
Lief er schnell, es nah zu sehn,
Sah's mit vielen Freuden.
Röslein, Röslein, Röslein rot,
Röslein auf der Heiden.

Knabe sprach: Ich breche dich,
Röslein auf der Heiden!
Röslein sprach: Ich steche dich,
Daß du ewig denkst an mich,
Und ich will's nicht leiden.
Röslein, Röslein, Röslein rot,
Röslein auf der Heiden.

Und der wilde Knabe brach
Röslein auf der Heiden;
Röslein wehrte sich und stach,
Half ihm doch kein Weh und Ach,
Mußt es eben leiden.
Röslein, Röslein, Röslein rot,
Röslein auf der Heiden.

A Rosinha Sobre a Terra - Goethe

Um menino viu uma rosa,
Sobre a terra a rosinha,
Como a manhã era amorosa,
A criança correu ansiosa,
Inquieto à rosa vinha.
Rosa, rosa, rosa rubra,
Sobre a terra a rosinha.

Ele disse: “vou colher-te!”
Sobre a terra a rosinha.
Ela disse: “vou morder-te,
Que a mordida sempre alerte
Que eu não quero dor mesquinha.”
Rosa, rosa, rosa rubra,
Sobre a terra a rosinha.

Mas a criança cruel pegou
Sobre a terra a rosinha;
Ela reagiu, mas fraquejou,
Sem sorte, seu fim chegou,
Deixa cumprir-se a sina.
Rosa, rosa, rosa rubra,
Sobre a terra a rosinha.

Trad: Raphael Soares

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Sonnet XIV - Shakespeare (decassílabo e dodecassílabo)

Hoje resolvi fazer uma tradução dupla de um mesmo soneto de Shakespeare. Muito se discute sobre traduzir os Sonetos em decassílabos ou dodecassílabos, e pretendo fazer alguma discussão a esse respeito posteriormente. Por enquanto, ficam as traduções:

Sonnet XIV - William Shakespeare

Not from the stars do I my judgement pluck;
And yet methinks I have Astronomy,
But not to tell of good or evil luck,
Of plagues, of dearths, or seasons' quality;
Nor can I fortune to brief minutes tell,
Pointing to each his thunder, rain and wind,
Or say with princes if it shall go well
By oft predict that I in heaven find:
But from thine eyes my knowledge I derive,
And, constant stars, in them I read such art
As truth and beauty shall together thrive,
If from thyself, to store thou wouldst convert;
   Or else of thee this I prognosticate:
   Thy end is truth's and beauty's doom and date.



Soneto 14 - William Shakespeare (Decassílabo)

Das estrelas não tiro julgamentos,
E creio possuir astronomia,
Mas não predigo os bons ou maus momentos,
Nem faltas, nem um clima que enfastia.
Não posso predizer nenhum futuro
E afirmar sobre a fúria natural,
Ou dizer se um reinado será duro
Ao nobre, lendo celeste sinal.
Dos teus olhos, astros constantes, é
Que leio e extraio todo o meu saber,
Como a beleza, a verdade e a fé
Viverão caso em prole converter.
   Caso não seja assim, assim predigo:
   Morrerão o belo e verdade contigo.

Trad: Raphael Soares



Soneto 14 - William Shakespeare (Dodecassílabo)

Dos imensos astros não tiro julgamentos,
Embora creio ter alguma astronomia,
Não sei predizer fado bom ou de tormentos
Sobre pragas, penúria ou o clima de outro dia.
Não posso ver do futuro nem um minuto
E dizer se nele já chuva, raio ou vento,
Nem sei se um príncipe terá um reino impoluto
Apenas lendo sinais do celeste intento.
Somente dos teus olhos tiro o meu saber,
E, astros constantes, são neles que eu leio
Como a beleza e verdade vão viver
Se conseguires de multiplicar-te um meio.
   Tenho uma previsão caso ocorra o contrário:
   Beleza e verdade encontrarão o seu sudário.

Trad: Raphael Soares

domingo, 8 de janeiro de 2012

Poe - Linhas Sobre a Cerveja

Eu ia preparar outro post sobre Shakespeare, mas uma emergência me obrigou a postar outra coisa essa semana... que tal um bom e velho poema sobre a (melhor e mais velha) cerveja? E o poema ainda é um de um dos mais ilustres poetas Americanos: Edgar Allan Poe. Essa é uma boa oportunidade para conhecer uma outra face do Poeta, que não seja a d'O Corvo.

Esse poema tem uma história interessante. O poema foi atribuido a Poe por Thomas Ollive Mabbott, e o manuscrito foi supostamente visto pela última vez num bar em 1892, e reconstruído de memória. Apesar dessa origem um pouco duvidosa, não há oposições sérias contra a autoria de Poe.

De poe ou não, vamos à poesia.



