domingo, 2 de dezembro de 2012

The Lamb - Blake

Mais um poema do William Blake. Para quem acompanhou o blog e viu o poema The Tyger. Pode-se dizer que um poema é o "par" do outro, assim como em muitas outras obras de Canções da Inocência e Canções da Experiência.

The Lamb - William Blake

   Little lamb, who made thee?
   Does thou know who made thee,
Gave thee life, and bid thee feed
By the stream and o’er the mead;
Gave thee clothing of delight,
Softest clothing, woolly, bright;
Gave thee such a tender voice,
Making all the vales rejoice?
   Little lamb, who made thee?
   Does thou know who made thee?

   Little lamb, I’ll tell thee;
   Little lamb, I’ll tell thee:
He is callèd by thy name,
For He calls Himself a Lamb.
He is meek, and He is mild,
He became a little child.
I a child, and thou a lamb,
We are callèd by His name.
   Little lamb, God bless thee!
   Little lamb, God bless thee!




O Cordeiro – William Blake

  Cordeiro, quem te fez?
  Sabes tu quem te fez?
Deu-te vida & alimento
Na nascente no relento;
Vestiu-te em gozos, louçã,
De finas vestes de lã;
Deu-te tenra voz também,
Para alegrar vales & além?
  Cordeiro, quem te fez?
  Sabes tu quem te fez?

  Cordeiro, te direi;
  Cordeiro, te direi:
O teu nome tem inteiro,
Pois Ele chama-se cordeiro.
Ele é meigo, & sem tardança
Veio aqui como criança.
Sou criança, & tu cordeiro,
Chamados por Seu nome inteiro.
  Cordeiro, Deus te guarde!
  Cordeiro, Deus te guarde!


Trad: Raphael Soares

terça-feira, 31 de julho de 2012

Un vieux pays - Machado de Assis

Hoje posto uma poesia do nosso grande Machado de Assis. Machado escreveu apenas duas poesias em francês, e essa, de matiz baudelairiano (talvez único em sua poesia) é uma delas. Não é inédita em português, já que o próprio Machado nos apresenta em Phalenas uma tradução de um terceiro, de qualidade um tanto questionável, apesar dos elogios do próprio autor (sabemos que Machado não era econômico em elogiar conhecidos... basta consultarem a crítica que faz do Cenas da Vida Amazônica de Veríssimo). Não é a melhor poesia Machadiana, mas também não é desprezível no conjunto de sua obra.

UN VIEUX PAYS - Machado de Assis
...juntamente choro e rio.
Camões, soneto

Il est un vieux pays, plein d’ombre et de lumière,
On l’on rêve le jour, où l’on pleure le soir;
Un pays de blasphème, autant que de prière,
Nè pour le doute e pour l’espoir.

On n’y voit point de fleurs sans un ver qui les ronge
Point de mer sans tempête, ou de soleil sans nuit;
Le bonheur y parait quelquefois dans un songe
Entre le bras du sombre ennui.

L’amour y va souvent, mais c’est tout un délire,
Un désespoir sans fin, une énigme sans mot;
Parfois il rit gaîment, mais de cet affreux rire
Qui n’est peut-être qu’un sanglot.

On va dans ce pays de misère et d’ivresse,
Mais on le voit à peine, on en sort, on a peur;
Je l’habite pourtant, j’y passe ma jeunesse...
Hélas! ce pays, c’est mon coeur.



UM VELHO PAÍS – MACHADO DE ASSIS
...juntamente choro e rio.
            Camões

Este é um país pleno de luz e treva,
Alguém sonha de dia, e à tarde se lamenta;
Um país de blasfêmia e de oração sincera,
   Nata da esp’rança e da tormenta.

Onde não se vê a flor sem um verme a roendo,
O sol sem noite, e o mar sem qualquer tempestade;
Se a alegria, uma vez, em sonho aparecendo
   Em umbro braço o tédio invade.

O amor é bem frequente, e é, de fato, um delírio,
Um desespero infindo, um enigma sem termos;
Às vezes ri-se alegre, às vezes esse riso
   Não passa de um soluçar ermo.

Vive-se num país de miséria e ebriedade,
Mas o vêem com pena, ou em fado, ou temor;
Nele habitei e passei a minha mocidade...
   Oh!  Esta terra é meu amor.

Trad: Raphael Soares

terça-feira, 12 de junho de 2012

Dickinson - I Died for Beauty (poema 449)

449 (Numeração de Johnson) - Emily Dickinson

I died for Beauty — but was scarce
Adjusted in the Tomb
When One who died for Truth, was lain
In an adjoining room —

He questioned softly "Why I failed"?
"For Beauty", I replied —
"And I — for Truth — Themself are One —
We Brethren, are", He said —

And so, as Kinsmen, met a Night —
We talked between the Rooms —
Until the Moss had reached our lips —
And covered up — our names —



449 (Numeração de Johnson) - Emily Dickinson

Morri pela Beleza — e nem
Me acomodei na Tumba
Quando Outro, morto por verdade
Em outra sala ficou —

Perguntou-me “Por que partiste”?
“Por Beleza”, eu lhe disse —
“E eu — por Verdade — dá no Mesmo —
Somos Irmãos”, me disse —

Então, pela noite — conversamos
Nós, entre os salões —
Até o limo nos encontrar —
E cobrir — nossos nomes —

Trad: Raphael Soares

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Herman Melville Poeta (An Epitaph)

Fui consultar o blog nãogostodeplágio, minha leitura blogística de cabeceira, e vim descobrir que Herman Melville - sim, o que escreveu Moby Dick - escreveu poesia, além de longas narrativas navais.

Conheço Melville só mesmo pela estória da baleiona, e ainda a li na versão espúria da Claret editora. Desnecessário dizer que odiei o livro, e fiquei muito surpreso de descobrir que o cara é poeta também. Descobri que escreveu um livro de poesias bélicas chamada "Battle-Pieces and Aspects of the War", e resolvi lê-lo. Parece que ninguém até hoje se atreveu a traduzir poesias de Melville, e não sem muita justiça. A poética dele é maçante (se Denise do nãogostodeplágio ler esse meu comentário vai discordar, sem dúvidas), e seu estilo me parece fraco, bem como a sonoridade meio afetada. Mas encontrei, dentro de um poema (The Eagle of the Blue) uns versos que me chamaram o interesse:

Aloft he guards the starry folds
  Who is the brother of the star;
The bird whose joy is in the wind
  Exultleth in the war.


No painted plume—a sober hue,
  His beauty is his power;
That eager calm of gaze intent
  Foresees the Sibyl's hour.


Que verti como:

Aquele que é o irmão da estrela
  Nos céus guarda o que é estrelado;
A ave cuja a alegria está
  No ar e em bélico fado.

Sem pluma falsa - um sóbrio tom,
  Beleza a força instila;
O seu olhar calmo e vidente
  Prevê a hora da sibila.