[[Lines on Ale]] - Edgar Allan Poe¹

Fill with mingled cream and amber,
I will drain that glass again.
Such hilarious visions clamber
Through the chamber of my brain —
Quaintest thoughts — queerest fancies
Come to life and fade away;
What care I how time advances?
I am drinking ale today.

¹ Uma outra versão aponta: "Filled with mingled cream and amber, / I will fill that glass again [....] Faintest thoughts — queerest fancies [....]"

[[Linhas sobre a Cerveja]] - Edgar Allan Poe¹

De espuma e âmbar construído,
Quero ver a taça encher.
Visões hilárias destruíndo e
Fluíndo de dentro em meu ser -
'stranhas visões e pensares
Vivem depois vão embora;
Me importa, horas, se passares?
Estou bebendo Ale² agora.

 Trad: Raphael Soares

¹ Esta tradução está mais preocupada com a sonoridade, mantendo as rimas externas e internas e o metro de 7 sílabas. A "fidelidade semântica e lexical" foi, confesso, a última coisa que me preocupou, já que a tradução desse poema foi feita a um fim específico. Está mais para imitação que tradução.
² Ale é um tipo de cerveja (de alta fermentação, em oposição à Lager (de baixa fermentação) que é mais consumida no Brasil). Preferi manter o nome original pela sonoridade e também porquê Cerveja é Hiperônimo, e no Brasil a probabilidade de se relacionar "Cerveja" com a "American Standart Lager" ou "Pilsen" é muito grande (como se só existisse um tipo de cerveja no mundo!).

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Mais Goethe parte II - Homenagem a Guilherme de Almeida

Resolvi fazer uma pequena homenagem ao grande poeta e tradutor que foi Guilherme de Almeida. Eis aqui o famoso poema Der König in Thule de Goethe em tradução do grande poeta, seguida da minha tradução.


Goethe - Der König in Thule

Es war ein König in Thule,
Gar treu bis an das Grab,
Dem sterbend seine Buhle
Einen goldnen Becher gab.

Es ging ihm nichts darüber,
Er leert' ihn jeden Schmaus;
Die Augen gingen ihm über,
So oft er trank daraus.

Und als er kam zu sterben,
Zählt' er seine Städt' im Reich,
Gönnt' alles seinem Erben,
Den Becher nicht zugleich.

Er saß beim Königsmahle,
Die Ritter um ihn her,
Auf hohem Vätersaale,
Dort auf dem Schloß am Meer.

Dort stand der alte Zecher,
Trank letzte Lebensglut,
Und warf den heil'gen Becher
Hinunter in die Flut.

Er sah ihn stürzen, trinken
Und sinken tief ins Meer.
Die Augen täten ihm sinken
Trank nie einen Tropfen mehr.


Canção do Rei de Thule - Goethe

Houve um rei de Thule que era
mais fiel do que nenhum rei.
A amante, ao morrer, lhe dera
um copo de oiro de lei

Era o bem que mais prezava
e mais gostava de usar:
e quando mais o esvaziava
mais enchia de água o olhar.

Quando sentiu que morria,
o seu reino inventariou,
e tudo quanto possuía,
menos o copo, doou.

Depois, sentando-se à mesa,
fez os vassalos chamar
à sala de mais nobreza
do castelo, sobre o mar.

E ele ergue-se acabrunhado,
bebe o último gole então
e atira o copo sagrado
às ondas que em baixo estão.

Viu-o flutuar e afundar-se,
que o mar o encheu de seus ais.
Sentiu a vista enevoar-se:
E não bebeu nunca mais!

Trad: Guilherme de Almeida


O Rei de Tule - Goethe

Em Tule vivia um rei,
Que, fiel, a sua dama,
Uma taça de ouro em lei
Deixou-lhe na eterna cama.

Nada mais amava tanto,
E em cada festa a esvaziava;
Cada gole um novo pranto,
Sobre a taça lagrimava.

Quando sentiu vir a morte.
Todo seu reino cortou
Para os filhos, sul ao norte,
Mas a taça não doou.

E em sua mesa real,
Cavaleiros fez chamar,
Ao mais nobre e antigo Hall,
De seu paço sobre o mar.

Lá ergue-se o bebedor,
Bebe o gole derradeiro,
A sacra taça, co'amor,
Atira à água, ligeiro.

Viu-a boiar e se encher,
E ao mar descer ainda mais.
Sentiu a vista escurecer
E não bebeu nunca mais.

Trad: Raphael Soares



Como pode ser percebido, não tinha a menor intenção de superar a tradução de Guilherme. Também pode-se perceber que foi uma tradução meio improvisada (sendo que a primeira quadra traduzi há tempos), e tive a própria tradução do Guilherme como uma base (o que explica algumas semelhanças, mas nunca procurei imitar o poeta).

Enfim, mais uma velha e uma nova tradução desse querido poema de nosso querido poeta.