Desnecessário dizer (hoje estou para coisas desnecessárias) que a tradução não vale os versos, já que foi meio improvisada para esse post. No entanto, apesar de interessante, o poema não consegue manter essa beleza inicial, e fica um tanto artificial, o que não é propriamente uma desvantagem. O que importa é que não me deu a menor vontade de traduzir o poema todo. Quem sabe alguem não se habilita?

As outras poesias me desagradaram bastante. Não sei se posso recriminar a falta de tradução dos versos de Melville, já que acredito que a literatura nacional não ganharia muito com ela, no entanto, acho que todos deveriam ter o direito de ao menos conhecer. Quem sabe no futuro não temos uma antologia de poetas americanos com poesias de Melville? Ou quem sabe não teremos um livro de poesia deles aqui?

Li alguma coisa sobre o Melville poeta, e ao que parece, a critica prefere seus grandes poemas. Não tive saco de ler seu épico Clarel, que é imenso. Do livro Battle-Pieces, uma das maiores poesias não me impressionou nem um pouco, apesar de que, nesse caso, vejo algumas qualidades que não vi em outras poesias menores do livro. Muito interessante é, sobretudo estruturalmente, e é um dos poemas mais "Modernos" (como essa palavra perdeu o significado esses anos) do livro. Tematicamente também não deixa a desejar, apesar de ser quase que circustancial. Há momentos interessantes, como:

For lists of killed and wounded, see
The morrow's dispatch: to-day 'tis victory.

The man who read this to the crowd
  Shouted as the end he gained;
  And though the unflagging tempest rained,
    They answered him aloud.


Que tentei verter, sem sucesso, para:

Para ler dos mortos e feridos as histórias,
Confira o jornal de amanhã: hoje é vitória.

O homem que o lê à multidão
 Gritou sucesso ao fim;
 Choveu muito, mas ainda assim,
  Respondeu-lhe a multidão.


É muito difícil traduzir poesia quando não se identifica com o poeta e o poema, e ainda mais se traduzindo apressadamente, só para postar no blog. De qualquer modo, é ao menos um passo para alguem criticar e tentar fazer melhor.

Como não queria fazer um post inútil, vou postar aqui uma tradução de ao menos um poema completo, feito por mim. Esse poema é o mais curto do livro, mas é também o que talvez seja mais bem construído, ao meu ver. O poema narra em 8 linhas a fé de uma viuva de soldado, que ainda tem fé, após receber a notícia fúnebre. A tradução sofreu inúmeras perdas por diversos motivos. O metro um tanto adverso não favoreceu a tradução, e a riquesa monossílabica do inglês irrita qualquer tradutor. Perdi o "priest and people" vezes, simplificando-os para todos. Em geral pude seguir mais ou menos a ultraliteralidade que me é característica, mas tive de parafrasear muito o "(summering sweerly here,/In shade by waving beeches lent)". Houve algumas mudanças estruturais, como no antepenúltimo verso. Chega de blá-blá-blá, vamos ao poema:

An Epitaph - Herman Melville

When Sunday tidings from the front
  Made pale the priest and people,
And heavily the blessing went,
  And bells were dumb in the steeple;
The Soldier's widow (summering sweerly here,
  In shade by waving beeches lent)
  Felt deep at heart her faith content,
And priest and people borrowed of her cheer.



Um Epitáfio - Herman Melville

Chegam as novas do domingo
  Que empalidecem a todos,
Dura a benção é,
  E os sinos ficam mudos;
A viuva do soldado (em certo dia
  Quente, em sombra, abanando seu libré)
  Vi que era profunda sua fé
E todos tomavam sua alegria.

Trad: Raphael Soares

Gostaria de pedir desculpas pela má tradução, outra vez, mas se até Péricles Eugênio, Augusto de Campos e Ivo Barroso, que são meus deuses vivos na arte tradutória de poesia (PE nem tão vivo assim) já erraram ou fizeram algo infeliz em questão de tradução, posso me permitir esse luxo de vez em quando.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Das Ständchen - Ludwig Uhland

Hoje posto a tradução de um poeta alemão de uma subdivisão do romantismo alemão: o grupo dos suábios. Uhland é mais conhecido por suas baladas (várias musicadas por Loewe, por exemplo) e pelo poema Der gute Kamerad, um dos hinos das forças armadas da alemanha. Esse poema não é inédito em língua portuguesa, e, para falar a verdade, o li primeiramente em português. O poema é de uma simplicidade adorável, porém não é, como o resto da obra do autor, absolutamente genial ou incrível. O texto em alemão usado para a tradução foi tirado da Antologia organizada por Geir Campos, mas procurei traduzir sem olhar a tradução anterior, sob alguns aspectos questionável. Segue a poesia.


Das Ständchen - Ludwig Uhland

Was wecken aus dem Schlummer mich
  für süße Klänge doch?
O Mutter, sieh, wer mag es sein
  in später Stunde noch.

„Ich höre nichts, ich sehe nichts,
  o schlummre fort so lind!
Man bringt dir keine Ständchen jetzt,
  du armes krankes Kind."


Es ist nicht irdische Musik,
  was mich so freudig macht,
mich rufen Engel mit Gesang,
  o Mutter, gute Nacht.

A Serenata – Ludwig Uhland

O que acorda-me da soneca
  Para esses sons ouvir?
Mãe, vê! Quem ainda pode ser
  E em tardas horas vir?

„Não ouço nada, nada vejo.
  O sono foi-se embora!
Serenata alguma a ti trazem,
  Criança enferma, agora!”


Não é a música mortal,
  Que faz-se com açoite:
Os anjos chamam-me cantando.
  Oh, mamãe, boa noite!

Trad: Raphael Soares

domingo, 29 de abril de 2012

When Man Enters Woman - Anne Sexton

Mais uma poesia da minha poeta lunática favorita: Anne sexton.

When Man Enters Woman - Anne Sexton
When man
enters woman,
like the surf biting the shore,
again and again,
and the woman opens her mouth in pleasure
and her teeth gleam
like the alphabet,
Logos appears milking a star,
and the man
inside of woman
ties a knot
so that they will
never again be separate
and the woman
climbs into a flower
and swallows its stem
and Logos appears
and unleashed their rivers.

This man,
this woman
with their double hunger,
have tried to reach through
the curtain of God
and briefly they have,
though God
in His perversity
unties the knot. 



Quando o homem penetra a mulher - Anne Sexton

Quando o homem,
penetra a mulher
como as ondas quebrando-se
e mordendo a costa,
outra vez, e outra vez,
e a mulher com prazer abre a boca
e seus dentes aclaram
como o alfabeto,
Logos surge ordenhando um astro,
e o homem
dentro da mulher
forma um nó,
então eles nunca
serão separados outra vez.
E a mulher
monta uma flor
e engole seu talo
e Logos surge
e libera seus rios.