Mais Goethe parte I - Um Rei dos Álamos pouco conhecido

Estive sumido por um tempo, é verdade... estive um tanto desocupado e acabei não  postando nada nos últimos dias, apesar de ter feito um número razoável de traduções (a maioria do alemão, tendo inclusive autores novos), hoje irei postar uma tradução que não é minha!!! Acabei achando por acaso esse poema numa revista antiquíssima e de divulgação restrita (Revista de Cultura do Pará), e achei importantíssimo compartilhar (caso o detentor dos direitos se sinta ofendido ou lesado, retirarei com todo o prazer, mas acho que estou prestando uma homenagem ao tradutor sem lesar seus direitos). Trata-se do afamado Der Erlkönig de Goethe que já foi traduzido por mim aqui e comentado aqui. Contando duas traduções portuguesas facilmente acháveis na internet, mais a tradução brasileira disponível em Poesia Alemã (organizada por Geir Campos), mas as traduções em verso livre que comentei no post anterior sobre o mesmo tema, possuimos mais uma tradução desse belíssimo poema, feita pelo escritor paraense Sílvio Meira em tradução poética. Vamos ao que interessa, o poema acrescido dos comentários ao final (sei que prometi falar do rei de Tule do Guilherme de Almeida, mas isso fica para a parte II).



O Rei dos Alamos

Quem viaja tão tarde, à noite, e com esse vento?
É o pai com o filhinho, a cavalo, ao relento,
Aconchega o menino, abraçado com amor,
Segura-o com força, aquece-o em seu calor.

“­- Meu filho porque tens tal pavor em teu rosto?”
“­- Não vês, oh pai, o Rei dos Álamos exposto?”
Dos Álamos o Rei, com seu manto e corôa?”
“­- Meu filho é um nevoeiro que além sobrevoa”.

“­- Tu, querido nenê, vens comigo! depois
Belíssimos brinquedos divertirão a nós dois;
Na praia brotam flores, matizes variados,
E minha mãe possui muitos mantos dourados.”

“­- Meu pai, oh meu paizinho, não ouves, de repente,
O que promete o Rei, agora: docemente?”
“­- Silencio, minha criança, acalma-te um momento,
Nas folhas ressequidas rumoreja o vento.”

“­- Queres, meu bom menino, queres comigo vir?
Minhas filhas irão com prazer te servir”.
Minhas filhas promovem à noite linda dança,
Vão ninar-te e dançar e cantar sem tardança”.

“­- Meu pai, meu pai, não vês, muito além, divertidas,
As filhinhas do Rei num recanto escondidas?”
“­- Meu filho, meu filhinho, entrevejo nevoentos,
Parecem-me os salgueiros velhos e cinzentos”.

“­- Eu te adoro, e me encanta e seduz teu rostinho;
Se não desejas vir te arranco, sê bonzinho.”
“­- Meu pai, oh meu paizinho, agora me agarrou;
Dos Álamos o rei me feriu, maltratou”.

Apavora-se o pai, apressa, segue avante;
Aconchega nos braços a criança arquejante;
A casa alcança enfim, com esforços e cansaços,
O filho estava morto, inerme, nos seus braços.

Trad: Sílvio Meira (Original e minha tradução Aqui)



A tradução, em geral, é boa. A primeira estrofe é um tanto previsível, e aparentemente foi feita sem esforço. Como as outras traduções poéticas que conheço, Nebelstreif acabou virando Nevoeiro, enquanto que é apenas um pouco de névoa (que forma a imagem que o menino vê). Claro, não vou cometer a prepotência de dizer que "de névoa um metro" é a solução adequada. Acho que a solução de Silvio Meira foi melhor que a minha.

Falando de soluções acertadas, não posso deixar de citar "In dürren Blättern säuselt der Wind" que foi muito bem vertido para "Nas folhas ressequidas rumoreja o vento", ou "genau:/Es scheinen die alten Weiden so grau" vertido para "nevoentos,/Parecem-me os salgueiros velhos e cinzentos" e principalmente o último verso "In seinen Armen das Kind war tot" que virou "O filho estava morto, inerme, nos seus braços" (comparar com as minhas opções:  "São folhas secas na eólia alma"; "filho:/De velhos salgueiros cinzas o brilho" e "Co’o filho inerte, por morto dado"). Os dois substantivos que omiti (Säuselt e Leids) não foram omitidos nessa tradução.

Entretanto (tentando me defender um pouco), essa tradução não está insenta de seus problemas. A forma como o filho e o pai falam entre si parece pouco natural (apesar de fazer algo parecido ao menos uma vez). O maior problema talvez seja a quantidade significativa de acréscimos e algumas palavras um tanto forçadas para formar as rimas (destaco dança/tardança e rosto/exposto).

Enfim, a tradução de meu conterrâneo Silvio Meira acaba sendo bastante interessante, principalmente para acrescentar mais uma tradução às traduções desse magnífico poema alemão, que merece, sem sombra de dúvidas, falar fluentemente como um magnífico poema em língua portuguesa.