Esse homem
e essa mulher
com fome dupla,
tentaram ultrapassar,
e por um tempo conseguiram,
as cortinas de Deus,
e é pela perversidade
d’Ele que
o nó se desfaz.

Trad: Raphael Soares

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Le Vin des amants - Charles Baudelaire

Le Vin des amants - Charles Baudelaire

Aujourd'hui l'espace est splendide!
Sans mors, sans éperons, sans bride,
Partons à cheval sur le vin
Pour un ciel féerique et divin!

Comme deux anges que torture
Une implacable calenture
Dans le bleu cristal du matin
Suivons le mirage lointain!

Mollement balancés sur l'aile
Du tourbillon intelligent,
Dans un délire parallèle,

Ma soeur, côte à côte nageant,
Nous fuirons sans repos ni trêves
Vers le paradis de mes rêves!

O Vinho dos Amantes - Charles Baudelaire

O espaço é esplêndido agora!
Sem freio, ou brida ou espora,
Vamos cavalgar sobre o vinho
Para um céu feérico e divino!

Como dois anjos que tortura
Uma implacável calentura
Do azul da aurora, cristalino,
Indo à miragem no caminho.

Calma, balançando sobre a asa
Do turbilhão inteligente,
Em um delírio que os abraça,

Irmã, nadando concorrente,
E chegaremos sem demônios
Ao paraíso dos meus sonhos.

Trad: Raphael Soares

Tradução extremamente inspirada em outras traduções anteriores, como a de Ignácio de Souza, de Ivan Junqueira e Jamil Haddad.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Der Panter - Rainer Maria Rilke

Der Panther - Rainer Maria Rilke
        Im Jardin des Plantes, Paris

Sein Blick ist vom Vorübergehn der Stäbe
so müd geworden, dass er nichts mehr hält.
Ihm ist, als ob es tausend Stäbe gäbe
und hinter tausend Stäben keine Welt.

Der weiche Gang geschmeidig starker Schritte,
der sich im allerkleinsten Kreise dreht,
ist wie ein Tanz von Kraft um eine Mitte,
in der betäubt ein großer Wille steht.

Nur manchmal schiebt der Vorhang der Pupille
sich lautlos auf -. Dann geht ein Bild hinein,
geht durch der Glieder angespannte Stille -
und hört im Herzen auf zu sein.


A Pantera - Rainer Maria Rilke
            No Jardin des Plantes, Paris

O seu olhar, de tanto olhar as grades,
Já se cansou, e a nada mais se prende.
Como se ouvessem mil grandiosas grades
E atrás das grades nenhum mundo apreende.

A marcha branda de seu passo, dentro
De um círculo muito apertado gira,
Como uma dança de força em seu centro,
Uma grande vontade se aturdira.

Por vezes as cortinas da pupila
Silenciam. - Deixa a imagem, então,
Entrar nas articulações tranquilas -
E não mais ser no coração.

Trad: Raphael Soares

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Tradutores Paraenses II - Oswaldo Orico

É notavel que o Pará possui uma tradição artística bastante antiga e de qualidade, particularmente a tradição literária e musical. Possuimos músicos como Paulino Chaves, Meneleu Campos e Gama Malcher no nosso romantismo, além de termos alguns dos mais importantes representantes na música moderna como Jayme Ovalle e Waldemar Henrique, além de outros menos famosos mas de tanto mérito quanto, como Altino Pimenta e Wilson Fonseca.

Nossa tradição literária vem desde a era Neoclássica ou Árcade, com Tenreiro Aranha, nascido na cidade de Barcelos na província do Grão-Pará (hoje Amazonas) e passou sua vida em Belém. Desde então possuimos uma tradição riquissima de escritores como o Bruno Seabra (notável em seu tempo, hoje quase desconhecido), Inglês de Sousa (segundo alguns o legítimo fundador do naturalismo no Brasil) e José Veríssimo (que além de um dos primeiros críticos literários dessa terra foi também contista) no fim do século passado. Isso sem contar os notáveis deste século, que são tão numerosos que citar seria complicado, alguns mais conhecidos outros menos.

Entretanto, a prática da tradução neste estado não tem sido muito grande, ou ao menos não tem tido muito reconhecimento. Aí vou apresentar nesses quadros alguns tradutores de poesia nascidos ou criados no Pará. A primeira postagem recebe o número II porque, indiretamente, já foi postado um outro tradutor paraense anteriormente. Para conferir a postagem clique aqui.

Oswaldo Orico foi um dos poetas notáveis do século passado. Desde muito novo recebeu destaque nas letras regionais, assumindo uma vaga na Academia Paraense de Letras. Pertenceu a um grupo de poetas que exaltavam sua região e que ironicamente se radicaram no rio, grupo esse que pertenceu Peregrino Júnior e Eneida de Morais. No rio recebeu muito destaque literário ao ponto de assumir a cadeira fundada por Rui Barbosa da ABL. Fora sua participação em diversas outras academias. Escreveu inúmeros livros em prosa e verso.

Recentemente descobri que Oswaldo Orico também traduziu alguns versos, já que encontrei em um volume uma versão sua para o célebre soneto de Arvers, o Soneto Imitado do Italiano. Já fiz uma tradução dele aqui, onde pode conferir a tradução e o texto original.

SONETO - FELIX ARVERS
Guardo um segredo n'alma; existe em minha vida
Um mistério; este amor que não pude evitar.
Jamais lhe revelei esta paixão proibida.
Que para um mal sem cura o remédio é calar.

Andarei por aí, como sombra perdida,
Sem que imagine que a seu lado vim pousar,
E, que assim ficarei para o resto da vida,
Sem lhe pedir sequer a graça dum olhar;

Ela, que é toda amor e que é toda ternura,
Há de ser sempre a mesma insensível criatura
Indiferente à voz que vibra, onde ela está.

Escrava do dever, que a torna tão feliz,
Ainda dirá, lendo estes versos que lhe fiz:
"Que mulher será esta?" E não compreenderá.

Trad: Oswaldo Orico

O primeiro a se falar é que há mais de 100 traduções desse soneto, e a do Oswaldo Orico não é das melhores, contudo, não entra também entre as piores. Apresenta dezenas de problemas, e os mais gritantes talvez seja com o abuso de rimas verbais em "ar", e para piorar nos tercetos aparece mais uma rima verbal em "á". Isso desconsiderando o "dever que a torna feliz", e o paradoxo de ela ser "toda amor e toda ternura" ao mesmo tempo de ser "insensível criatura". O mal gosto do quinto e sexto versos não precisa nem de comentário. O alexandrino foi um pouco destruido, além do ritmo do poema e do acréscimo de enjambement no primeiro verso. Enfim, mas não é das piores, e talvez seja até melhor que a minha, que tem problemas sérios na rima em "ou".

Além de tradutor, Oswaldo Orico foi poeta bilíngue, e um poeta razoavelmente notável. Sinceramente acho que há na nossa terra outros melhores e talvez mais dignos, mas não desmereço a poesia de Orico. Para que não julguem o poeta por essa tradução, fecho o artigo com uma poesia do próprio:


O FERREIRO - Oswaldo Orico
Nunca pude esquecê-lo. Forte e belo,
aos olhos da saudade ele retorna,
desferindo, com o peso do martelo,
as sonoras pancadas na bigorna.

E quando, levantando as mãos, trabalha,
vejo no seu trabalho matutino
o aço corar de medo, na fornalha,
e o ferro obedecer como um menino.

E, na forja, o carvão, áspero e bruto,
soprando por um hálito possante,
trocar a negra túnica de luto
por fugitivas chispas de diamante.

Ao pé do fogo, olhando-te altaneiro,
uma pequena testemunha havia
que te ajudava, ó velho e bom ferreiro,
a ganhar o teu pão de cada dia.

Hoje são mudos a bigorna e o malho,
o ferro não tem sopro nem tem brilho,
mas a vontade santa do trabalho
canta na alma e no sangue de teu filho.

Chama de amor, humílima e opulenta,
vindo com ela, vou para onde vai.
É a têmpera da luz que me alimenta
e que eu trago da forja de meu pai.

terça-feira, 3 de abril de 2012

The Farmer's Wife - Anne Sexton

Uma amiga minha gostou da minha outra tradução de Anne Sexton (Depois de Auschwitz), e decidi traduzir outros poemas da autora. Esse é o The Farmers Wife, que conheci em excelente tradução do Jorge Wanderley, além de possuir outras traduções em português mais opu menos felizes.

The Farmer's Wife - Anne Sexton

From the hodge porridge
of their country lust,
their local life in Illinois,
where all their acres look
like a sprouting broom factory,
they name just en years now
that she has been his habit;
as again tonight he'll say
honey bunch let's go
and she will not say how there
must be more to living
than this brief bright bridge
of the raucous bed or even
the slow braille touch of him
like a heavy god grown light,
that old pantomime of love
that she wants although
it leaves her still alone,
built back again at last,
mind's apart from him, living
her own self in her own words
and hating the sweat of the house
they keep when they finally lie
each in separate dreams
and then how she watches him,
still strong in the blowzy bag
of his usual sleep while
her young years bungle past
their same marriage bed
and she wishes him cripple, or poet,
or even lonely, or sometimes,
better, my lover, dead.

A Mulher do Fazendeiro - Anne Sexton

Do caldo misturado
de sua terra de luxúria,
sua fria vida em Ilinois,
onde cada acre se apresenta
como uma fábrica de vassouras florescentes,
faz dez anos, dizem,
que ela se tornou o hábito dele;
essa noite ele dirá outra vez
“docinho, vem cá”
e ela não dirá quão mais
sua vida precisa para viver
que essa ponte pênsil e pequena
da barulhenta cama ou ainda
o lento toque em braile dele
como um deus pesado, leve tornado,
a velha pantonima do amor
que ela quer, não obstante
vai e deixa-a só,
e outra vez volta, enfim,
as duas mentes separadas, a dela vivendo
a si mesma em suas próprias palavras
adiando o suor da casa
que eles mantêm quando se deitam
juntos em sonhos separados
e o como ela o observa,
ainda forte num saco enchido
durante seu sono usual
seus áureos anos passam perdidos
nessa mesma cama de casal
e deseja-o aleijado, ou poeta,
ou apenas só, ou algumas vezes,
melhor, amor, morto.

Trad: Raphael Soares



Essa tradução tem algumas características peculiares. Procurei manter as assonâncias e aliterações na medida do possível, algumas vezes sem importar tanto com o lexico usado pela autora, mas sempre procurando manter o sentido global. Isso explica , por exemplo a "ponte pênsil e pequena" (brief bright bridge) ou os "áureos anos" (young years), entre outros. Sem mais comentários.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Sonnet Imité de l'Italien - Félix Arvers

Eis aqui eu outra vez incursionando na língua francesa, que quase não entendo comparada com as outras línguas que aparecem no blog. Esse soneto é uma équena lacuna quando procurei saber qual era o poema mais traduzido em português. Sem dúvidas é este, que ao que parece apresenta mais de 100 traduções!!! Segundo Ivo Barroso, em sua Gaveta do Ivo, existe até um caso de "elefantíase poética" (termo de Ivo) de um tradutor que nos "presenteou com 6 traduções do mesmo poema. Eis o Poema:




Sonnet Imité de l'Italien - Felix Arvers

Mon âme a son secret, ma vie a son mystère ;
Un amour éternel en un moment conçu :
Le mal est sans espoir, aussi j’ai dû le taire,
Et celle qui l’a fait n’en a jamais rien su.

Hélas ! j’aurai passé près d’elle inaperçu,
Toujours à ses côtés, et pourtant solitaire,
Et j’aurai jusqu’au bout fait mon temps sur la terre,
N’osant rien demander et n’ayant rien reçu.

Pour elle, quoique Dieu l’ait faite douce et tendre,
Elle ira son chemin, distraite, et sans entendre
Ce murmure d’amour élevé sur ses pas ;

A l’austère devoir, pieusement fidèle,
Elle dira, lisant ces vers tout remplis d’elle :
« Quelle est donc cette femme ? » et ne comprendra pas.

Soneto Imitado do Italiano - Félix Arvers

Tenho na alma um segredo e a vida é discrição:
Num momento surgiu esse eterno amor louco,
E não tem cura o mal, que está escondido, e não
Conhece o meu sofrer aquela que o causou.

Por ela passo sem ser percebido. Oh!
Sempre ao seu lado, e por isso em solidão,
E um dia acabará meu tempo nesse chão
Sem ter ou pedir nada que a alma desejou.

Deus a fez muito doce e terna, toda a vida,
Ela partirá sem entender, distraída,
O murmúrio de amor que sempre a seguirá;

A um áustero dever que piamente a anela,
Dirá lendo estes versos, todos plenos dela:
"Quem é esta mulher?" e não compreenderá.

Trad: Raphael Soares



O que posso dizer deste soneto? É gracioso, com metro preciso. É um poema célebre que possui mais paródias que Canção do Exílio de Gonçalves Dias ou O Corvo de Poe. Esse poema garantiu a imortalidade do poeta, mas ao que parece, só esse mesmo. Já foi traduzido inúmeras vezes, e ainda assim resolvi, sei lá por quê, traduzi-lo também.

Minha tradução é medíocre, e pesa-me isto!. Se quiseres uma boa tradução, sugiro a do grande Guilherme de Almeida (em Poetas de França) ou do Heitor Praguer Froés (em Meus Poemas... dos Outros). Vantagem da do Heitor Froés é que possui também a tradução de duas paródias do soneto (mas não posso defender nem a qualidade das poesias nem das traduções).

Por quê minha tradução é medíocre? Formalmente por possuir versos sem censura (como o 8º por exemplo) ou por conter censuras e elisões meio forçadas em alguns lugares (como a censura em "e" no 6º verso ou a elisão "do,e,a" do primeiro verso). As rimas são terríveis, principalmente na primeira estrofe, onde formo uma rima lou- com causou, considerando a ligação com o outro verso (louco/e). A rima de "Oh!" (para ser pronunciada ôou!) com desejou foi meio bizarra, fora a terminação em interjeição que é meio desagradável. Acho que também ficou meio forçado o uso de "anelar" como "prender" ou "estar comprometido", tomando como referência a origem da palavra, que vem de "anel". Enfim, uma série de fatores prejudica essa tradução, apesar de tudo, gostei dela, desgostando.

Pretendo fazer uma outra tradução dela em outra ocasião, me aguardem!

sexta-feira, 16 de março de 2012

La Musique - Sully Prudhomme

Mais uma poesia daquele que foi o primeiro ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura. Gosto da poesia desse poeta, e enquanto a minha tradução de Zenith não fica completa (talvez nunca fique), posto mais um poeminha.

Alerta: Meu francês é horrível, e ainda por cima tenho a leve impressão de que não entendi o poema!!! Isso sem contar as tortuosidades métricas e sintáticas. Enfim, uma tradução reprovável, que nem ao menos tive o empenho de melhorar. De qualquer modo, como sempre, há o "original" e se a tradução desagradar ou estiver "errada" volte para o francês e traduza você mesmo!

La Musique - Sully Prudhomme
Ah ! chante encore, chante, chante !
Mon âme a soif des bleus éthers.
Que cette caresse arrachante
En rompe les terrestres fers !

Que cette promesse infinie,
Que cet appel délicieux
Dans les longs flots de l'harmonie
L'enveloppe et l'emporte aux cieux !

Les bonheurs purs, les bonheurs libres
L'attirent dans l'or de ta voix,
Par mille douloureuses fibres
Qu'ils font tressaillir à la fois...

Elle espère, sentant sa chaîne
A l'unisson si fort vibrer,
Que la rupture en est prochaine
Et va soudain la délivrer !

La musique surnaturelle
Ouvre le paradis perdu...
Hélas ! Hélas ! il n'est par elle
Qu'en songe ouvert, jamais rendu.





A Música - Sully Prudhomme

Ah! Cante outra vez, cante, cante!
O éter minha alma quer beber.
Com força empurra estrada avante
P'ra os terrenos ferros romper !

Que essa promessa, nunca finda,
Que essa chamada, como mel,
Nas ondas de harmonia linda
Que te enviam direto ao céu !

A alegria pura e livre vibra
Atraída por tua áurea voz,
Por mil mui dolorosas fibras
Que virão cada uma em sua vez...

Ela espera, e sente a prisão
Em uníssono, vibrando forte,
Que a ruptura está à mão,
De repente se entrega à sorte!

Música supernatural
Abre o paraíso perdido...
Ai! não é por ela, meu mal,
Que acho aberta, jamais sentido.

Trad: Raphael Soares

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

3 Poetas Românticos de Língua Alemã

"Deutschland, Deutschland über alles"... Essas traduções já estavam prontas há algum tempo (um ano aproximadamente), e decidi postá-las. Trata-se de 3 poesias de 3 poetas do romantismo alemão: Claudius, Heine e Seidl.

Para variar, as 3 poesias foram musicadas por Schubert. A seleção se deu a fim de colocar um grande poeta pouco conhecido em nossa língua (Claudius) e um grande poeta conhecido por essas bandas (Heine). Seidl entrou porque gosto da música, e seu poema, na verdade, foi feito para ser musicado e feito sobre temas folclóricos vienenses. A poesia de Seidl é fraca, mas boa em forma de música, tanto de Schubert como de Loewe (Die Uhr) e Haydn (Hino da Áustria). Enfim, cabe ao leitor o Juízo.


DER TOD UND DAS MÄDCHEN - Matthias Claudius


Das Mädchen:
  Vorüber! ach, vorüber!
  Geh, wilder Knochenmann!
  Ich bin noch jung, geh Lieber!
  Und rühre mich nicht an.


Der Tod:
  Gib deine Hand, du schön und zart Gebild!
  Bin Freund, und komme nicht zu strafen.
  Sei gutes Muts! Ich bin nicht wild,
  Sollst sanft in meinen Armen schlafen!




DIE STADT - Heine¹


Am fernen Horizonte
Erscheint, wie ein Nebelbild,
Die Stadt mit ihren Türmen,
In Abenddämmrung gehüllt.


Ein feuchter Windzug kräuselt
Die graue Wasserbahn;
Mit traurigem Takte rudert
Der Schiffer in meinem Kahn.


Die Sonne hebt sich noch einmal
Leuchtend vom Boden empor
Und zeigt mir jene Stelle,
Wo ich das Liebste verlor.


DER WANDERER AN DER MOND - Johann Gabriel Seidl


Auf Erden - ich, am Himmel – du²
Wir wandern beide rüstig zu:
Ich ernst und trüb, du hell³ und rein,
Was mag der Unterschied wohl sein?


Ich wandre fremd von Land zu Land,
So heimatlos, so unbekannt;
Berg auf, Berg ab, Wald ein, Wald aus,
Doch bin ich nirgend, ach! zu Haus.


Du aber wanderst auf und ab
Aus Ostens Wieg' in Westens Grab,
Wallst Länder ein und Länder aus,
Und bist doch, wo du bist, zu Haus.


Der Himmel, endlos ausgespannt,
Ist dein geliebtes Heimatland;
O glücklich, wer, wohin er geht,
Doch auf der Heimat Boden steht!






A MORTE E A GAROTA - Matthias Claudius

A Garota:
  Vai-te! Coisa ruim! Vai-te
  Vá embora, selvagem caveira!
  Ainda sou jovem, vá, me acate!
  Deixe minha vida costumeira.

A Morte:
  Dê-me sua mão, sua forma é bela e calma!
  Sou amigo, não vim para te punir.
  Não sou selvagem, mas uma boa alma,
  Em boas mãos docemente vais dormir!

A CIDADE - Heinrich Heine

No distante horizonte
Como uma imagem formada
Nas brumas surgiu a cidade,
Pelo ocaso agarrada.

Franze um fluxo de ar úmido
No curso cinza da água;
Um remador em meu bote
Numa cadência de mágoa.

O sol outra vez, radiante,
Alça-se na terra erguida,
Mostrando-me aquela estrela
Onde perdi minha querida.

O ANDARILHO NA LUA - Johann Gabriel Seidl

Tu sobre os céus, eu sobre os campos,
Juntos vivamente viajamos:
Eu grave e triste, tu branda e pura,
Pode haver distinção alguma?

De chão em chão, aventureiro
Sem lar, anônimo estrangeiro;
De selva e montes vim e vou,
Jazo ao nada, infausto estou.

Porém, tu abaixo e acima vais
Do berço ao leste à poente paz,
Peregrinas de chão em chão,
Toda parte é teu lar então?

O céu, que se estende ao sem fim,
É a querida pátria; assim
Feliz é quem, aonde quer que vá,
Esteja sempre em vero lar!



¹ O título não é de Heine, mas da música de Schubert. O Poema faz parte do Buch der Lieder e não possui título originalmente.
² Na música, esse verso é diferente.
³ Na música há a palavra "mild" no lugar de "hell", e a tradução preferiu usar o "mild", já que prefiro a música ao poema.

O que dizer desses poemas? São variáveis em qualidade. Claudius usa o tema Der Tod und das Mädchen, que é um tema caro à literatura, e é derivado do Totentanz, que é mais caro ainda. Schubert escreveu a música sobre esse poema aos 18 anos, e é uma verdadeira obra prima, o que prova que Warren e Wellek estavam errados ao dizer que a boa poesia não serve para a música. Acho impressionante como se pode fazer uma boa poesia em alemão com expressões tão prosaicas como Gute Nacht, Ich liebe dich, acht vöruber. Os compostos em alemão são sempre um problema para a tradução... por exemplo, como traduzir Knochenmann (Knoch, osso + Mann, homem)? Só me resta a palavra caveira ou esqueleto, mas perde-se a composição, fazer o quê? Mantive na tradução a rima verbal da fala da morte (punir, ferir), e procurei manter  o léxico prosaico, apesar de que a Calma e a Alma ficaram horríveis no poema.

O poema de Heine, um de meus poetas favoritos (e olha que a língua alemã tem Rilke, Goethe, Schiller e inúmeros outros), é simples, mas dá para se ver um aspecto sinistro e carontesco. Acho incrível como, apesar de todos verem Heine como poeta do amor e da natureza (incluindo Schumann, que também musicou o poeta), Schubert consegue amar e ver em Heine o poeta mitológico e sinistro da língua alemã (ver Der Doppelgänger e Die Krahe, em oposição ao Intermezzo 9 por exemplo). Na tradução perdi a composição (Abenddämmerung, que ficaria melhor vertido como pôr-do-sol) e uma imagem (a da cidade com torres, como se fosse um palácio). Na segunda estrofe tive de inverter os dois últimos versos, devido a rima. Final dramático no original, enquanto na tradução é mais romantizado. Schubert consegue melhor que eu dar drama para o final, enquanto tiro um pouco desse drama, mas o resultado final não é ruim.

Enfim, por último, o poema de Seidl me deu muita dificuldade pelos seus versos em monossílabos (como Berg auf, Berg ab, Wald ein, Wald aus), por isso perdi um pouco o ritmo ao traduzir, daí essa tradução não é cantável. Mas enfim, ao menos tentei.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Des Mädchens Klage - Schiller

Friedrich von Schiller, sem dúvidas, é um dos maiores poetas de língua alemã, ao lado de Goethe, Heine e Rilke. Um dos grandes nomes da história da literatura alemã, foi muito musicado por aquele que é o cantor de Viena: Schubert. Só para variar, estou traduzindo um poema que virou Lied por Schubert, Des Mädchens Klage, que virou música 3 vezes pelo mesmo compositor (D.6, D.191 e D.389)

DES MÄDCHENS KLAGE - Schiller

Der Eichwald braust, die Wolken ziehn,
Das Mägdlein sitzt an Ufers Grün,
Es bricht sich die Welle mit Macht, mit Macht,
Und sie seufzt hinaus in die finstre Nacht,
Das Auge von Weinen getrübet.

"Das Herz ist gestorben, die Welt ist leer,
Und weiter gibt sie dem Wunsche nichts mehr,
Du Heilige, rufe dein Kind zurück,
Ich habe genossen das irdische Glück,
Ich habe gelebt und geliebet!"

Es rinnet der Tränen vergeblicher Lauf,
Die Klage, sie wecket die Toten nicht auf;
Doch nenne, was tröstet und heilet die Brust
Nach der süßen Liebe verschwund'ner Lust,
Ich, die Himmlische, will's nicht versagen.

"Laß rinnen der Tränen vergeblichen Lauf,
Es wecke die Klage den Toten nicht auf!
Das süßeste Glück für die traurende Brust,
Nach der schönen Liebe verschwund'ner Lust,
Sind der Liebe Schmerzen und Klagen."



O LAMENTO DA MOÇA - Schiller

Formam-se nuvens, os bosques a gritar,
Uma moça está em verde orla ao mar,
Com força e com força quebram-se as ondas
E ela suspira na noite hedionda,
Olhos devido as lágrimas nublados.

"O coração está morto, o mundo é nada,
E nada mais é coisa desejada,
Vós que sois santo! Devolva o seu filho,
Tenho abdicado do mundano brilho,
Tenho vivido e também tenho amado"

Escorrem lágrimas no rosto, em vão.
Os lamentos acordam os mortos? Não!
Dize o que ao coração conforta e cura
Quando o prazer do amor já não perdura,
Eu, oh Senhor, não falharei agora.

“Deixa escorrer as lágrimas, em vão.
Mortos acordam co’os lamentos? Não!
Ao coração em luto bonança e cura
Quando o prazer do amor já não perdura,
É o sofrimento do amor que chora."

Trad: Raphael Soares

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

HEIDENRÖSLEIN - Goethe

Mais um poema que foi musicado por Schubert. Deu para perceber que sou mais fã do músico que das poesias que foram musicadas por ele né? Apesar de tudo, a tradução que segue é uma tradução do poema (ouvido sempre na forma de música).

Heidenröslein - Goethe

Sah ein Knab' ein Röslein stehn,
Röslein auf der Heiden,
War so jung und morgenschön,
Lief er schnell, es nah zu sehn,
Sah's mit vielen Freuden.
Röslein, Röslein, Röslein rot,
Röslein auf der Heiden.

Knabe sprach: Ich breche dich,
Röslein auf der Heiden!
Röslein sprach: Ich steche dich,
Daß du ewig denkst an mich,
Und ich will's nicht leiden.
Röslein, Röslein, Röslein rot,
Röslein auf der Heiden.

Und der wilde Knabe brach
Röslein auf der Heiden;
Röslein wehrte sich und stach,
Half ihm doch kein Weh und Ach,
Mußt es eben leiden.
Röslein, Röslein, Röslein rot,
Röslein auf der Heiden.

A Rosinha Sobre a Terra - Goethe

Um menino viu uma rosa,
Sobre a terra a rosinha,
Como a manhã era amorosa,
A criança correu ansiosa,
Inquieto à rosa vinha.
Rosa, rosa, rosa rubra,
Sobre a terra a rosinha.

Ele disse: “vou colher-te!”
Sobre a terra a rosinha.
Ela disse: “vou morder-te,
Que a mordida sempre alerte
Que eu não quero dor mesquinha.”
Rosa, rosa, rosa rubra,
Sobre a terra a rosinha.

Mas a criança cruel pegou
Sobre a terra a rosinha;
Ela reagiu, mas fraquejou,
Sem sorte, seu fim chegou,
Deixa cumprir-se a sina.
Rosa, rosa, rosa rubra,
Sobre a terra a rosinha.

Trad: Raphael Soares

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Sonnet XIV - Shakespeare (decassílabo e dodecassílabo)

Hoje resolvi fazer uma tradução dupla de um mesmo soneto de Shakespeare. Muito se discute sobre traduzir os Sonetos em decassílabos ou dodecassílabos, e pretendo fazer alguma discussão a esse respeito posteriormente. Por enquanto, ficam as traduções:

Sonnet XIV - William Shakespeare

Not from the stars do I my judgement pluck;
And yet methinks I have Astronomy,
But not to tell of good or evil luck,
Of plagues, of dearths, or seasons' quality;
Nor can I fortune to brief minutes tell,
Pointing to each his thunder, rain and wind,
Or say with princes if it shall go well
By oft predict that I in heaven find:
But from thine eyes my knowledge I derive,
And, constant stars, in them I read such art
As truth and beauty shall together thrive,
If from thyself, to store thou wouldst convert;
   Or else of thee this I prognosticate:
   Thy end is truth's and beauty's doom and date.



Soneto 14 - William Shakespeare (Decassílabo)

Das estrelas não tiro julgamentos,
E creio possuir astronomia,
Mas não predigo os bons ou maus momentos,
Nem faltas, nem um clima que enfastia.
Não posso predizer nenhum futuro
E afirmar sobre a fúria natural,
Ou dizer se um reinado será duro
Ao nobre, lendo celeste sinal.
Dos teus olhos, astros constantes, é
Que leio e extraio todo o meu saber,
Como a beleza, a verdade e a fé
Viverão caso em prole converter.
   Caso não seja assim, assim predigo:
   Morrerão o belo e verdade contigo.

Trad: Raphael Soares



Soneto 14 - William Shakespeare (Dodecassílabo)

Dos imensos astros não tiro julgamentos,
Embora creio ter alguma astronomia,
Não sei predizer fado bom ou de tormentos
Sobre pragas, penúria ou o clima de outro dia.
Não posso ver do futuro nem um minuto
E dizer se nele já chuva, raio ou vento,
Nem sei se um príncipe terá um reino impoluto
Apenas lendo sinais do celeste intento.
Somente dos teus olhos tiro o meu saber,
E, astros constantes, são neles que eu leio
Como a beleza e verdade vão viver
Se conseguires de multiplicar-te um meio.
   Tenho uma previsão caso ocorra o contrário:
   Beleza e verdade encontrarão o seu sudário.

Trad: Raphael Soares

domingo, 8 de janeiro de 2012

Poe - Linhas Sobre a Cerveja

Eu ia preparar outro post sobre Shakespeare, mas uma emergência me obrigou a postar outra coisa essa semana... que tal um bom e velho poema sobre a (melhor e mais velha) cerveja? E o poema ainda é um de um dos mais ilustres poetas Americanos: Edgar Allan Poe. Essa é uma boa oportunidade para conhecer uma outra face do Poeta, que não seja a d'O Corvo.

Esse poema tem uma história interessante. O poema foi atribuido a Poe por Thomas Ollive Mabbott, e o manuscrito foi supostamente visto pela última vez num bar em 1892, e reconstruído de memória. Apesar dessa origem um pouco duvidosa, não há oposições sérias contra a autoria de Poe.

De poe ou não, vamos à poesia.



[[Lines on Ale]] - Edgar Allan Poe¹

Fill with mingled cream and amber,
I will drain that glass again.
Such hilarious visions clamber
Through the chamber of my brain —
Quaintest thoughts — queerest fancies
Come to life and fade away;
What care I how time advances?
I am drinking ale today.

¹ Uma outra versão aponta: "Filled with mingled cream and amber, / I will fill that glass again [....] Faintest thoughts — queerest fancies [....]"

[[Linhas sobre a Cerveja]] - Edgar Allan Poe¹

De espuma e âmbar construído,
Quero ver a taça encher.
Visões hilárias destruíndo e
Fluíndo de dentro em meu ser -
'stranhas visões e pensares
Vivem depois vão embora;
Me importa, horas, se passares?
Estou bebendo Ale² agora.

 Trad: Raphael Soares

¹ Esta tradução está mais preocupada com a sonoridade, mantendo as rimas externas e internas e o metro de 7 sílabas. A "fidelidade semântica e lexical" foi, confesso, a última coisa que me preocupou, já que a tradução desse poema foi feita a um fim específico. Está mais para imitação que tradução.
² Ale é um tipo de cerveja (de alta fermentação, em oposição à Lager (de baixa fermentação) que é mais consumida no Brasil). Preferi manter o nome original pela sonoridade e também porquê Cerveja é Hiperônimo, e no Brasil a probabilidade de se relacionar "Cerveja" com a "American Standart Lager" ou "Pilsen" é muito grande (como se só existisse um tipo de cerveja no mundo!).

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Mais Goethe parte II - Homenagem a Guilherme de Almeida

Resolvi fazer uma pequena homenagem ao grande poeta e tradutor que foi Guilherme de Almeida. Eis aqui o famoso poema Der König in Thule de Goethe em tradução do grande poeta, seguida da minha tradução.


Goethe - Der König in Thule

Es war ein König in Thule,
Gar treu bis an das Grab,
Dem sterbend seine Buhle
Einen goldnen Becher gab.

Es ging ihm nichts darüber,
Er leert' ihn jeden Schmaus;
Die Augen gingen ihm über,
So oft er trank daraus.

Und als er kam zu sterben,
Zählt' er seine Städt' im Reich,
Gönnt' alles seinem Erben,
Den Becher nicht zugleich.

Er saß beim Königsmahle,
Die Ritter um ihn her,
Auf hohem Vätersaale,
Dort auf dem Schloß am Meer.

Dort stand der alte Zecher,
Trank letzte Lebensglut,
Und warf den heil'gen Becher
Hinunter in die Flut.

Er sah ihn stürzen, trinken
Und sinken tief ins Meer.
Die Augen täten ihm sinken
Trank nie einen Tropfen mehr.


Canção do Rei de Thule - Goethe

Houve um rei de Thule que era
mais fiel do que nenhum rei.
A amante, ao morrer, lhe dera
um copo de oiro de lei

Era o bem que mais prezava
e mais gostava de usar:
e quando mais o esvaziava
mais enchia de água o olhar.

Quando sentiu que morria,
o seu reino inventariou,
e tudo quanto possuía,
menos o copo, doou.

Depois, sentando-se à mesa,
fez os vassalos chamar
à sala de mais nobreza
do castelo, sobre o mar.

E ele ergue-se acabrunhado,
bebe o último gole então
e atira o copo sagrado
às ondas que em baixo estão.

Viu-o flutuar e afundar-se,
que o mar o encheu de seus ais.
Sentiu a vista enevoar-se:
E não bebeu nunca mais!

Trad: Guilherme de Almeida


O Rei de Tule - Goethe

Em Tule vivia um rei,
Que, fiel, a sua dama,
Uma taça de ouro em lei
Deixou-lhe na eterna cama.

Nada mais amava tanto,
E em cada festa a esvaziava;
Cada gole um novo pranto,
Sobre a taça lagrimava.

Quando sentiu vir a morte.
Todo seu reino cortou
Para os filhos, sul ao norte,
Mas a taça não doou.

E em sua mesa real,
Cavaleiros fez chamar,
Ao mais nobre e antigo Hall,
De seu paço sobre o mar.

Lá ergue-se o bebedor,
Bebe o gole derradeiro,
A sacra taça, co'amor,
Atira à água, ligeiro.

Viu-a boiar e se encher,
E ao mar descer ainda mais.
Sentiu a vista escurecer
E não bebeu nunca mais.

Trad: Raphael Soares



Como pode ser percebido, não tinha a menor intenção de superar a tradução de Guilherme. Também pode-se perceber que foi uma tradução meio improvisada (sendo que a primeira quadra traduzi há tempos), e tive a própria tradução do Guilherme como uma base (o que explica algumas semelhanças, mas nunca procurei imitar o poeta).

Enfim, mais uma velha e uma nova tradução desse querido poema de nosso querido poeta.

Mais Goethe parte I - Um Rei dos Álamos pouco conhecido

Estive sumido por um tempo, é verdade... estive um tanto desocupado e acabei não  postando nada nos últimos dias, apesar de ter feito um número razoável de traduções (a maioria do alemão, tendo inclusive autores novos), hoje irei postar uma tradução que não é minha!!! Acabei achando por acaso esse poema numa revista antiquíssima e de divulgação restrita (Revista de Cultura do Pará), e achei importantíssimo compartilhar (caso o detentor dos direitos se sinta ofendido ou lesado, retirarei com todo o prazer, mas acho que estou prestando uma homenagem ao tradutor sem lesar seus direitos). Trata-se do afamado Der Erlkönig de Goethe que já foi traduzido por mim aqui e comentado aqui. Contando duas traduções portuguesas facilmente acháveis na internet, mais a tradução brasileira disponível em Poesia Alemã (organizada por Geir Campos), mas as traduções em verso livre que comentei no post anterior sobre o mesmo tema, possuimos mais uma tradução desse belíssimo poema, feita pelo escritor paraense Sílvio Meira em tradução poética. Vamos ao que interessa, o poema acrescido dos comentários ao final (sei que prometi falar do rei de Tule do Guilherme de Almeida, mas isso fica para a parte II).



O Rei dos Alamos

Quem viaja tão tarde, à noite, e com esse vento?
É o pai com o filhinho, a cavalo, ao relento,
Aconchega o menino, abraçado com amor,
Segura-o com força, aquece-o em seu calor.

“­- Meu filho porque tens tal pavor em teu rosto?”
“­- Não vês, oh pai, o Rei dos Álamos exposto?”
Dos Álamos o Rei, com seu manto e corôa?”
“­- Meu filho é um nevoeiro que além sobrevoa”.

“­- Tu, querido nenê, vens comigo! depois
Belíssimos brinquedos divertirão a nós dois;
Na praia brotam flores, matizes variados,
E minha mãe possui muitos mantos dourados.”

“­- Meu pai, oh meu paizinho, não ouves, de repente,
O que promete o Rei, agora: docemente?”
“­- Silencio, minha criança, acalma-te um momento,
Nas folhas ressequidas rumoreja o vento.”

“­- Queres, meu bom menino, queres comigo vir?
Minhas filhas irão com prazer te servir”.
Minhas filhas promovem à noite linda dança,
Vão ninar-te e dançar e cantar sem tardança”.

“­- Meu pai, meu pai, não vês, muito além, divertidas,
As filhinhas do Rei num recanto escondidas?”
“­- Meu filho, meu filhinho, entrevejo nevoentos,
Parecem-me os salgueiros velhos e cinzentos”.

“­- Eu te adoro, e me encanta e seduz teu rostinho;
Se não desejas vir te arranco, sê bonzinho.”
“­- Meu pai, oh meu paizinho, agora me agarrou;
Dos Álamos o rei me feriu, maltratou”.

Apavora-se o pai, apressa, segue avante;
Aconchega nos braços a criança arquejante;
A casa alcança enfim, com esforços e cansaços,
O filho estava morto, inerme, nos seus braços.

Trad: Sílvio Meira (Original e minha tradução Aqui)



A tradução, em geral, é boa. A primeira estrofe é um tanto previsível, e aparentemente foi feita sem esforço. Como as outras traduções poéticas que conheço, Nebelstreif acabou virando Nevoeiro, enquanto que é apenas um pouco de névoa (que forma a imagem que o menino vê). Claro, não vou cometer a prepotência de dizer que "de névoa um metro" é a solução adequada. Acho que a solução de Silvio Meira foi melhor que a minha.

Falando de soluções acertadas, não posso deixar de citar "In dürren Blättern säuselt der Wind" que foi muito bem vertido para "Nas folhas ressequidas rumoreja o vento", ou "genau:/Es scheinen die alten Weiden so grau" vertido para "nevoentos,/Parecem-me os salgueiros velhos e cinzentos" e principalmente o último verso "In seinen Armen das Kind war tot" que virou "O filho estava morto, inerme, nos seus braços" (comparar com as minhas opções:  "São folhas secas na eólia alma"; "filho:/De velhos salgueiros cinzas o brilho" e "Co’o filho inerte, por morto dado"). Os dois substantivos que omiti (Säuselt e Leids) não foram omitidos nessa tradução.

Entretanto (tentando me defender um pouco), essa tradução não está insenta de seus problemas. A forma como o filho e o pai falam entre si parece pouco natural (apesar de fazer algo parecido ao menos uma vez). O maior problema talvez seja a quantidade significativa de acréscimos e algumas palavras um tanto forçadas para formar as rimas (destaco dança/tardança e rosto/exposto).

Enfim, a tradução de meu conterrâneo Silvio Meira acaba sendo bastante interessante, principalmente para acrescentar mais uma tradução às traduções desse magnífico poema alemão, que merece, sem sombra de dúvidas, falar fluentemente como um magnífico poema em língua portuguesa.